Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Jantar em família

Esquete apresentada no teatro O Tablado. Texto meu baseado no conto Lar desfeito, de Luiz Fernando Veríssimo. No elenco, Roberta Cecconello, Eliana Oliveira e eu.

Um Feliz Ano Novo a todos!

Vinícius Faustini


*****

Personagens:
MÃE
PAI
CLARINHA

O cenário é uma sala de jantar. Mesa e quatro cadeiras no centro do palco. Clarinha, aparenta ter no máximo 9 anos e seus pais estão jantando. Os dois comem moderadamente, enquanto Clarinha fica mexendo no prato. A menina tem um ar triste, amuado e fala para dentro.

MÃE (notando a menina) – Filha...

Clarinha a olha.


MÃE – Tá tudo bem?

Clarinha balança a cabeça afirmativamente.

MÃE – Clarinha. O que foi?

CLARINHA – Nada...

MÃE – O que aconteceu, filha. Vai, conta pra mamãe.

CLARINHA (parece que vai chorar) – Nada...

PAI – Olha, amor, ela deve estar sem fome. Não é, Clarinha?

CLARINHA – É...

MÃE – Por quê, filha?

CLARINHA – Nada... (empurra o prato e começa a chorar)

Os dois se olham. A mãe se levanta e senta numa cadeira ao lado dela, para consolá-la. O pai fica sentado, atento. Clarinha, chorando, se abraça no colo da mãe.

MÃE – Agora, conta pra mamãe e pro papai. O que aconteceu?

Ela se agarra ainda mais no colo da mãe, e balança a cabeça negativamente.

PAI (tentando ajudar) – Clarinha, você prefere que papai saia pra você e sua mãe conversarem?

CLARINHA – Não precisa... (sai do colo da mãe. Fica de pé e de costas para os dois, enxugando as lágrimas)

MÃE (enérgica, sem perder a ternura) – Então conta! O papai e a mamãe só querem ajudar...

Clarinha se vira para eles. Olha um de cada vez.

CLARINHA – Eu... Eu não sou igual a todo mundo...

A mãe e o pai se entreolham, suspiram aliviados.

PAI (levantando-se e indo em direção a ela) – Clarinha, é claro que você é igual a todo mundo. Que bobagem...

O pai faz menção de abraçá-la, mas ela anda para o outro lado.

CLARINHA – Não sou não... Ai, que tédio! A minha vida é um tédio!

MÃE (repreendendo) – Clarinha!

CLARINHA – Um tédio! Na minha vida não acontece nada...

PAI – Filha, por que você tá dizendo isso?

CLARINHA – Papai, na minha sala... (faz uma pausa, suspira) Todo mundo tem pais separados! Menos eu!

Os dois se espantam.


PAI – Então é isso, filha?

MÃE – Clarinha... Mas isso é ótimo! Você não quer ter seus pais juntos, perto de você?

CLARINHA (firme) – Não!

Eles se olham e viram-se para a filha.


OS DOIS – Não?!

CLARINHA – Não.

MÃE – Por que, minha filha?

CLARINHA – Porque... Porque... Ah, coisa mais chata! Aqui não acontece nada! A gente toma café da manhã junto todo dia, almoça junto todo dia, janta junto todo dia, faz TUDO junto todo dia! Que saco...

PAI – Clarinha, o que é que tem de mais?

CLARINHA (revoltada) – O que é que tem? E você ainda pergunta, papai?

MÃE – Poxa, filha... Você falando assim com o papai e com a mamãe...

CLARINHA – Desculpa, mamãe. Mas é verdade! Todos os meus amiguinhos chegam na escola e ficam lá, contando as coisas dos pais deles... A mãe e o pai da Vera vivem brigando! Ela tem sempre novidade pra contar... Eles já brigaram, saíram no tapa, e ontem, a Vera me contou sabe o quê?

MÃE – O quê?

CLARINHA – Que ela foi com a mãe na casa do pai dela pra cobrar uma tal de pensão alimentícia e os dois armaram o maior barraco no apartamento! (fascinada, oscila a voz de acordo com o personagem que ela fala) O pai chamou a mãe de ladra, ela respondeu chamando de vagabundo. Vaca, cachorro, nojenta, idiota, imbecil, irresponsável... Precisou a síndica chegar para acabar a briga!

MÃE – Que vergonha...

PAI – Clarinha, e você quer que seus pais façam isso?

CLARINHA – Ah, papai... O que é que custa! Só um pouquinho... (se ajoelha, rezando) Eu imploro! Por favor...

MÃE – Clarinha, você está indo longe demais...

CLARINHA – Poxa... Só uma briguinha. É pra eu contar pros meninos...

Silêncio. Os pais estão escandalizados, sem saber o que fazer.

CLARINHA (curiosa) – Vocês nunca brigam?

PAI (primeiro olha a esposa, depois olha a filha e diz) – Não, minha filha. Sua mãe e eu não brigamos.

CLARINHA – Nunca brigaram?

PAI – Claro que já brigamos. Mas sempre fizemos as pazes...

MÃE – Briga, briga, a gente nunca teve. Só desentendimentos. Mas sempre nos demos muito bem.

CLARINHA – Desentendimentos?

MÃE – É... Desentendimentos. Nas vezes que (olha o marido) o seu pai prefere ver futebol do que levar a família ao cinema!

PAI (ofendido) – Ei, o que é isso? Eu faço tudo por vocês! Aturo até aquele insuportável do seu tio quando ele vem aqui em casa e acaba com o estoque da minha cerveja!

Clarinha fica atenta, espiando. Percebe a briga dos pais e sorri de felicidade. Eles, cada vez mais, aumentam o tom.

MÃE – Ah, é? E aquela sua irmã cleptomaníaca! Toda vez que ela vem aqui, somem pelo menos 50 reais...

PAI – Não fala assim da minha irmã. (quase chorando). Ela é uma doente. O médico falou, se chama transtorno obsessivo compulsivo!

MÃE – É ladra!

PAI – Ladra é você, que pega meu salário de um mês de trabalho e gasta em uma semana no salão de beleza!

MÃE - Que mentira...

PAI - Mentira? Quanto é que custou aquele tal daquele gel palpebral que apareceu no meu cartão de crédito? Sua... sua... sugadora de salários alheios!

MÃE – Me respeita, eu sou mãe da sua filha!

PAI – Eu respeito quem não pega a minha gilete de barbear o tempo todo e usa pra depilar o buço!

MÃE – Grosso...

PAI – E nem pega a pasta do dente e aperta no meio. Se apertar na ponta, fica mais fácil de tirar, mas isso não entra na sua cabecinha, né, querida?

MÃE (chora) – Eu faço tudo por você, mas você não valoriza o meu trabalho! Insensível! Todo dia... Eu dou educação pra sua filha, levo ela na escola, corrijo os deveres de casa... Sou eu que separo suas camisas no armário por cor, do mais claro pro mais escuro, pra evitar que você se irrite! Sou eu que faço o feijão do jeito que você quer...

PAI – Ah, agora eu descobri. Eu me casei com a empregada!

CLARINHA (solidária, se aproxima da mãe) – Mamãe...

MÃE – Filha, você não merece ouvir isso...

CLARINHA (sem disfarçar o sorriso) – Eu te amo muito...

A mãe chora de alegria e a abraça.

CLARINHA – E amo muito o papai... (o abraça)

PAI – Filha, vai dormir, vai... Essas conversas são pra gente grande.

CLARINHA (balança a cabeça afirmativamente) – Boa noite...

MÃE – Vem com a mamãe... (as duas saem de cena)

O pai pega o paletó que estava na cadeira, ajeita as coisas que estavam na pasta. Está impaciente, olha o tempo todo para o lado por onde as duas saíram. A mãe retorna.

PAI (frio) – Ela já dormiu?

MÃE – Já.

Ele coloca a pasta sobre a mesa.

PAI – Tá cada vez mais difícil agradar essa menina...

MÃE – É melhor assim...

PAI – Você acha que ela acreditou?

MÃE – Claro! Ela foi dormir toda feliz...

PAI – Ainda não sei se a gente fez a coisa certa...

Ela segura as mãos dele.


MÃE – Querido, a gente fez sim! O livro de auto-ajuda que eu tô lendo diz que a gente não pode deixar os filhos crescerem traumatizados!

PAI – Então tudo bem... (levanta-se. Veste o paletó e pega a pasta. A abraça forte) Tchau.

Vai caminhando para o canto direito do palco. A pergunta dela o interrompe.


MÃE – Você já tem pra onde ir?

PAI – Eu dou um jeito. Depois eu procuro um outro lugar pra morar. (pausa)

MÃE - E o divórcio?

PAI - Você acha que é necessário mesmo?

MÃE - O livro de auto-ajuda...

PAI - Tá, tá, já entendi. Bom, amanhã vou me reunir com o nosso advogado pra gente combinar algumas coisas. Eu ligo pra cá e a gente marca um encontro... Você sabe onde.

Ela dá um sorriso assanhado.

PAI - E a gente marca pra eu vir aqui pegar as minhas coisas.

Ela joga um beijo. Ele retribui e diz.

PAI – Te amo. Deixa um beijo pra nossa filha...

PANO

domingo, 14 de dezembro de 2008

Ensaio aberto

Este texto (que fiz em parceria com Leandro Soares, ator, meu conterrâneo e parceiro de outros esquetes que fiz nos primeiros anos de Rio de Janeiro) foi criado a partir de um contexto muito interessante ocorrido no teatro carioca. Em 2003, o então prefeito César Maia nomeou Miguel Falabella como secretário de Cultura da prefeitura. Sua escolha foi rebatida por alguns ícones da classe teatral, que o acusavam de ser um "artista comercial" (definição para autores e diretores que fazem produções caras e com elenco que é bastante conhecido na televisão visando apenas o lucro da bilheteria) e, por isso, só investiria o dinheiro público em produções deste "caráter".

A polêmica ficou ainda maior por conta do investimento de R$ 1,2 milhão na montagem da Ópera do malandro, de Chico Buarque, dirigida por Charles Moeller e Cláudio Botelho. Os "artistas experimentais" (pessoas que se propõe a fazer novas formas de teatro, geralmente abordando temas mais densos e uma linguagem menos acessível ao grande público) acharam um absurdo o investimento tão alto em uma peça só.

Nesta mesma época, estava em cartaz uma peça chamada Combinado, com direção de Ivan Sugahara, e na qual, além de o público participar ativamente tentando investigar um assassinato da peça, tinha o privilégio de ver o espetáculo e ainda comer sushi servido pelos próprios atores. Para completar a balbúrdia teatral, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro abriu espaço para uma montagem da ópera Tristão e Isolda, com direção do polêmico Gerald Thomas.

Sua montagem incluía Freud como personagem, e quando os apaixonados protagonistas descobriam o amor, era jogado sobre eles um "pó" - alusão à cocaína. A platéia conservadora revoltou-se com o que foi mostrado em cena, e houve uma vaia monumental. De acordo com Gerald, alguns se exaltaram mais e o chamaram de "judeu assassino". Isto teria sido o motivo para a reação extrema do diretor - virar-se de costas para o público, abaixar as calças e deixar seu traseiro à mostra no Municipal.

Daí surgiu esta minha idéia de Ensaio aberto: um único ensaio de uma peça reunir os ícones dos teatros "experimental" e "comercial", e ainda ter destaque para a atriz bobinha "criada" pela televisão para ser bonita, gostosa e burra. Apresentei o texto ao Leandro, que contribuiu com algumas piadas (por isso, fiz questão de dividir o crédito da autoria, embora ele achasse mais justo que o texto fosse só meu), e trouxe um grupo de atores pra fazer o espetáculo.

