Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Jantar em família

Esquete apresentada no teatro O Tablado. Texto meu baseado no conto Lar desfeito, de Luiz Fernando Veríssimo. No elenco, Roberta Cecconello, Eliana Oliveira e eu.

Um Feliz Ano Novo a todos!

Vinícius Faustini


*****

Personagens:
MÃE
PAI
CLARINHA

O cenário é uma sala de jantar. Mesa e quatro cadeiras no centro do palco. Clarinha, aparenta ter no máximo 9 anos e seus pais estão jantando. Os dois comem moderadamente, enquanto Clarinha fica mexendo no prato. A menina tem um ar triste, amuado e fala para dentro.

MÃE (notando a menina) – Filha...

Clarinha a olha.


MÃE – Tá tudo bem?

Clarinha balança a cabeça afirmativamente.

MÃE – Clarinha. O que foi?

CLARINHA – Nada...

MÃE – O que aconteceu, filha. Vai, conta pra mamãe.

CLARINHA (parece que vai chorar) – Nada...

PAI – Olha, amor, ela deve estar sem fome. Não é, Clarinha?

CLARINHA – É...

MÃE – Por quê, filha?

CLARINHA – Nada... (empurra o prato e começa a chorar)

Os dois se olham. A mãe se levanta e senta numa cadeira ao lado dela, para consolá-la. O pai fica sentado, atento. Clarinha, chorando, se abraça no colo da mãe.

MÃE – Agora, conta pra mamãe e pro papai. O que aconteceu?

Ela se agarra ainda mais no colo da mãe, e balança a cabeça negativamente.

PAI (tentando ajudar) – Clarinha, você prefere que papai saia pra você e sua mãe conversarem?

CLARINHA – Não precisa... (sai do colo da mãe. Fica de pé e de costas para os dois, enxugando as lágrimas)

MÃE (enérgica, sem perder a ternura) – Então conta! O papai e a mamãe só querem ajudar...

Clarinha se vira para eles. Olha um de cada vez.

CLARINHA – Eu... Eu não sou igual a todo mundo...

A mãe e o pai se entreolham, suspiram aliviados.

PAI (levantando-se e indo em direção a ela) – Clarinha, é claro que você é igual a todo mundo. Que bobagem...

O pai faz menção de abraçá-la, mas ela anda para o outro lado.

CLARINHA – Não sou não... Ai, que tédio! A minha vida é um tédio!

MÃE (repreendendo) – Clarinha!

CLARINHA – Um tédio! Na minha vida não acontece nada...

PAI – Filha, por que você tá dizendo isso?

CLARINHA – Papai, na minha sala... (faz uma pausa, suspira) Todo mundo tem pais separados! Menos eu!

Os dois se espantam.


PAI – Então é isso, filha?

MÃE – Clarinha... Mas isso é ótimo! Você não quer ter seus pais juntos, perto de você?

CLARINHA (firme) – Não!

Eles se olham e viram-se para a filha.


OS DOIS – Não?!

CLARINHA – Não.

MÃE – Por que, minha filha?

CLARINHA – Porque... Porque... Ah, coisa mais chata! Aqui não acontece nada! A gente toma café da manhã junto todo dia, almoça junto todo dia, janta junto todo dia, faz TUDO junto todo dia! Que saco...

PAI – Clarinha, o que é que tem de mais?

CLARINHA (revoltada) – O que é que tem? E você ainda pergunta, papai?

MÃE – Poxa, filha... Você falando assim com o papai e com a mamãe...

CLARINHA – Desculpa, mamãe. Mas é verdade! Todos os meus amiguinhos chegam na escola e ficam lá, contando as coisas dos pais deles... A mãe e o pai da Vera vivem brigando! Ela tem sempre novidade pra contar... Eles já brigaram, saíram no tapa, e ontem, a Vera me contou sabe o quê?

MÃE – O quê?