Não chegamos a tempo do Circuito Carioca de Esquetes, mas conseguimos espaço num festival um pouco menos conhecido, chamado Curta Cena de Teatro. Em novembro de 2003, Ensaio aberto foi apresentado. Nunca soubemos do resultado, mas uma amiga nossa disse que estava perto de um jurado e, na hora da piada envolvendo Gerald Thomas (não vou explicá-la, vocês entenderão quando ela aparecer no texto) o sujeito bufou de raiva e desenhou um D num papel. Isso significa que incomodamos...

Abaixo, segue o texto, com os nomes dos atores da escalação do elenco original. Rodrigo Cirne é ator e cantor lírico, o que rendeu a ele fazer parte do elenco dos musicais de Charles Möeller e Cláudio Botelho - 7 - o musical e o muito bem sucedido Beatles num céu de diamantes. Isabel Pinheiro (não sei se ela ainda usa este nome) fez algumas participações no humorístico Turma do Didi e na novela vespertina Malhação, e faz parte da Companhia Atores de Laura, comandada pelo diretor Daniel Herz, bem como Leandro Soares, que é assistente de direção de Daniel em algumas montagens.

Além de uma ótima atriz ("estudiosa em Stanislavski e que fez aula de nu na CAL", como a gente brincava nos ensaios"), Aline Pereira é professora da Faculdade Estácio de Sá e eu tive a honra de ajudá-la em sua tese de mestrado sobre Nelson Rodrigues (inclusive, fui citado nos agradecimentos). Nana Lima eu nunca mais vi, só sei que ela ficou com um livro de peças de Nelson Rodrigues meu e me fez comprar outro pra ter as obras completas do maior dramaturgo que o Brasil já teve - e um dos maiores do mundo.

Bom, mas agora deixemos de lado as nostalgias. Conheçam o Ensaio aberto. Reparem que eu estava tão empenhado em contar esta história que até tracei o perfil dos personagens.

Obrigado a todos, e fiquem à vontade pra comentar,

Vinícius Faustini

*****

ENSAIO ABERTO

De Leandro Soares e Vinícius Faustini.


PERSONAGENS (por ordem de entrada em cena)

JÚNIA LAMAS (Aline Pereira)

Diretora teatral, com seus padrões de teatro experimental muito concretos. Tem forte personalidade e liderança firme.

FERNANDO PINHEIRO (Rodrigo Cirne)

Ator experiente, consagrado nas comédias de Guilherme Castro. Mostra estar atuando a contragosto, por achar que a direção de Júnia não está à altura de sua vasta carreira.

AMANDA BANDEIRA (Isabel Pinheiro)

Atriz respeitada no universo do teatro de vanguarda carioca. Decidida e de gênio difícil, tem sua atuação marcada por uma intensa carga dramática.

MONIQUE NOVAES (Nana Lima)

Atriz com voz aguda e irritante. Deslumbrada, sem o menor conteúdo, de inteligência duvidosa. É jovem e tem um rosto angelical.

GUILHERME CASTRO (Leandro Soares)

Autor teatral egocêntrico, estressado e com humor ácido. Coloca como primeiro plano de suas peças o faturamento e a bilheteria. Valendo-se de sua grande influência na mídia e de seus contatos, faz com que cada um dos seus espetáculos seja sinônimo de sucesso garantido.

CENÁRIO

Três cadeiras com um punhal de prata no meio do palco.

O cenário da peça já está pronto. Júnia entra em cena. Senta-se no canto direito do palco. Olha para a platéia, procurando calcular o número de espectadores. Pára, vira-se para o palco. Os atores entram em cena e se posicionam. Luzes totalmente acesas.

JÚNIA – (grita) Luz! Música! Ensaiando!

Luz diminui e se coloca em Fernando, no centro do palco. Música instrumental de forte carga dramática.

FERNANDO (em atuação que beira o ridículo) – Falência... meu Deus, estou falido! (levanta o punhal e o coloca em direção a seu peito) Agora sei como a tristeza pode assombrar o coração de uma pessoa. Sinto o devastador peso do mundo desabar em minhas costas...

AMANDA (vai em direção a ele, simula carregar uma bandeja) – Mais chá, querido?

FERNANDO – Chá? Não... Não... (foge do chá como o vampiro à cruz)

AMANDA – Acaso tens medo de olhar seu futuro no fundo da xícara?

FERNANDO – Futuro? (respira fundo, voz firme) Que futuro pode ter um empresário falido!

MONIQUE (em tom de cigana, mas com péssima entonação)- Você não olha seu futuro, pois sabe... Que ele não existe! (pausa. Vira-se para Júnia, espantada) Como assim, o futuro não existe? Ah, Júnia, olha só, não tô entendendo esse texto...

Silêncio. Os outros dois olham para ela.


FERNANDO – Assim não é possível! (sai de sua marca)

JÚNIA – Ei, ei, Fernando! Que que foi, volta pra seu lugar!

As luzes se acendem completamente.


FERNANDO – Com essas atrizes, essa peça, esse cenário! Me diz, sinceramente: você acha que eu vou arranhar minha imagem com a porcaria desse texto? Tô fora! (faz menção de sair)

AMANDA– Fernando, meça as suas palavras! Você está diante de Júnia Lamas e Amanda Bandeira, os grandes ícones do teatro experimental contemporâneo!

MONIQUE (desapontada) – E eu?

FERNANDO – Grandes merdas! Não perco meu tempo com isso!

Júnia lança, como última cartada.

JÚNIA – Como você tem coragem de desprezar um texto de Guilherme Castro? Depois de todos os sucessos que as peças dele te proporcionaram?

FERNANDO – Guilherme Castro? Há um engano aqui, essa não é a peça do Guilherme que eu aceitei fazer. Meu papel na peça dele é o de um dono de fábrica de papel higiênico que faz loucuras para sair do vermelho! A proposta era bem clara: Fernando Pinheiro em Socorro! Deu rolo no meu papel higiênico. Eu ia fazer uma comédia... Claro, se a sua direção não esculhambasse com o texto.

JÚNIA – Não esculhambei texto nenhum! (deslumbrada, rodopia pelo palco) Ao contrário, fiz os personagens evoluírem. Em meio a todo aquele besteirol sem o menor sentido, da piada pela piada, eu enxerguei o âmago, a essência, as sombras que acompanhavam aqueles personagens, e dei um caráter realista! Fiz um favor pro Guilherme, pra você e pra peça!

Fernando se dá conta da platéia.

FERNANDO – E ainda tem platéia pra me ver aqui!

MONIQUE – Ai, é. Imagina, menino, se tem um diretor da Globo aqui! Vai que ele gosta de mim e me chama pra fazer uma novela! Tô tão na geladeira ultimamente, não me chamam nem pro Linha Direta. Será que meu cabelo tá legal? E o decote? (ajeita para destacar o volume dos seios) Será que ele mostra todos os meus talentos?

FERNANDO – E eu aqui pagando esse mico na frente de todo mundo. Que humilhação. (põe as mãos na cabeça) O que vão dizer os jornais! Depois de trinta anos eu consigo a simpatia da Bárbara Heliodora pra na peça seguinte botar tudo a perder! Eu não mereço isso! Eu não mereço!

JÚNIA (enérgica) – Fernando, pára de reclamar, esse estresse semanas antes da peça é normal. Vamos fazer um break e daqui a pouco a gente continua.

AMANDA – Vou aproveitar pra ensaiar minha próxima cena. Ainda não tô tão segura do texto. (pega o texto e fica lendo, num canto)

FERNANDO (indignado) – E eu , vou ligar pro meu empresário! (sai)

JÚNIA – (à platéia) É, bem, vocês desculpem, sim? Esses atritos... fazem parte da realização de um espetáculo. Peço um pouquinho da compreensão de vocês, a gente vai recomeçar já, já. (sai)

MONIQUE – Gente, se tiver algum fã aí na platéia, autógrafos ali no camarim. Monique Novaes estará pronta pra atender vocês. (vai sair, mas se lembra de dizer uma coisa e volta.) Beijos.

Monique sai. Guilherme entra em cena.


GUILHERME – Isso aí, Bonfim! É retorno garantido. Daqui a duas semanas, mais uma comédia daquelas. O quê? Não, não, eu ainda não vi nenhum ensaio. Sabe como é, a Júnia pediu pra ter essa liberdade e eu concordei. Afinal de contas, ela é minha mulher! Como assim arriscado, Bonfim? (tenta falar, mas quem está do outro lado da linha parece não deixar. Fala a mesma palavra em vários tons) Bonfim, Bonfim, Bonfim (enfim, explode) Bonfim, me diz se alguma vez meu teatro deu prejuízo? Ainda mais que é peça com o Fernando, exigência minha! Relaxa, meu teatro é rentável e da melhor qualidade, e a Júnia não tem como alterar nada, nem uma linha. Quanto a isso você pode ficar tranqüilo. Um abraço.

Olha o cenário, com o fundo preto.


GUILHERME – Ué, o Tovar não trouxe o cenário? (olha as três cadeiras) Acho que entrei no teatro errado... Três cadeiras, fundo preto... (ri) Deve ser uma daquelas peças de vanguarda. Sim, porque pra eles um fundo preto, uma fumaceira e um feixe de luz já tá ótimo. Se depender dessa gente do teatro experimental, a profissão de cenógrafo entra em extinção. Além do que, é cheio daqueles simbolismos. Tipo, agora só falta entrar alguém de pomba!

Amanda ensaia o seu solo.

AMANDA (batendo as asas, feliz e caricata) – EU SOU UMA POMBA! EU SOU UMA POMBA!

Guilherme se assusta.


GUILHERME – Meu Deus! O que é isso?

AMANDA (reverenciando) – Uma pomba!

JÚNIA (entra no canto oposto) – Guilherme, você chegou!

GUILHERME– Júnia, um momento! (anda pelo cenário. Pára, o observa. Olha pra ela. Observa novamente. Olha pra ela, incrédulo.) Júnia! Que peça é essa que você tá montando?

JÚNIA (natural) – A sua!

GUILHERME – Como minha peça? E ainda por cima essa mulher tá fazendo texto meu?

AMANDA – Alto lá, Guilherme Castro! Você está diante de Amanda Bandeira, a musa do teatro de vanguarda!

GUILHERME – Musa do teatro de vanguarda... Você tá é na sarjeta que eu sei!

AMANDA – Fale o que quiser, meu caro. Mas como diria Oscar Wilde, “estamos todos na sarjeta, mas alguns estão olhando as estrelas”.

GUILHERME – Como diria Nelson Rodrigues... “FODA-SE!”

AMANDA (constrangida) – O que não se faz pra não perder a amizade de Júnia Lamas... Júnia, vou fumar um cigarro. (sai envergonhada)

GUILHERME – Júnia, que piada é essa... Eu falei pra você que eu queria o Fernando no papel principal! Cadê o Fernando?

Fernando entra berrando.


FERNANDO – Guilherme! Ah, Guilherme, até que enfim!

GUILHERME – Fernando, me explica o que tá acontecendo?

FERNANDO – Essa doida (aponta pra Júnia) simplesmente destruiu seu texto! Tá mudando tudo! Daqui a pouco vai, sei lá... Querer que eu mostre a bunda pra platéia!

GUILHERME (num impulso) – Não faz isso! Não faz isso. Um diretor de vanguarda tempos atrás fez isso e não deu muito certo. Aliás, não sei o que faz um indivíduo ficar de costas pra platéia e mostrar o derriére. Só se for pra ver a naba da crítica entrar!

FERNANDO (pensativo) – Se bem que nu artístico até que tem dado dinheiro ultimamente...

GUILHERME (muda o tom) – Como assim? Dinheiro? Me explica esse negócio...

FERNANDO – É... Um striptease sensual... Tipo assim...(Simula um striptease ao som de música sensual)

Guilherme olha e até arrisca dançar como Fernando. Júnia dá um tapa em seu braço e ele cai em si.

GUILHERME – Fernando, recomponha-se! Olha o vexame! (vira-se para Júnia) E quanto a você, Júnia Lamas, francamente, não entendo! Você disse antes dos ensaios começarem que tinha gostado do meu texto!

JÚNIA –Olha, querido, o seu texto tá muito bom, mas eu percebi que faltava nele... faltava... (gesticula, tentando achar palavras)

GUILHERME – Fala logo, Júnia!

JÚNIA – (ponderada) É, como é que eu vou dizer... Faltava... Aos personagens... Eles eram muito superficiais, não tinham definidas as missões que tinham sido destinadas às suas almas. Foi um difícil aprofundamento, muitas pesquisas, discussões, até eu conseguir lapidar o diamante.

GUILHERME (incrédulo) – Você teve coragem de alterar o meu texto?

JÚNIA – Não é que eu tenha alterado, amor. Eu só separei o joio do trigo, joguei fora as palavras mal fundamentadas, as discussões que ligavam nada a lugar nenhum e tirei de cada personagem o sumo.

GUILHERME (levanta-se, uma pilha) – Sumo, sumo. Sumo você extraia quando estiver fazendo um suco de laranja. (vira-se de frente para a platéia, mas olha para cima, com as mãos para o céu) Meu Deus, aonde eu tava com a cabeça quando entreguei a minha peça pra essa louca?

Pára. Encara a platéia.

GUILHERME (sussurrando) – Tem gente na platéia?

JÚNIA – Claro, hoje é dia de ensaio aberto!

GUILHERME – Ensaio aberto? (pausa. Faz uma cínica e debochada simpatia) Oi, platéia! Tudo bem? Tudo certo? Por favor, fiquem à vontade. Disponibilizamos a vocês todo o conforto durante a estada em nosso teatro! Tem água, tem café... Não, não, não tem sushi. Sushi servem em outro teatro. (volta ao seu estresse, falando para Júnia) Que negócio é esse de ensaio aberto? Você abriu o teatro pro público ver o ensaio da minha peça?

JÚNIA (tenta suavizar, e amenizar o sentimento de culpa) – Mas é ensaio pago...

GUILHERME – Ah, ótimo! Agora só falta você colocar ali na entrada do teatro uma caixinha de sugestões com a pergunta COMO ESTOU DIRIGINDO?

Entra Monique.

MONIQUE (entra, cativando a platéia, com o óbvio interesse nos possíveis olheiros) – Oi, gente! Tão gostando? Pois é, olha só, se alguém estiver interessado em me contratar, meu telefone de contato é ... (pausa. Sorri) Ih, tá vibrando! (feliz)Já deve ser algum interessado... (atende o celular, suave) Monique Novaes, pois não? (escuta um pouco, fazendo cara de espantada. Enfim, distancia o telefone do ouvido) Que absurdo! (surpreende o autor da ligação na platéia) Tarado!

GUILHERME (para Monique) – De onde você surgiu, minha filha?

MONIQUE – Olha só, o senhor me respeita que eu sou uma atriz com muito talento.

GUILHERME – Ô Júnia desde quando você tá colocando qualquer um na minha peça?

MONIQUE – Qualquer um não! O senhor fique sabendo que eu passei em sétimo lugar no concurso Talentos Brilhantes, fui dois anos dançarina do Caldeirão do Huck e por pouco não fui elenco de apoio da novela do Manoel Carlos.

JÚNIA – Monique, meu anjo, não precisa repetir o seu vasto currículo toda hora!

MONIQUE – Não, mas você sabe, Júnia, que meu currículo é considerável. (ainda indignada) Porque estudei teatro! Eu fiz Tablado, Martins Pena, CAL, KEL, KIL, COL, CUL! Li muito sobre teatro, tá? (mentindo e inventando) Li Stanilaviski, Brecht, Tchaicovski... Li muita coisa também daquela autora francesa... (lembra) Moliére! Não entendi muita coisa não, mas li! Li sim! Minha mãe tá na platéia e pode confirmar que eu li! (para o público) Fiz muito teatro também! Afinal, gente, o teatro é uma escola, né?! E meu talento vem do berço!

Amanda entra, já vestida de pomba.

AMANDA – Júnia, olha aqui, meu figurino chegou!

GUILHERME – Júnia, eu não to acreditando que essa história de pomba tá na minha peça! O que é que esta porra desta pomba está fazendo NA MINHA PEÇA?

JÚNIA – Amor, é a essência da mulher do empresário! Ela, em meio à escuridão que aflige a alma do marido empresário e falido, encontra sua aura livre, livre das imposições patriarcais!

GUILHERME (sarcástico) – Ah, a minha comédia tem um cunho libertário para as mulheres!

JÚNIA – Sim! Eu sabia que você ia gostar, Guilherme! O MEU teatro vai além de uma mera encenação! É a confrontação do ser humano com a essência do seu ser!

Guilherme vai entrando em processo de tensão, ele treme. Monique tenta falar alguma coisa, mas é interrompida pela fala de Amanda.

AMANDA – Magnífico! Sublime! Aplausos, Júnia! Isso é que é teatro! E não esse besteirol que fazem por aí só pensando em ganhar dinheiro! À soberania do teatro reflexivo!

Monique tenta falar alguma coisa novamente.


GUILHERME – (num estresse risível) Claro que estou pensando em ganhar dinheiro! Eu lá vou trabalhar de graça, minha filha?

MONIQUE– Olha só, gente, desculpa, mas alguém podia me explicar esse negócio de... Confrontação, essência do ser... É que eu não entendi muito bem...

Fernando a segura pelos dois braços.


FERNANDO (com gestos pesados) – Calma! Calma! Tira do fundo! Você consegue! No final, dá tudo certo...

Monique sorri e suspira aliviada.

GUILHERME – (ri, maquiavélico) Vocês estragaram minha peça!

Todos se assustam e vão para um canto.

GUILHERME - Jogaram meu trabalho no lixo! Ainda por cima em ensaio aberto! Mas isso não fica assim... Não fica! Preparem-se... (pega o punhal da peça, que está sobre a cadeira onde Fernando estava sentado no ensaio. Começam os acordes do tema de Psicose. A luz diminui, mantendo um aspecto sombrio.) Agora sentirão toda a minha ira!

JÚNIA (apavorada) – Guilherme, calma, querido, é só uma peça!

GUILHERME – (Olha para a platéia e esclarece) Senhoras e senhores, vocês assistirão agora à sensacional peça “A vingança do escritor sanguinário”, um texto de improviso, mas com requintes de crueldade explícita... Por favor, desliguem seus celulares... (vira-se para os quatro) E bom espetáculo. (solta uma risada comicamente aterrorizante.)

Guilherme aponta o punhal para eles, que gritam. Todos congelam.

PANO

© Copyright- Leandro Soares e Vinícius Faustini, 2003. Todos os direitos reservados.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

É uma partida de futebol

Esquete feita para ser apresentada no teatro O Tablado. Com adaptações, ela foi apresentada num evento de teatro amador chamado NET, em Minas Gerais - graças ao amigo do meu pai, Hachiro.

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Personagens

MENDONÇA
LOURIVAL
CARLINHOS
GARÇOM
ASSALTANTE

Cenário
Um bar. Mesa com quatro cadeiras. Sobre a mesa, algumas garrafas vazias, três copos de cerveja e pratinhos de tira-gosto. Ao fundo, um balcão, com uma caixa registradora.

Sobe a música ‘É uma partida de futebol’. Ilumina-se o cenário. Mendonça, Lourival e Carlinhos estão sentados olhando para o lado no qual está uma televisão imaginária.
Eles conversam sempre de olho na TV. O Garçom está de pé, a postos para ser atendido, mas também acompanhando a partida.


MENDONÇA – Esse cara tá prendendo a bola demais...

LOURIVAL (esbraveja) – Chuta, porra! (se desaponta) Assim não é possível! É a terceira vez que ele perde a bola para esse beque...

MENDONÇA – Ah, Lourival, mas ele é o craque do time!

LOURIVAL – Mendonça! Craque que é craque de verdade não fica dez rodadas sem jogar absolutamente nada.

CARLINHOS (bêbado) – O Lourival está coberto de razão! É por isso que eu sempre bebo em jogo.

Os outros dois o ignoram.

MENDONÇA – Olha a zaga aberta!

LOURIVAL – Segura! (pausa, expectativa) Ufa... Foi quase!

CARLINHOS (querendo ser notado) – Psiu...

MENDONÇA – É a quinta vez que o cara entra na área sozinho... (faz um sinal) Garçom!

O Garçom se aproxima da mesa.


GARÇOM – Pois não...

MENDONÇA – Traz mais uma gelada!

CARLINHOS – Psiu... Eu estou falando com vocês...

O Garçom traz a garrafa de cerveja.

LOURIVAL – O negócio é o lado direito! Esse lateral é uma avenida!

O Garçom serve os três.

CARLINHOS – Se vocês não me perceberam, eu me dirigi a vocês...

LOURIVAL (grita) – Não toca pros lados, porra!

CARLINHOS – Estão me marginalizando... Eu fico muito sentido com isso...

MENDONÇA (grita) – Olha essa bola!

Carlinhos bate na mesa. Todos se assustam.


LOURIVAL – O que é que é, Carlinhos?

CARLINHOS – Eu estou pedindo a atenção. Há horas que eu venho tentando me dirigir a vocês e vocês me ignoram. Eu tenho que apelar...

LOURIVAL – Carlinhos, a gente veio aqui pra ver o jogo!

CARLINHOS – Cala a boca e escuta, Lourival!

LOURIVAL (segura o colarinho dele) – Ninguém me manda calar a boca aqui não, tá legal?

MENDONÇA – Calma... Calma, Lourival! Fala, Carlinhos, estamos escutando...

CARLINHOS – O que eu estava tentando falar pra vocês é que eu fiz uma teoria sobre porque eu sempre fico assim, bebendo até cair, em todo jogo...

LOURIVAL (irritado) – E eu lá quero saber, Carlinhos? (a Mendonça) Eu vou dar uns tapas nele!

CARLINHOS (ri) – Ui... Tá nervosa a donzela?

LOURIVAL – Escuta aqui, ô rapaz...

MENDONÇA – Lourival, deixa ele falar...

Lourival balança a cabeça afirmativamente, mas, enquanto Carlinhos fala, ele faz gestos olhando para a TV, de acordo com os lances do jogo.


MENDONÇA – Fala, Carlinhos...

CARLINHOS – Mendonça... Como eu ia dizendo, eu cheguei a uma brilhante teoria sobre porque eu bebo em jogo... É o seguinte. Quando você tá de porre, independente do resultado, você fica bem... Se ganha, já to no ponto pra comemorar. Se perde, já to com as mágoas definitivamente afogadas... Isto, meu amigo Mendonça, é o que se chama de uma atitude preventiva... Eu sou um cara muito prevenido...

LOURIVAL (berra) – Vai!

Mendonça se vira bruscamente. O atacante está próximo da grande área.

MENDONÇA – Chuta...

CARLNHOS – Vai!

LOURIVAL (indignado) – Pênalti!

MENDONÇA – Foi pênalti, juiz!

GARÇOM – Safado!

LOURIVAL – Ah, o que é que é isso? Esse babaca vai fazer a gente perder o jogo.

GARÇOM – Esse cara é um ladrão!

O Assaltante entra em cena.


ASSALTANTE – Isso é um assalto!

O Garçom se espanta e, prontamente, levanta os braços. Nenhum dos três se vira para olhar o Assaltante.

LOURIVAL (irritado) – Cala a boca! Olha o jogo!

MENDONÇA – Solta essa bola...

CARLINHOS (cantarolando) – O meu time é a alegria da cidade...

ASSALTANTE – Ih, jogo é o caralho, mermão! Qual é, perdeu, perdeu!

MENDONÇA – Perdeu não, ainda tá zero a zero.