CLARINHA – Que ela foi com a mãe na casa do pai dela pra cobrar uma tal de pensão alimentícia e os dois armaram o maior barraco no apartamento! (fascinada, oscila a voz de acordo com o personagem que ela fala) O pai chamou a mãe de ladra, ela respondeu chamando de vagabundo. Vaca, cachorro, nojenta, idiota, imbecil, irresponsável... Precisou a síndica chegar para acabar a briga!

MÃE – Que vergonha...

PAI – Clarinha, e você quer que seus pais façam isso?

CLARINHA – Ah, papai... O que é que custa! Só um pouquinho... (se ajoelha, rezando) Eu imploro! Por favor...

MÃE – Clarinha, você está indo longe demais...

CLARINHA – Poxa... Só uma briguinha. É pra eu contar pros meninos...

Silêncio. Os pais estão escandalizados, sem saber o que fazer.

CLARINHA (curiosa) – Vocês nunca brigam?

PAI (primeiro olha a esposa, depois olha a filha e diz) – Não, minha filha. Sua mãe e eu não brigamos.

CLARINHA – Nunca brigaram?

PAI – Claro que já brigamos. Mas sempre fizemos as pazes...

MÃE – Briga, briga, a gente nunca teve. Só desentendimentos. Mas sempre nos demos muito bem.

CLARINHA – Desentendimentos?

MÃE – É... Desentendimentos. Nas vezes que (olha o marido) o seu pai prefere ver futebol do que levar a família ao cinema!

PAI (ofendido) – Ei, o que é isso? Eu faço tudo por vocês! Aturo até aquele insuportável do seu tio quando ele vem aqui em casa e acaba com o estoque da minha cerveja!

Clarinha fica atenta, espiando. Percebe a briga dos pais e sorri de felicidade. Eles, cada vez mais, aumentam o tom.

MÃE – Ah, é? E aquela sua irmã cleptomaníaca! Toda vez que ela vem aqui, somem pelo menos 50 reais...

PAI – Não fala assim da minha irmã. (quase chorando). Ela é uma doente. O médico falou, se chama transtorno obsessivo compulsivo!

MÃE – É ladra!

PAI – Ladra é você, que pega meu salário de um mês de trabalho e gasta em uma semana no salão de beleza!

MÃE - Que mentira...

PAI - Mentira? Quanto é que custou aquele tal daquele gel palpebral que apareceu no meu cartão de crédito? Sua... sua... sugadora de salários alheios!

MÃE – Me respeita, eu sou mãe da sua filha!

PAI – Eu respeito quem não pega a minha gilete de barbear o tempo todo e usa pra depilar o buço!

MÃE – Grosso...

PAI – E nem pega a pasta do dente e aperta no meio. Se apertar na ponta, fica mais fácil de tirar, mas isso não entra na sua cabecinha, né, querida?

MÃE (chora) – Eu faço tudo por você, mas você não valoriza o meu trabalho! Insensível! Todo dia... Eu dou educação pra sua filha, levo ela na escola, corrijo os deveres de casa... Sou eu que separo suas camisas no armário por cor, do mais claro pro mais escuro, pra evitar que você se irrite! Sou eu que faço o feijão do jeito que você quer...

PAI – Ah, agora eu descobri. Eu me casei com a empregada!

CLARINHA (solidária, se aproxima da mãe) – Mamãe...

MÃE – Filha, você não merece ouvir isso...

CLARINHA (sem disfarçar o sorriso) – Eu te amo muito...

A mãe chora de alegria e a abraça.

CLARINHA – E amo muito o papai... (o abraça)

PAI – Filha, vai dormir, vai... Essas conversas são pra gente grande.

CLARINHA (balança a cabeça afirmativamente) – Boa noite...

MÃE – Vem com a mamãe... (as duas saem de cena)

O pai pega o paletó que estava na cadeira, ajeita as coisas que estavam na pasta. Está impaciente, olha o tempo todo para o lado por onde as duas saíram. A mãe retorna.

PAI (frio) – Ela já dormiu?

MÃE – Já.

Ele coloca a pasta sobre a mesa.