ASSALTANTE (ao Garçom) – Vai passando a grana aê, mermão! E vocês aê também, bacana!

MENDONÇA (sem tirar os olhos da TV imaginária) - Só depois do jogo...

ASSALTANTE – Que depois do jogo o quê! Eu tô trabalhando, sacoé?

LOURIVAL – Que se dane o seu trabalho! Eu quero ver o jogo...

ASSALTANTE – Tu tá ligado que perdeu, cumpádi!

CARLINHOS – Você não ouviu, amigo? Eles falaram SÓ DEPOIS DO JOGO!

MENDONÇA – Vai! (se desaponta) Na trave!

O Assaltante agarra o Garçom e coloca uma arma na cabeça dele.


LOURIVAL – Joga no meio!

MENDONÇA (comenta) – Esse aí tá cada dia mais fominha...

ASSALTANTE – Olha só, coloquei o garçom como refém! Se ninguém me entregar o dinheiro eu passo fogo no garçom!

GARÇOM (tremendo) – Piedade! Pelo amor de Deus...

ASSALTANTE – Pô, mermão, foi mal, eu sei que tu é trabalhador, mas com esses caras aí não tá dando não! É a primeira vez que eu faço um assalto e ninguém presta atenção em mim...

GARÇOM (implorando) – Por favor...

ASSALTANTE – Cara, não posso voltar pra casa sem ter matado ninguém. Promessa que fiz pra minha mãezinha...

MENDONÇA – Encosta um com ele!

GARÇOM – Atira em qualquer outro! Eles estão ligados no jogo, nem vão perceber! É capaz deles morrerem só quando o jogo acabar!

ASSALTANTE (chora) – Eu sei que é difícil! Tu é gente fina, me deu atenção quando eu anunciei o assalto... Mas, bróder, é muito humilhante...

MENDONÇA – Solta a bola! Faltam dois minutos pra acabar!

ASSALTANTE – É duro, cara, tu chegar num lugar crente que vai meter medo nos outros e ninguém tá nem aí, neguinho te ignora...

GARÇOM – Por favor, tenta mais uma vez...

ASSALTANTE (suspira) – Beleza! Só porque tu é sangue bom...

O Garçom fica ajoelhado e rezando.

ASSALTANTE (aos que estão na mesa) – Aí, mermão, perdeu! Perdeu! Vou barbarizar geral!

Silêncio, todos atentos ao jogo. O Assaltante pega o Garçom pelo braço.

ASSALTANTE – Só lamento, esse é o meu serviço...

GARÇOM – Ah, não faz isso comigo!

ASSALTANTE – Vamos ver se agora os caras escutam! (aos outros) Olha aí, eu vou contar até três...

LOURIVAL – Cala a boca, infeliz! Não tá vendo que eu to prestando atenção no jogo?

CARLINHOS (cantarolando) – O meu time é a alegria da cidade...

ASSALTANTE – É um... (o Garçom treme de medo)

MENDONÇA – Fica quieto e vê o jogo...

ASSALTANTE – Dois...

LOURIVAL (empolgado) – Entrou na área...

ASSALTANTE – Eu vou chegar no três e passar fogo no garçom!

MENDONÇA (alegre) – Passou pelo goleiro...

O Assaltante engata a arma.

ASSALTANTE – E é...

TODOS – Gol! Gol!

Carlinhos grita gol e cai da cadeira, muito bêbado. Lourival e Mendonça se abraçam, gritando ‘Gol’. O Assaltante deixa o Garçom de lado, se aproxima da TV imaginária e sorri. Guarda o revólver e se junta à comemoração. Atônito, o Garçom também comemora.


LOURIVAL – Acabou!

ASSALTANTE – Ganhamos, porra!

MENDONÇA – A próxima garrafa é por minha conta.

LOURIVAL – Levanta daí, Carlinhos!

Lourival o ajuda e ele volta a sentar-se.


CARLINHOS (cantarolando) – O meu time é a alegria da cidade...

MENDONÇA – Garçom! Mais uma!

O Assaltante vai saindo, mas Lourival se dirige a ele.

LOURIVAL – Ei, cara... Senta aí!

ASSALTANTE (sem jeito) – Não, desculpa, eu não posso...

LOURIVAL – Deixa de ser besta, rapaz... A gente que tá te oferecendo...

ASSALTANTE – Mas...

LOURIVAL – Senta aqui! (ao Garçom) Traz mais um copo.

O Assaltante se junta ao grupo. O Garçom traz a cerveja e vai servindo os copos.


GARÇOM – Esta é pra comemoar!

LOURIVAL – É isso aí!

CARLINHOS (cantarolando) – O meu time é a alegria da cidade...

MENDONÇA – Um brinde! Essa merece!

Todos brindam.

LOURIVAL (dá um tapa nas costas do assaltante) – E aí, cara, você quer mais alguma coisa?

ASSALTANTE – Como é que é?

LOURIVAL – Tem cara de quem tá com fome...

ASSALTANTE – Precisa não...

LOURIVAL – Faço questão, rapaz!

ASSALTANTE – Que é isso, vocês nem me conhecem!

MENDONÇA – É, a gente não se conhece! Mas tu tem cara de gente boa!

ASSALTANTE (feliz) – Tu acha mermo?

MENDONÇA – Pô, a gente torce pro mesmo time! Então, tá tudo em casa...

LOURIVAL – Vai, gosta de um X-Tudo?

O Assaltante balança a cabeça afirmativamente.


LOURIVAL – Garçom, traz um X-Tudo pra ele.

O Garçom vai em direção ao bar. Sobe a música ‘O meu time é a alegria da cidade’. Eles conversam, brincam, riem e, aos poucos, a luz desce.

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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Na farmácia

Esquete feita para ser apresentada no teatro O Tablado.

*****

Personagens
BALCONISTA 1
BALCONISTA 2
DONA GERTRUDES
ENFERMEIRA
GERENTE

A cena se passa numa farmácia. A Enfermeira entra em cena, dando apoio a uma senhora, que anda com dificuldade. O Balconista se prontifica.

BALCONISTA 1 (gentil) – Boa tarde. Em que posso ajudá-las?

DONA GERTRUDES (à Enfermeira) – Eu quero o meu mingau!

ENFERMEIRA – Shhh... Calma, dona Gertrudes. Estamos numa farmácia...

DONA GERTRUDES – Não interessa! Eu quero o meu mingau, copeiro. E com muita aveia!

ENFERMEIRA – Dona Gertrudes, ele não é copeiro. Ele é balconista da farmácia. (a ele, sem graça) Bem, o senhor desculpe...

BALCONISTA 1 – Correto... Eu compreendo. (tempo) O que a senhora deseja?

ENFERMEIRA – Bem, senhor... A minha paciente já está muito debilitada. Além das (vai apertando a dona Gertrudes, que geme a cada beliscão) dores no pescoço, no braço, na bacia, na barriga...

DONA GERTRUDES (interrompe, brusca) – Pára! Não precisa demonstrar as minhas dores pro moço...

ENFERMEIRA – Bem... O senhor vê o estado dela.

BALCONISTA 1 – Sim... Posso imaginar.

ENFERMEIRA – Pois bem... Além das dores, a dona Gertrudes tem narinas muito sensíveis e, por mais que se troque duas vezes por dia as fronhas do seu travesseiro, ela sempre passa o dia espirrando.

DONA GERTRUDES (protesta) – Isso não é verda... (espirra) Verdade (espirra) Eu tenho uma (espirra) saúde de (espirra) garota (espirra duas vezes).

ENFERMEIRA – Como você vê! (pausa) E o médico recomendou que ela use um travesseiro especial.

(Sugestão: ela pode seguir espirrando enquanto a Enfermeira fala)

BALCONISTA 1 – A senhora...

ENFERMEIRA (interrompe, se insinuando) – Senhorita.

BALCONISTA 1 (percebe e fica sem graça) – Senhorita... (tempo) Nós temos aqui um travesseiro sob medida para sua paciente. É o mais novo travesseiro anti-alérgico lançado no momento.

DONA GERTRUDES – O quê? (desesperada) Minha filha, vamos embora! Rápido, rápido!

ENFERMEIRA – O que houve, dona Gertrudes?

DONA GERTRUDES – Eu quero ir embora daqui! Esse homem é louco!

ENFERMEIRA – Acalme-se, dona Gertrudes...

BALCONISTA 1 – Algum problema?

ENFERMEIRA – Eu não sei...

Dona Gertrudes vai ficando ofegante.

ENFERMEIRA (revirando os bolsos) – Sua bombinha... Sua bombinha!

Dá a bombinha à dona Gertrudes, que se alivia.

DONA GERTRUDES – Aaaah... Já!

BALCONISTA 1 – A senhora está melhor?...

DONA GERTRUDES – Queria que eu morresse, né, seu assassino? (tenta partir para cima dele) Pensa que eu não percebi que existe um complô seu com esta garota! Vocês me matam e levam meu dinheiro!

ENFERMEIRA – Dona Gertrudes, pare com isso!

BALCONISTA 1 – Epa, sou um homem direito!

DONA GERTRUDES – Conheço muito bem seu tipo! Um homicida que se disfarça de farmacêutico só para atacar pessoas indefesas... Socorro! Estão tentando me matar! Socorro!

Balconista 2 entra em cena.

BALCONISTA 2 – Mas o que é que está acontecendo aqui?

DONA GERTRUDES – Oh, ainda bem! Uma menina que parece ter bom coração!

BALCONISTA 2 (ao Balconista 1) – Do que é que ela está falando?

BALCONISTA 1 – Eu sei lá!

DONA GERTRUDES – Confessa, seu assassino! Confessa! (à Balconista 2) Minha filha, este sujeito estava querendo me matar...

ENFERMEIRA – Dona Gertrudes, pare com isso!

DONA GERTRUDES – Pensa que eu não sei do plano diabólico de vocês?

ENFERMEIRA – Não tem plano nenhum, dona Gertrudes! (à Balconista 2) A senhorita não me leve a mal, mas ela está caducando...

BALCONISTA 2 – Alguém pode me explicar?

BALCONISTA 1 – Olha, foi o seguinte. Esta senhora...

ENFERMEIRA – Senhorita!

BALCONISTA 1 – Senhorita. Ela veio fazer um pedido e aí veio esta velha...

DONA GERTRUDES – Velha é a vovozinha!

BALCONISTA 2 – Tá, tá, deixa! (ao Balconista 1) Deixa que eu atendo ela...

BALCONISTA 1 – Mas, mas...

BALCONISTA 2 – Você é muito mal educado, só sabe assustar as pessoas!

BALCONISTA 1 – Pior você que ta querendo ganhar o cliente só pra ganhar o título de funcionária do mês!

DONA GERTRUDES – Ei, vem cá! Eu não tenho o dia inteiro!

ENFERMEIRA (repreendendo) – Dona Gertrudes!

DONA GERTRUDES – Mas eu quero o meu mingau!

ENFERMEIRA – Dona Gertrudes!

BALCONISTA 2 – Senhora, estou aqui para atendê-la...

BALCONISTA 1 – Ah, é assim, é?

DONA GERTRUDES – Vai embora, seu nazista!

BALCONISTA 1 – Olha aqui! Vocês tão ferindo a minha dignidade! Eu vou chamar o gerente... (sai)

BALCONISTA 2 – Bem, as senhoras desculpem. Espero que isto não se repita.

ENFERMEIRA – Posso fazer o pedido?

BALCONISTA 2 – Pois não.

DONA GERTRUDES – Lá vamos nós de novo...

ENFERMEIRA – A minha paciente já está muito debilitada. Além das (vai apertando a dona Gertrudes, que geme a cada beliscão) dores no pescoço, no braço, na bacia, na barriga...

DONA GERTRUDES (interrompe, brusca) – Pára! Eu já falei que não precisa demonstrar minhas dores pra elas!