PAI – Tá cada vez mais difícil agradar essa menina...

MÃE – É melhor assim...

PAI – Você acha que ela acreditou?

MÃE – Claro! Ela foi dormir toda feliz...

PAI – Ainda não sei se a gente fez a coisa certa...

Ela segura as mãos dele.


MÃE – Querido, a gente fez sim! O livro de auto-ajuda que eu tô lendo diz que a gente não pode deixar os filhos crescerem traumatizados!

PAI – Então tudo bem... (levanta-se. Veste o paletó e pega a pasta. A abraça forte) Tchau.

Vai caminhando para o canto direito do palco. A pergunta dela o interrompe.


MÃE – Você já tem pra onde ir?

PAI – Eu dou um jeito. Depois eu procuro um outro lugar pra morar. (pausa)

MÃE - E o divórcio?

PAI - Você acha que é necessário mesmo?

MÃE - O livro de auto-ajuda...

PAI - Tá, tá, já entendi. Bom, amanhã vou me reunir com o nosso advogado pra gente combinar algumas coisas. Eu ligo pra cá e a gente marca um encontro... Você sabe onde.

Ela dá um sorriso assanhado.

PAI - E a gente marca pra eu vir aqui pegar as minhas coisas.

Ela joga um beijo. Ele retribui e diz.

PAI – Te amo. Deixa um beijo pra nossa filha...

PANO

domingo, 14 de dezembro de 2008

Ensaio aberto

Este texto (que fiz em parceria com Leandro Soares, ator, meu conterrâneo e parceiro de outros esquetes que fiz nos primeiros anos de Rio de Janeiro) foi criado a partir de um contexto muito interessante ocorrido no teatro carioca. Em 2003, o então prefeito César Maia nomeou Miguel Falabella como secretário de Cultura da prefeitura. Sua escolha foi rebatida por alguns ícones da classe teatral, que o acusavam de ser um "artista comercial" (definição para autores e diretores que fazem produções caras e com elenco que é bastante conhecido na televisão visando apenas o lucro da bilheteria) e, por isso, só investiria o dinheiro público em produções deste "caráter".

A polêmica ficou ainda maior por conta do investimento de R$ 1,2 milhão na montagem da Ópera do malandro, de Chico Buarque, dirigida por Charles Moeller e Cláudio Botelho. Os "artistas experimentais" (pessoas que se propõe a fazer novas formas de teatro, geralmente abordando temas mais densos e uma linguagem menos acessível ao grande público) acharam um absurdo o investimento tão alto em uma peça só.

Nesta mesma época, estava em cartaz uma peça chamada Combinado, com direção de Ivan Sugahara, e na qual, além de o público participar ativamente tentando investigar um assassinato da peça, tinha o privilégio de ver o espetáculo e ainda comer sushi servido pelos próprios atores. Para completar a balbúrdia teatral, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro abriu espaço para uma montagem da ópera Tristão e Isolda, com direção do polêmico Gerald Thomas.

Sua montagem incluía Freud como personagem, e quando os apaixonados protagonistas descobriam o amor, era jogado sobre eles um "pó" - alusão à cocaína. A platéia conservadora revoltou-se com o que foi mostrado em cena, e houve uma vaia monumental. De acordo com Gerald, alguns se exaltaram mais e o chamaram de "judeu assassino". Isto teria sido o motivo para a reação extrema do diretor - virar-se de costas para o público, abaixar as calças e deixar seu traseiro à mostra no Municipal.

Daí surgiu esta minha idéia de Ensaio aberto: um único ensaio de uma peça reunir os ícones dos teatros "experimental" e "comercial", e ainda ter destaque para a atriz bobinha "criada" pela televisão para ser bonita, gostosa e burra. Apresentei o texto ao Leandro, que contribuiu com algumas piadas (por isso, fiz questão de dividir o crédito da autoria, embora ele achasse mais justo que o texto fosse só meu), e trouxe um grupo de atores pra fazer o espetáculo.