BALCONISTA 2 – E a senhora tem a receita do remédio?

ENFERMEIRA – Mas não é remédio pra dor que eu vim comprar aqui. É que a dona Gertrudes tem narinas muito sensíveis e, mesmo sendo trocadas duas vezes por dia as fronhas do seu travesseiro, ela sempre passa o dia espirrando.

DONA GERTRUDES (protesta) – Eu já falei que (espirra) é mentira (espirra), eu tenho uma (espirra) saúde (espirra duas vezes) de ferro (espirra três vezes).

ENFERMEIRA – O médico recomendou que ela use um travesseiro especial.

(Sugestão: ela pode seguir espirrando enquanto a Enfermeira fala)

BALCONISTA 2 – Ah, claro! Meu Deus, uma coisa tão simples e o meu colega de trabalho fazendo este escândalo!

DONA GERTRUDES – Ele é um criminoso!

BALCONISTA 2 – Dona...

DONA GERTRUDES – Gertrudes, minha filha!

BALCONISTA 2 – Dona Gertrudes, cá entre nós... Ele está assim porque a nossa gerente está prestes a mandá-lo embora.

DONA GERTRUDES – Ah, sim? Bom, com razão, é um incompetente e criminoso!

BALCONISTA 2 – Certo, mas aqui eu tenho produto especial pra senhora, dona Gertrudes! Um travesseiro que é anti-alérgico!

DONA GERTRUDES – Oh! (faz menção de desmaiar)

ENFERMEIRA – Está se sentindo bem, dona Gertrudes?

BALCONISTA 2 – O que houve?

DONA GERTRUDES – Cínica! Você também é cúmplice!

BALCONISTA 2 – Eu não estou entendendo!

DONA GERTRUDES – Vocês são todos uns genocidas! Querem exterminar a minoria da população!

BALCONISTA 2 – Claro que não, dona Gertrudes...

ENFERMEIRA – Dona Gertrudes, isto não tem graça!

DONA GERTRUDES – Não tem graça porque o plano diabólico de vocês não está dando certo!

BALCONISTA 2 – Eu...

DONA GERTRUDES – Seus facínoras! Querem me derrubar! Mas eu sou esperta! Dura na queda!

BALCONISTA 2 – Mas o que é isso?

DONA GERTRUDES – E você, garotinha! Se faz de minha amiga, mas quer é preparar o meu caixão!

BALCONISTA 2 – Não, eu...

ENFERMEIRA – Não leve a mal, por favor!

DONA GERTRUDES – Não precisa justificar! Eu sei de tudo... Até tu, Brutus, filho meu?

BALCONISTA 2 – Eu não estou entendendo...

ENFERMEIRA – Acho que está na hora do seu remédio, dona Gertrudes!

DONA GERTRUDES – Fica longe de mim, sua... Sua criminosa! Sei muito bem que você colocou arsênico no meu remédio!

ENFERMEIRA – Dona Gertrudes... Assim, a senhora também me ofende!

DONA GERTRUDES – Em que mundo nós estamos? Jovens querendo matar uma velhinha indefesa!

ENFERMEIRA – Não, dona Gertrudes...

DONA GERTRUDES – É sim! E da pior forma!

BALCONISTA 2 – Ai, não estou me sentindo bem...

DONA GERTRUDES – Usando o pretexto de que eu sou alérgica! Assassinas! Genocidas! Suas, suas... paquidermes!

ENFERMEIRA (gagueja) – Do-do-dona Ger-tru... (desata a chorar)

BALCONISTA 2 – A senhora aceita um calmante?

ENFERMEIRA – Dois!

DONA GERTRUDES – Tomara que tome um calmante envenenado...

Entram o Balconista 1 e a Gerente.

BALCONISTA 1 – Foi ela! Foi essa velha nojenta que me chamou de bandido!

DONA GERTRUDES – Me respeita! Nojenta posso até ser, mas velha é a vovozinha!

A Enfermeira tenta disfarçar as lágrimas e esboça um sorriso insinuante pro Balconista 1.

GERENTE – Senhora... Desculpe a indelicadeza do meu funcionário...

DONA GERTRUDES – Se ele não for sumariamente despedido, não ponho mais os pés nesta espelunca!

GERENTE – Um momento, senhora... O que ele fez de errado?

DONA GERTRUDES – Meu filho... É que eu, além das minhas dores... eu tenho (espirra) muita (espirra) aler... (espirra) gia. E eu queria um (espirra) travesseiro (espirra) pra me (espirra) fazer (espirra três vezes) passar o dia bem.

GERENTE – Correto.

DONA GERTRUDES – E este (espirra) delinqüente (espirra) em vez de (espirra) me dar um (espirra) remédio (espirra) disse que ia colocar uma arma pra me matar.

GERENTE (ao Balconista) – É verdade isso?

DONA GERTRUDES – É sim! (ao Balconista) Confessa, seu nazista! Se você é homem, revele seus planos megalomaníacos para exterminar os alérgicos de todo mundo.

BALCONISTA 1 – Mas eu não fiz nada!

DONA GERTRUDES – Covarde! Só porque eu sou indefesa!

BALCONISTA 1 (quase chorando) – Eu sou inocente!

DONA GERTRUDES – Genocida de marca maior! Confesse, exterminador! Seu Schwarzenegger!

GERENTE – Por favor, a senhora se acalme... Eu mesmo trago a solução para seu problema.

DONA GERTRUDES – Ah, obrigada, filhinha. Deus lhe abençoe!

GERENTE (pega um travesseiro) – Aqui está o mais eficaz travesseiro ANTI-ALÉRGICO...

DONA GERTRUDES (se desespera) – Aaaah! Socorro! Eles são uma quadrilha! Querem me matar!

Dona Gertrudes sai correndo desesperada, pedindo socorro. Os quatro ficam sem entender nada.

PANO

terça-feira, 18 de novembro de 2008

No compasso

Mais um esquete, feito para amigos do teatro O Tablado.

*****

Personagens
MARLENE
SHEILA
CARLA
PAULA
FRED

Cenário
Sala de academia de dança. Palco nu, só uma cadeira no cenário, da qual Fred observa as atrizes.


As luzes se acendem. Fred já está em cena, sentado e virado para um dos lados do palco.

FRED (numa autoridade afeminada) – Meninas! Vamos, vamos, já é hora, é hora, a hora do ensaio!

As atrizes vão entrando, afobadas e atrapalhadas, de acordo com suas personalidades. Fred se levanta.

FRED – Rápido, meninas! Ó, o tempo tá passando! Isso, gente... Antes, um breve alongamento... (Fala os nomes e elas vão ficando a postos) Marlene, Sheila, Carla... Paula. Paulinha, sempre deslumbrante, adoro você, querida. (bate palmas) Agora, agora, cada uma arranja seu espaço pra gente fazer um alongamentozinho básico... Só pra aquecer, meninas!

MARLENE – Ah, não vai rolar uma musiquinha?

FRED – Claro que vai, Marlene... Na hora do ensaio. Afinal, boba, estamos num mu-si-cal (ri, debochado, e Paula ri). Bem, chega de papo! Relax, meninas, relax. (vai fazendo e falando e as atrizes, aos trancos e barrancos, vão seguindo) Braços ao longo do corpo! Inspira... Expira... Calmamente... Entra em contato com a sua respiração... Agora levanta os braços, espreguiça... Pra direita, pra esquerda... Bem relax... Isso! Agora que todinhas estão bem relax vamos recapitular a marcação deste número...

CARLA – Fred...

FRED (suspira) – Fala, minha filha...

CARLA – É... o que você achou do último ensaio?

FRED – Do último ensaio...

SHEILA – É, bicha. A gente tava um arraso, fala a verdade!

FRED – Sheilinha... É... Meninas... Posso ser sincera?

Elas, em coro, dizem SIM.

FRED – Uma merda. (as atrizes discutem. Carla se afasta, triste e quase chorando). Silêncio... Calma... Ei, ei, (grita, autoritário) olha a balbúrdia!

Todas se calam.

FRED (desconstruindo) – Ai, vou te contar, odeio ter que fazer esse gênero de macho!

PAULA – Olha, Fredinho tem razão... Vocês estavam uma merda...

As três voam em cima de Paula, mas ele se interpõe.

FRED – Gente... Em vez de vocês brigarem... Não SUPOOORTO briguinhas entre si... Vamos ensaiar?

PAULA – É a melhor coisa que a gente faz...

SHEILA – Enxerida!

MARLENE – Vai ser em playback?

FRED – A música é em playback, mas... Marlene... e as outras três... O que vale é o sentimento, a coreografia... Lembrem-se, quando estiverem em cena, deslumbrantes. A voz... É apenas um complemento do que o corpo sente. Meninas, dêem voz ao que vocês estão sentindo! Às suas marcas!

Elas se preparam. Cada uma se concentra à sua maneira.

FRED (berra) Val! The music!

Toca uma música brega. As atrizes dançam num ritmo coreografado. Fred intervém várias vezes no decorrer da música.

FRED – Sheila, desliza... Suave! Marlene, não perde a marcação! Paulinha, meu amor, não quebra na bacia! Carla, solta esse corpo! (Carla sai do compasso. Ele se irrita) Chega! Pára esta música!

PAULA (a Carla) – Sua burra, errou a coreografia!

MARLENE – Ai, eu não consigo acompanhar!

SHEILA – Fred, é... (demonstra) Norte, Sul, Norte, Leste, Oeste, Norte, Sul?

CARLA – Ué, mas eu achava que era (demonstra) Norte, Sul, Leste, Norte, Oeste, Sul...

FRED – Ai, eu não acredito! Além de atrizes elas são bússolas!

SHEILA – Bússola é a puta que o pariu!

PAULA – Quieta....

FRED – Ai... Meus sais!

PAULA – Fredinho... Quer que a gente dê um time?

FRED – Não... Eu já estou recuperado!

CARLA – Então como é?

FRED – Primeiro, em seus lugares...

Todas ficam nas suas marcas.

FRED – Agora, the music aí na técnica!

Solta a música.

FRED – Sorri e vai! (elas tentam repetir) Direita, para frente, um, dois. Dois para trás. Esquerda, vai! Um... Dois, rebola esse quadril! Um, dois! Não quebra na bacia! Mexe pra esquerda, mexe pra direita, rodopio... Em cento e oitenta. Mão na bundinha, direita, esquerda. Volta. Continua. (pára de dançar) Agora quero ver vocês. Dançando! Cantando! No compasso da música! Bota um sorriso nessa cara! O musical é leve. Descontraído. A platéia tem que querer dançar junta!

Fred levanta-se. Observa uma a uma, da direita para a esquerda. A música fica de fundo.

FRED – Sheila! Desentorta esta coluna! Menina, isso é um perigo pra uma escoliose!

SHEILA – Ai, isso é contagioso?

FRED (trincando o lábio)– Não... Relax e continua... (canta a música. Observa Paula) Paula. Olha só. (Paula observa) Bracinho lá pra frente, dobra e solta. Frente, dobra e solta.

PAULA – Ah, Fredinho, eu acho que direita, frente e solta fica muito melhor esteticamente.

FRED – Cala a boca! O coreógrafo desta porra sou eu!

PAULA (resmunga) – Ai, Fredinho...

FRED – Continua, você consegue... (observa Marlene) Marlene... Ritmo, ritmo, ritmo... Deixa seu corpo ser guiado pela música...

MARLENE (pára) – Ai, tô de saco cheio! Eu não sou bailarina! Eu sou cantora! E com muito talento. Fique sabendo que o diretor, em pessoa, me convidou pra essa peça!

FRED (debochado) – A-CRE-DI-TO... Seus dotes artísticos saltam aos olhos... E por pouco não saltam do top... (observa Carla) Não, não... Primeiro rebola, depois rebola com a mão na cintura...

CARLA – Mas é isso que eu tenho feito...

FRED – Não é. Você é uma negação.

CARLA (quase chorando) – Não sou não...

FRED – Tão leve quanto um pedregulho!

CARLA – Me respeita...

FRED – Minha filha. Me diz sinceramente... Você sabe ouvir?

CARLA (gaguejando) – Sei...

FRED – É, mas eu acho que não sabe! E como o coreógrafo aqui sou eu, minha palavra supera a sua! (berra) Parou! Parou! Parou!

Corta a música.

FRED – Parou... (às atrizes) Meninas, por favor, aqui.

Elas se sentam no chão. Fred fica sentado na cadeira.

FRED – Eu... enquanto eu via vocês ensaiando o número. Eu refleti muito sobre os passos, sobre como vocês estão lidando com os compassos que a música exige... Eu sei que a música é difícil...

SHEILA – Muito...

MARLENE – Impossível...

CARLA – Minuciosa...

PAULA – Pra mim é fácil! (sorri com desdém para as outras) Eu até queria sugerir, se você deixar, Fredinho, umas novas performances para a minha personagem. Eu acho que ela está muito apagada, os passos muito comuns com os delas...

FRED (cortando) – Chega, Paulinha... Eu... Eu adoro você, te acho muito dez! Mas, você e uma bolhinha fumegante da Companhia de Gás têm o mesmo peso em cena.

As outras caem na gargalhada.


FRED – E é pra não ter que lidar com essas bolhinhas que eu decidi... Decidi dispensar vocês...

PAULA – É... Até que esse número é trabalhoso, mas os outros...

FRED – Dispensar vocês da peça!

Todas se espantam, saem várias perguntas.

FRED – Eu não sei mentir! Vocês são muito ruins! Muito ruins!

SHEILA – E a gente, como é que fica?

CARLA – Eu tô contando com esse dinheiro!

MARLENE – Faz o seguinte, me coloca só como cantora que eu dou conta!

PAULA – Você tem outros planos, né, Fredinho?

FRED – O número acabou! A peça não vai ter mais o número das quatro vedetes loucas para amar.

Todas perguntam NÃO?

SHEILA – Peraí, bicha, quem decide isso não é você. É o diretor!

FRED – Não seja por isso, amiga... (saca o celular) Alô. Ricky. É o Fred, paixão. Olha, me deu uma luz, resolvi mudar tudo. Tira a cena das “quatro vedetes loucas pra amar”, o babado é o número da “bicha loira livre”. O que acha? Tenho carta branca? Obrigado, Ricky, és um doce. (desliga o celular. Fala para elas) Pronto. Vocês estão COR-TA-DAS.

CARLA – E agora?

FRED – Agora, fiquem aí, e vejam o meu número. Vejam o que é incorporar a música. (grita) Técnica! Aquela! Solta the music!

Sobe I want to be free, interpretada por Freddy Mercury. Fred faz performances caricatas conforme a música. As atrizes só assistem, enquanto as luzes se apagam.

PANO

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sábado, 15 de novembro de 2008

Dignidade

Nova reverência a Nelson Rodrigues - citando nomes de personagens de suas peças e de seus contos, e usando uma doença que ele usou em algumas de suas histórias. Texto também publicado no zine O Onanista Pós-Moderno.

*****
Osvaldo decidiu sair mais cedo do expediente naquela Segunda- feira. Estava cansado do seu trabalho em uma das muitas repartições públicas existentes no país. “ – Não, depois de Domingo ninguém vem reclamar de patrão, fazer denúncia ou o diabo. Estão todos entorpecidos pela feijoada, pelo futebol e pelo zoológico.”- pensava, rindo, debochando dos humildes que apareciam durante a semana em seu local de trabalho.

Colocou seu paletó, que serviu como escudo para encobrir a camisa ridícula listrada e empapada pelo suor azedo, e seguiu pelo corredor.

Terminou de arrumar sua mesa, seguiu o rumo do elevador (a repartição ficava num prédio velho do Centro, no 12o andar). Quando estava prestes a sair, ouviu uma voz: “ – Seu Osvaldo?” Ficou estático, com aquele ar de “lá se vai o meu fim de tarde”. Ficou na dúvida se atendia ou se não atendia a voz. “ – Seu Osvaldo?”- foi chamado de novo. Com ar de lamentação, virou-se.

Era dona Flávia, sua secretária. “ – O senhor já vai?” A dona Flávia devia ter seus quase 30 anos, mas era estritamente cadavérica. “ – O rosto dela parece um joelho!”- palavras de um colega de repartição de Osvaldo, um sujeito alto, com barriga e barba por fazer, que completava: “ – mas apesar disso, é digna de um estupro...”

“ – Preciso muito falar com o senhor...”- suplicava a moça. Osvaldo, meio a contragosto, concordou em atendê-la. Foram até a sala dele, que mandou a secretária sentar-se.

“ – Pois não?”- disse com sua inconfundível voz de araponga rouca.

“ – Seu Osvaldo, eu queria te pedir um favor... um favor assim, de pai pra filha...”- dizia a moça, constrangida.

“ – Se estiver ao meu alcance...”- respondeu o homem, não parando de olhar a magreza da mulher, que tinha os olhos esbugalhados e o nariz pontudo, ainda mais realçados pelo rosto fino e feio, com a boca cheia de dentes tortos, o corpo parecendo uma tábua (mal tinha seios...) e as pernas muito finas.

“ – Eu... eu... seu Osvaldo, eu queria pedir licença uns dias. Sabe por quê? É o meu noivo... sim, o meu noivo, ele tá com aquela doença...”

Não compreendeu e perguntou: “ – Aquela doença? Do que a senhora está falando, dona Flávia?”

Ela só sabia gemer baixinho: “ – Aquela... aquela...”

O homem pulou da cadeira, com raiva: “ – Ora, dona Flávia, francamente, a senhora está muito insolente! Eu estava aqui, pronto para ir embora, para aproveitar o resto da tarde com a minha esposa... sim, porque eu tenho esposa. Esposa, filhos... sou pai de família, prezo a dignidade das pessoas. Não sou como os outros que trabalham aqui, um bando de desocupados que querem discutir sobre a vida dos outros e rir da desgraça alheia. Escute, eu sou uma pessoa séria! Não admito que num começo de semana uma subordinada venha me interromper por conta de seus problemas particulares. Onde já se viu, uma pessoa que quer trazer assuntos pessoais para dentro de seu local de trabalho? Realmente, eu não esperava uma atitude dessas por parte da senhora!”

Ela ficou atônita, olhando para o patrão (ou colega, em repartição pública todos são colegas, todos são patrões...). Não sabia qual deveria ser sua reação. De repente, uma lágrima escorreu por seu rosto, junto com aquela vontade louca de chorar convulsivamente.

Osvaldo, a princípio, não esboçou nenhum movimento perante o choro de dona Flávia. Apenas contemplava a visão da moça chorando, com um misto de pena e nojo: “ – Quando ela chora, a face de defunta fica mais realçada... é praticamente uma aberração da Natureza...”- tirou um lenço do bolso esquerdo do paletó e entregou à moça para que ela enxugasse as lágrimas. Perguntou, como se fosse um tiro: “ – Qual é a doença do seu noivo?”

Flávia, já mais calma, soltou o nome da enfermidade do noivo como se tivesse cuspido uma comida estragada: “ – Lepra!”

Aquela palavra tomou de surpresa o Osvaldo, soava como se uma rajada de metralhadora estivesse perfurando o seu peito... esperava qualquer doença, menos a lepra... lepra... lepra... a palavra martelava em sua cabeça... lepra... seu pai havia morrido com a mesma doença... lepra... sua esposa parecia ter sintomas da mesma doença... lepra... olhava para a feiúra da secretária e vinha a imagem dela cuspindo o nome... lepra...

A secretária completou: “ – É uma doença muito triste... ele tá nos últimos dias, se definhando...”- chorou- “ – já não tem mais dedos em nenhuma das duas mãos...”- e explicou- “ – eu quis contar porque eu sei que o senhor é um homem correto, digno, puro, se eu fosse falar com algum outro da repartição eu ia virar piada... mas o senhor é diferente, não é, seu Osvaldo?”

Ele mal conseguia ouví-la, em meio aos ecos ensurdecedores que insistiam em repetir a nojenta palavra lepra... Olhou-a no fundo dos olhos... lepra estavam estampados neles... súbito passou a olhá-la de uma forma estranha. Fez a proposta:

“ – Olha, podemos fazer o seguinte... amanhã, às duas da tarde, eu pego meu carro e nós vamos ver o seu noivo... ele já foi a algum médico?”

“ – Já. O médico não deu muito tempo de vida para ele...”

“ – Pois bem. A senhora me leva até o seu noivo e nós vemos o que podemos fazer por ele, correto?”

Ela balançou a cabeça positivamente e mostrou o sorriso de dentes tortos e muito amarelados e foi para sua mesa. Osvaldo, enfim, pôde sair. Foi até sua casa atordoado... novamente a palavra lepra rondava seu pensamento... “ – Será que sou um predestinado? Só pode ser praga a minha vida estar cercada de leprosos por todos os lados...”- não conseguia dormir. Se debatia na cama, desesperado: “ – Sou eu... o próximo leproso sou eu...”- lembrava-se da figura do pai no leito de morte- “ ... ela me persegue... vai me definhar...”

Foi trabalhar no outro dia. Escutava as reclamações dos empregados sem se importar muito com o que aqueles desgraçados com a vida estavam dizendo... estava ansioso, afinal, em horas estaria frente a frente com um leproso... tentava desenhar o rapaz... sem dedos nas duas mãos...

Dona Flávia o chamou. Os dois foram até o local. A secretária mostrou o noivo... estava lá a imagem, a triste imagem do leproso... sem dedos... podre... fétido... enfaixado e ensangüentado na cama... se contorcia... se corroía... se definhava... Osvaldo olhava atentamente todos os movimentos do moço... lembrava-se da esposa... do pai...

Súbito, virou-se para Flávia, que possuía um ar de desespero ao contemplar o noivo leproso... Osvaldo olhou a secretária... olhou o noivo, gemendo na cama... deu um tapa na face da moça, que em sua feiúra se afogava em lágrimas... tomou-a pelos braços e jogou-a na cama, ao lado do rapaz...

Ele estava fora de si... arrancou rapidamente as roupas da secretária e a estuprou... na cama... na mesma cama em que estava o leproso... o rosto de Osvaldo demonstrava uma satisfação imensa... absurda... doentia... enquanto estuprava dona Flávia as vozes se confundiam em sua cabeça: “ – Lepra... digna de um estupro... lepra... digna de um estupro...”- sentia uma euforia tomando conta do seu ser... e ela estava imóvel... aceitava passivamente o seu leproso e o seu estuprador na mesma cama...

Depois do ato, a euforia de Osvaldo cedeu espaço ao arrependimento. Olhava para a secretária, magra e nua, deitada ao lado do rapaz, um leproso sem dedos. Tinha asco dele mesmo. Olhou-se no espelho, e enquanto dilacerava sua garganta com um canivete, dizia, com ar de deboche e ódio visceral ao mesmo tempo: “ – Vê aonde o seu moralismo asqueroso foi parar? O senhor não é um homem... não é um pai de família... não é um marido exemplar... nesse momento você abandonou os seus princípios... a partir de agora, você não passa de um desgraçado... mais um ser desprezível... incapaz de encontrar em seus rostos um vestígio do que seja a palavra dignidade... Não há como fugir... a sua lepra já está exposta... impregnada em todas as suas atitudes... E seu castigo será se corroer, se definhar perante todos, exibindo com ares de satisfação a sua alegria sórdida de estar condenado a ser mais um leproso...”

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A plenitude da alma

Conto publicado originalmente no zine O Onanista Pós-Moderno. Mais um com influência na literatura "rodrigueana".

Como sempre costumava fazer nos fins de tarde, Edgar entrou no cemitério em busca de um enterro. Sabe-se lá por qual razão, o rapaz adorava o ritual de freqüentar cemitérios para assistir ao ‘sepultamento alheio’, como dizia, em tom de deboche, o seu colega de trabalho, Mascarenhas, um quarentão viúvo, gordo e que suava nas mãos.

Apesar de saber que era rotulado de doido, Edgar insistia em afirmar, com a soberania de um profeta, a felicidade que sentia ao acompanhar um enterro: “ – A pessoa vive, sorri, chora, e no seu último suspiro é, enfim, homenageada com um cortejo... reparem, amigos, nada comove tanto quanto um cortejo fúnebre, seja o morto um indigente ou um homem famoso... no dia em que acabarem os cortejos, o mundo apodrecerá na insensibilidade dos cadáveres que foram privados da pureza existente num enterro digno...”

Perambulou pelo cemitério até que encostou numa árvore para olhar um enterro... o defunto, um velho de 75 anos chamado Onório Palhares, esperava apenas o término do discurso declamado por Doutor Quintanilha, um advogado amigo seu (o leitor repare a aceitação do óbvio: todo defunto possui um amigo advogado...), que numa cólera incontida, declamava: “ – Onório foi um homem como poucos! Bom pai, bom marido, bom profissional, bom colega... honestidade e fidelidade foram suas principais virtudes, que ninguém jamais ousou contestar!”- e batendo no peito, tomado pela emoção, encerrou: “ – tenho orgulho de dizer que o Palhares... meu amigo... nunca teve amantes! Nunca teve amantes!”

Observando o discurso enquanto aproximava-se para seguir o cortejo, Edgar ficou emocionado com as palavras do advogado. Achava que o discurso à beira do caixão possuía um caráter sincero, terno, com o orador reunindo forças para prestar as últimas homenagens ao defunto, que muitas vezes tinha seu valor reconhecido no momento em que repousava em seu túmulo...

Após as honras e a solidariedade (diria Otto Lara Resende: “ o mineiro só é solidário no câncer”...), o caixão foi fechado e seguiu pelo cemitério... agora sim, o corpo estaria apto a descansar em paz, com seus pecados sendo perdoados e sua alma sendo purificada para ocupar uma cova recém- aberta.

Aquele parecia ser mais um enterro banal (mas com o gosto especial dos enterros, que sempre têm os amigos fervorosos, a viúva suplicante e desamparada e aqueles cachaceiros que contam piadas de papagaio...), se não fosse por aquela moça que, estando ao lado do padre durante o velório e o cortejo insistia em chorar... Não, não era a viúva, certamente... era da mesma idade que ele... seria mais uma espectadora dos enterros alheios que Edgar costumava acompanhar, mas essa era diferente, instigava o rapaz...

Era uma moça bonita, de rosto pálido, a boca com um brilhante tom rosado, loira, e estava de vestido preto com um decote convidativo e escancarado, que realçava ainda mais a perfeição do formato dos seios, transmitindo um paradoxo sedutor entre o lado sombrio do finado e a leveza provocada por aqueles seios arfantes e retocados quase expostos pelo decote... Aquela mulher deixou Edgar maravilhado: “ – Ela é o símbolo da magia que a morbidez prolifera nas pessoas... ao mesmo tempo em que choram, provocam desejos graças a um escultural par de seios e um belo decote... Todos deveriam parar o cortejo para lamber com os olhos esses seios... fartos... arfantes... enigmáticos... donos de uma pureza mórbida descomunal... nada mais mórbido que um par de seios de luto...”- pensava, ao fixar os olhos na jovem.

O corpo de Onório Palhares, apesar do desespero da viúva, que insistia em estar ao lado do marido, foi enterrado. Após o término da cerimônia, Edgar aproximou-se da jovem, e vendo as lágrimas que caíam de seu rosto, estendeu um lenço usando a tradicional frase: “ – Meus sentimentos...”

Ela agradeceu, enxugando as lágrimas, e disse ao desconhecido: “ – Eu... eu era a secretária dele...”- e desatou a chorar, sendo amparada pelo ombro de Edgar, que se excitava a cada vez que a face da jovem ganhava requintes de desespero... como ele se instigava com aquele misticismo que envolvia o luto...

Levou-a até um bar (ou, diga-se de passagem, um boteco...) onde conversaram durante horas... Edgar tentava, mas não conseguia fazer com que seus olhos deixassem de observar aquele par de seios rígidos que só não estavam com os bicos totalmente à mostra (ah, que obra de arte seriam aqueles seios nus com os bicos excitados... suspirava baixinho o rapaz)... A certa altura, tomado pelo êxtase da volúpia fúnebre propiciada pela sua morbidez, o rapaz perguntou a Clarice (esse era o nome dela):
“ – Você... dormiria com alguém para salvar a alma de alguma pessoa próxima... parente, amigo ou colega?”

Silêncio... ele completou: “ – Escute, Clarice... eu sei que você está sofrendo com a perda irreparável de seu patrão, e essa dor é intensa e nos persegue a cada instante... Olha, essa agonia pode ser dissipada pelo desejo...”- parou, enxugou as lágrimas que voltavam a cair do olho de Clarice e, pousando sua mão sobre as mãos dela, explicou: “ – o sexo, ao contrário do que os padres e os falsos puros pensam, ao se mesclarem com a nossa morbidez... sim, porque ser mórbido é uma virtude... servem para a salvação da alma... no sexo, as pessoas expulsam todos os seus sentimentos enterrados pelo receio e hipocrisia... isso ajuda os cadáveres a terem a plenitude da alma... nós devemos realizar as perversões que eles almejaram durante suas vidas... você gostava muito do seu patrão, não é?”- após a afirmativa com a cabeça dada pela moça, continuou: “ – então? Satisfaça as perversões que o doutor Palhares não pôde fazer em vida... entregue-se à fria cama por ele...”

Clarice, hipnotizada pela veracidade que Edgar aplicava às suas idéias, concordou em ir até o apartamento dele. Ao se despir, os seios da jovem adquiriam um novo realce... eles eram o instrumento da pureza de uma alma... ao entregar-se a Edgar, mesmo sendo virgem, continuou sentindo-se a mais pura das mulheres... a euforia que o sexo transmitia a ela possuía uma certa dose de generosidade... assim como o rapaz, estava a cada momento mais orgulhosa de sua morbidez... “ a purificação dos mortos...”- repetia, triunfante, enquanto cravava suas unhas nas costas de Edgar, sedenta pela doce sensação do pecado concedido...

No fim do ato, Edgar esperou Clarice dormir, levantou-se e sentiu o sabor da plenitude de sua alma... tinha praticado uma boa ação ao possuir a secretária do recém- defunto... contemplava a nudez de Clarice, vangloriando-se da pureza dos seios arfantes e nus, que havia possuído graças à sua eterna companheira, a morbidez...

Súbito, começou a sentir um cheiro de cravo- de- defunto... a cada momento o cheiro tomava o ambiente, e Edgar respirava aquele perfume alegremente, com uma confusa rajada de idéias: “ – A plenitude da alma... satisfazer as perversões deixadas pelos mortos...”- começou a cuspir sangue, a cada momento se tornava mais agonizante. Mas isso só o satisfazia, e o fazia dizer com orgulho, o orgulho de um salvador: “ – Agora posso morrer em paz... sim... porque todos seguirão o meu cortejo... minha alma está para sempre purificada... porque eu encontrei a minha salvação... morro sabendo que minhas perversões se concretizarão... porque eu sei que a morbidez será imortal... e conquistarei a minha plenitude graças aos mórbidos que estarão presentes no meu velório, acompanharão meu cortejo e assistirão ao meu enterro... é por eles que estamos salvos da insensibilidade e sordidez humana...”

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Laços matrimoniais

Texto antigo, um dos muitos feitos em reverência à A vida como ela é... que Nelson Rodrigues nos presenteou.

*****

O doutor Abelardo Ferreira, nomeado advogado, era conhecido em seu ambiente de trabalho por sua discrição. “ – É um santo!”- dizia o colega de trabalho, Luiz Madureira, um advogado famoso por ser um bom chave- de- cadeia. Mas ninguém podia citar nenhum argumento que pudesse incriminar o dr. Abelardo, principalmente por ele ser um homem honrado, ético, com um casamento sólido, e amplamente dedicado à filha, Adriana.

Adriana, morena de uns 23 anos, era aquela moça perfeita, que vira a cabeça de todos os homens (principalmente dos tarados de plantão e dos escritores de contos que abusam da descrição feminina) e, como nas pinturas, desde as mais detalhistas até as surreais, transmitia o brilho e a nitidez de sua beleza... Seus olhos, mágicos, enigmáticos... ah, quem não gostaria de enxergar a alma escondida naquele olhar... o rosto lindo, de traços bem desenhados... a boca portadora de beijos apaixonantes... mas a parte que mais expunha a beleza contraditória da moça eram as pernas... como poderia aquela mesma menina de finos traços possuir aquele suculento par de pernas... todos paravam para assistir a imagem de Adriana cruzando as pernas... era um evento belíssimo, inigualável... muitos filósofos de boteco defendem a tese de que não há nada mais alucinante do que ver uma mulher cruzando as pernas...

Talvez a cruzada de pernas de Adriana tivesse conquistado o seu noivo, Maurício. Ela o havia conhecido em uma festa de um amigo dele, tendo ocorrido entre os dois aquela velha e batida atração denominada ‘amor à primeira vista’ (ou, quem sabe, ‘amor à primeira cruzada de pernas’), e após mais alguns encontros, Maurício e Adriana começaram a namorar, ficando noivos sete meses depois.

A princípio, o doutor Abelardo estava numa alegria imensa, já que sua filha única, em breve, estaria casada e bem encaminhada na vida. “ – Não há relação mais sólida do que um casamento... ele é mais importante do que o amor, em si, porque amores vão e vêm, enquanto o afeto e o companheirismo se sobrepõe a todas as chuvas de verão...”- dizia, de forma apoteótica, o pai da noiva, a todos os colegas de escritório. E completava: “ – O matrimônio é a maior bênção enviada para nós...”- e dava um sorriso de satisfação, em meio ao deboche do doutor Madureira, que o achava um perfeito imbecil. “ – Diz isso mas duvido que nunca tenha traído a mulher...”- imaginava Luiz.

Abelardo, realmente, nunca tinha traído a mulher, sequer em pensamento... considerava sua esposa, a dona Laura, uma verdadeira santa, por isso, não merecia ser traída... mas tudo mudou depois daquela noite...

Certa noite, ele acordou no meio da madrugada com uma sensação de vazio... passava em sua mente a imagem de sua filha entrando amparada pelo seu braço na Igreja... ela estava radiante, com o brilho de seus olhos ofuscando o véu e a grinalda... “ – Entrego a minha filha...”- a frase repetia em seu pensamento... estava entregando a filha... sentia uma sensação dolorosa de perda, realçada ainda mais na semana antecedente à cerimônia... a filha entregue a um homem... a pureza tão doce de Adriana se sucumbiria à agressividade da noite de núpcias... “ – Todas se casam virgens... os maridos as corrompem...”

Não conseguia mais se distrair... só pensava na filha... os sentimentos se confundiam quando se lembrava dela... não agüentava mais...

Dois dias antes do casamento, esperou Adriana se preparar para descansar e foi até o quarto dela. Bateu na porta e entrou... Ela estava deitada na cama... a camisola, pequena, deixava um pouco da calcinha exposta... as pernas nuas pareciam um convite ao prazer... o sorriso de noiva cativava, e ao mesmo tempo feria a alma do pai...

Ele aproximou-se suplicante: “ – Filha... eu tenho uma coisa pra te dizer... é uma coisa da maior importância...”

Adriana interrompeu-o: “ – Viu o presente que eu ganhei de casamento? Essa camisola... uma amiga de mamãe disse que é excelente para seduzir o marido na noite de núpcias... e você, papai, o que acha?”

Parou. Olhou a camisola. Desviou o rosto daquela imagem convidativa... respirou fundo, sentou-se na cama e tentou iniciar:

“ – Adriana, eu... eu não quero o seu casamento...”

Surpresa, a moça interrompeu: “ – Ora, papai, que bobagem! Você está com medo, é natural... sou filha única... mas te juro: eu amo o Maurício... mais do que tudo!”

Gritou, com ojeriza: “ – Não!”

“ – Aconteceu alguma coisa, pai?”

Abelardo recompôs-se, e expôs todo o seu sentimento:

“ – Eu descobri, filha... eu descobri que você é tudo pra mim! Não vou sobreviver sem a tua companhia... é ela que me faz respirar, encontra um sentido para o que eu vivo...”

“ – Pai, eu entendo o seu carinho, mas...”

“ – ... nenhum homem te conhece tão bem quanto eu, que sei dos seus desejos, dos seus medos, que te viu crescer e virar uma bela moça, e que confessa o medo de saber que sairei de sua vida...”

“ – Esse seu medo vai passar, pai...”

“ – Não é medo...”- pára, respira fundo, e pronuncia, com um ar de ressentimento: “ – Amor!”

Adriana tenta reagir: “ – Amor de pai para filha...”

Abelardo olha fixamente nos olhos: “ – Não! Eu tenho por você um amor puro... o amor que você merece! Nenhum homem é digno de você... só eu...todos os outros são maníacos, pervertidos... eu não... tenho meus olhos apenas voltados para você... desde que você nasceu, nunca mais tive loucuras sexuais... o amor que eu sinto por você me basta...”

E ajoelhou-se aos pés da moça, suplicante: “ – Não me abandone, Adriana, por favor...”- e chorou de medo... o medo do vazio.
Adriana, calmamente, se inclinou, olhou o pai olhos nos olhos, e, como que por instinto, entregou seus lábios a Abelardo...

Aos poucos se sentia amparada pelo carinho do pai, que beijava o seu corpo minuciosamente, como se conhecesse cada detalhe dele... ela sorria de prazer... naquele momento se sentia amada... estava se entregando ao pai numa alegria incontida... sabia que ninguém ia amá-la daquela forma... ninguém expressaria um amor tão singelo...

Abelardo a possuía... consumava, enfim, todo o sentimento reprimido durante anos... se isentava de qualquer pecado... seria pior o martírio da falta da filha e o receio em confessar seus sentimentos... vivia intensamente cada minuto daquele ato... buscava tornar Adriana a mulher mais feliz do mundo...

Levantou-se da cama, observando atentamente a nudez da filha, linda, desprovida de qualquer vulgaridade... procurava guardar para sempre o seu maior desejo... nunca mais se amarguraria com o seu coração...

De repente, passou a ter uma série de pensamentos: “ – Amor puro... casamento... amor puro... casamento...”- as idéias se confundiam em sua cabeça... chorava ao saber que havia contrariado todos os seus princípios...

Caminhou até a cozinha, pegou uma faca, e suavemente dilacerou seus pulsos. “ – A pureza do meu amor se transformou num incesto consciente...” – lastimava: “ Que vida é essa que não permite os amores mais puros? Por que a condenação do amor de um pai pela sua filha? Ninguém jamais compreenderá o amor implícito no incesto... mas nenhuma doutrina será capaz de condenar o fato de eu ter amado Adriana mais do que pude... estou pronto para ser condenado...”

Antes de fechar os olhos, ainda esboçou um sorriso. À sua mente, surgia a imagem da filha, feliz, entrando na igreja vestida de noiva, ao som dos primeiros acordes da Marcha nupcial de Mendelssohn.

domingo, 9 de novembro de 2008

Os velhinhos

Olá, amigos.

Aqui vai mais um esquete de teatro - ainda não montado. Caso alguma pessoa que esteja acessando este Diário de um salafrário no momento tenha se interessado em montar, é só entrar em contato pelo e-mail:

viniciusfaustini@gmail.com

Obrigado a todos,

Vinícius Faustini


*****

OS VELHINHOS

Personagens
EUSTÁQUIO
GERMANA



Sobe a música Os velhinhos. A luz sobe aos poucos. Eustáquio e Germana estão sentados lado a lado num banco de praça. Ele parece estar entretido em contar os pombos da praça. Ela parece insatisfeita com a situação. Na fala de Eustáquio, a música desce aos poucos.

EUSTÁQUIO – Cento e setenta e quatro... Cento e setenta e cinco... Cento e setenta e seis... Cento e setenta e sete... Cento e setenta e oito... (pausa. Abre os braços) Ah, droga, voaram de novo! (olha para Germana, infeliz) Estes pombos! Parece que eles fazem de propósito! Mas pelo menos foram muitos, cento e setenta e oito é marca de profissional! (suspira) Ah...

Germana dorme.

EUSTÁQUIO – Mas ainda não consegue superar aquele meu recorde. (saudoso) Parece que foi ontem! Manhã de vinte e três de abril de mil novecentos e oitenta e sete! Eu estava na Praça Nossa Senhora da Paz, quando contei aquele número fantástico! Foram trezentos e oitenta e cinco pombos! É, mas parece que os daqui de Copacabana não querem colaborar. Né, minha velha?

Eustáquio percebe Germana dormindo.


EUSTÁQUIO (chamando) – Germana... Germana... (grita) GERMANA!

Germana acorda assustada.

GERMANA – Que susto, Eustáquio! Assim você assusta os pombos!
EUSTÁQUIO – É? O que você queria? Eu aqui, narrando a minha maior façanha e a minha esposa... DORMINDO! É isso é que dá esse amontoado de remédios! Minha filha, remédio pra enxaqueca dá sonolência!

GERMANA – Eu não tomei remédio pra enxaqueca!

EUSTÁQUIO – Não precisa tentar me enganar. Eu te conheço. Somos casados há cinqüenta e cinco anos! Bem, deixa de bobagens... (olha para a frente. Se empolga) Olha, chegou uma nova revoada de pombos!

Germana bufa de raiva.


EUSTÁQUIO (contando) – Um... Dois... Três...
GERMANA (berra) – Chega! (e se levanta)

Eustáquio se espanta.


EUSTÁQUIO – O que foi, minha velha. Já perdeu a conta? Ora, mas você é muito desligada e...

GERMANA – Eustáquio...

EUSTÁQUIO – Não fica assim, eu volto a contar junto com você...

GERMANA – Eustáquio...

EUSTÁQUIO – Esses aí parecem que vão ficar aqui muito tempo...

GERMANA (grita) – Eustáquio!

Ele se espanta de novo.

EUSTÁQUIO – Não precisa gritar que eu não sou surdo!

GERMANA – Eustáquio. Vamos embora...

EUSTÁQUIO – Embora, Germana? Mas foi você mesma que quis vir aqui!

GERMANA – Sim... Mas eu não vim aqui pra contar pombos!

EUSTÁQUIO – Não?! Oh, meça, não me diga que veio para brincarmos de gangorra?

GERMANA – Não seja ridículo! Eu tenho uma coisa muito séria pra falar com você...

EUSTÁQUIO – Eu cochilei com a TV ligada? Desculpa!

GERMANA – Não. É que eu tomei uma decisão muito importante...

EUSTÁQUIO (levantando-se) – Eu já falei mais de mil vezes que eu NÃO VOU PRO ASILO!

GERMANA – Não é asilo coisa nenhuma. Eu trouxe a gente aqui pra dizer... (pausa) Que eu estou indo embora!

Silêncio.

EUSTÁQUIO – Ah, sim... Você vai voltar pra casa mas eu posso ficar mais um pouquinho junto com meus pombinhos...

GERMANA – Você não entendeu. Eu estou INDO EMBORA DE CASA!

EUSTÁQUIO – Ué, mas a gente não tava procurando apartamento!

GERMANA – Eustáquio... Eu quero o divórcio!

Silêncio. Eustáquio começa a rir.


EUSTÁQUIO – Germana... Oh, meça, o que é isso? Quase me mata de susto! Essa foi boa, minha velha...

GERMANA – Eu não estou brincando, Eustáquio! Estou me separando de você! (levanta-se, fica de costas para ele) Eu não volto mais pra casa contigo!

EUSTÁQUIO – Hã?

GERMANA – Há tempos que a situação lá em casa está insustentável!

EUSTÁQUIO (caindo em si) – Mas o que foi que aconteceu? Germana...

GERMANA – Quando eu me casei com você. Eu achei que minha vida ficaria completa. O tempo foi passando, nós dois juntos, são 55 anos de casados!

EUSTÁQUIO – Aonde foi que eu errei?

GERMANA – Não me obrigue a dizer isso...

EUSTÁQUIO – Germana, eu quero saber...

GERMANA – Eu vou embora.

EUSTÁQUIO – Germana! (tempo) Eu quero saber o que eu fiz de errado!

GERMANA (cedendo) – Está bem! A nossa vida tá muito rotina! De casa pro bingo, do bingo pra praça, você contando esse monte de pombos...

EUSTÁQUIO – Mas eu posso mudar! (sedutor) Que tal uma bela partida de damas?

GERMANA – Eustáquio. O nosso casamento está parado! Eu não quero minha vida monótona! Quero me divertir. Sair com minhas amigas, ir ao cinema...

EUSTÁQUIO – Anhé? E o que mais?

GERMANA – Quero esportes radicais! Acampar! Fazer trilha! Escalar o Pico da Bandeira! Andar de motocicleta! Olha, do jeito que eu tô animada, meu filho, topo até ficar no meio de um tiroteio na favela!

EUSTÁQUIO – Ah, não! Tiroteio na favela é esporte radical demais! Não conte mais comigo!

GERMANA – Eu não conto com você há décadas! E tem mais! Você foi o primeiro e único homem da minha vida...

EUSTÁQUIO – Então? Isto não te significa nada?

GERMANA – Significa... Significa é que está na hora de eu experimentar novos homens! Tô muito afim de ir pra night, conhecer altos gatos... Sarados, musculosos, bons de boca... Vou beijar homem à vera! E quando alguma amiga minha perguntar se é meu namorado, eu respondo, só pra elas babarem... (tempo) Eu estou só pegando!

EUSTÁQUIO – Pegando! Pegando! Você não pega nem mais gripe, desde aquela última campanha de vacinação.

GERMANA – Alôooou! Você está por fora, meu filho! Out! Se liga! Passei muito tempo assim, de bobeira, e agora não quero mais isso! Num tenho culpa se tu é arame liso, que não pega ninguém!

EUSTÁQUIO – Germana, que vocabulário é esse? Modos! Modos!

GERMANA – Ih, mó perrengue ficar esse tempo todo do teu lado! Tu é mó péla!

EUSTÁQUIO – Germana, pelo amor de Deus, fala no meu linguajar que não tô entendendo nada!

GERMANA – Contar pombos não tá com nada! Eu quero é chegar em casa e contar quantos gatos eu peguei na night!

EUSTÁQUIO – Mas, Germana, cinqüenta e cinco anos não podem acabar assim!

GERMANA – Olha, se tu quiser, vem comigo! A gente pode sair pra night junto, na boa, cada um na sua... Eu até te apresento umas amigas. É só você chegar nelas!

EUSTÁQUIO – Não entendi nada...

GERMANA – Ai, tu é mesmo muito arcaico, cara. Ó, não vou perder mais tempo não. FUI!

Germana sai de cena. Eustáquio se senta. Fica alguns segundos atônito, mas logo vislumbra um novo bando de pombos.

EUSTÁQUIO (feliz) – Um... Dois... Três... Quatro...


À medida que ele vai contando, a luz vai diminuindo. Toca um trecho de Agora só falta você

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