Não chegamos a tempo do Circuito Carioca de Esquetes, mas conseguimos espaço num festival um pouco menos conhecido, chamado Curta Cena de Teatro. Em novembro de 2003, Ensaio aberto foi apresentado. Nunca soubemos do resultado, mas uma amiga nossa disse que estava perto de um jurado e, na hora da piada envolvendo Gerald Thomas (não vou explicá-la, vocês entenderão quando ela aparecer no texto) o sujeito bufou de raiva e desenhou um D num papel. Isso significa que incomodamos...

Abaixo, segue o texto, com os nomes dos atores da escalação do elenco original. Rodrigo Cirne é ator e cantor lírico, o que rendeu a ele fazer parte do elenco dos musicais de Charles Möeller e Cláudio Botelho - 7 - o musical e o muito bem sucedido Beatles num céu de diamantes. Isabel Pinheiro (não sei se ela ainda usa este nome) fez algumas participações no humorístico Turma do Didi e na novela vespertina Malhação, e faz parte da Companhia Atores de Laura, comandada pelo diretor Daniel Herz, bem como Leandro Soares, que é assistente de direção de Daniel em algumas montagens.

Além de uma ótima atriz ("estudiosa em Stanislavski e que fez aula de nu na CAL", como a gente brincava nos ensaios"), Aline Pereira é professora da Faculdade Estácio de Sá e eu tive a honra de ajudá-la em sua tese de mestrado sobre Nelson Rodrigues (inclusive, fui citado nos agradecimentos). Nana Lima eu nunca mais vi, só sei que ela ficou com um livro de peças de Nelson Rodrigues meu e me fez comprar outro pra ter as obras completas do maior dramaturgo que o Brasil já teve - e um dos maiores do mundo.

Bom, mas agora deixemos de lado as nostalgias. Conheçam o Ensaio aberto. Reparem que eu estava tão empenhado em contar esta história que até tracei o perfil dos personagens.

Obrigado a todos, e fiquem à vontade pra comentar,

Vinícius Faustini

*****

ENSAIO ABERTO

De Leandro Soares e Vinícius Faustini.


PERSONAGENS (por ordem de entrada em cena)

JÚNIA LAMAS (Aline Pereira)

Diretora teatral, com seus padrões de teatro experimental muito concretos. Tem forte personalidade e liderança firme.

FERNANDO PINHEIRO (Rodrigo Cirne)

Ator experiente, consagrado nas comédias de Guilherme Castro. Mostra estar atuando a contragosto, por achar que a direção de Júnia não está à altura de sua vasta carreira.

AMANDA BANDEIRA (Isabel Pinheiro)

Atriz respeitada no universo do teatro de vanguarda carioca. Decidida e de gênio difícil, tem sua atuação marcada por uma intensa carga dramática.

MONIQUE NOVAES (Nana Lima)

Atriz com voz aguda e irritante. Deslumbrada, sem o menor conteúdo, de inteligência duvidosa. É jovem e tem um rosto angelical.

GUILHERME CASTRO (Leandro Soares)

Autor teatral egocêntrico, estressado e com humor ácido. Coloca como primeiro plano de suas peças o faturamento e a bilheteria. Valendo-se de sua grande influência na mídia e de seus contatos, faz com que cada um dos seus espetáculos seja sinônimo de sucesso garantido.

CENÁRIO

Três cadeiras com um punhal de prata no meio do palco.

O cenário da peça já está pronto. Júnia entra em cena. Senta-se no canto direito do palco. Olha para a platéia, procurando calcular o número de espectadores. Pára, vira-se para o palco. Os atores entram em cena e se posicionam. Luzes totalmente acesas.

JÚNIA – (grita) Luz! Música! Ensaiando!

Luz diminui e se coloca em Fernando, no centro do palco. Música instrumental de forte carga dramática.

FERNANDO (em atuação que beira o ridículo) – Falência... meu Deus, estou falido! (levanta o punhal e o coloca em direção a seu peito) Agora sei como a tristeza pode assombrar o coração de uma pessoa. Sinto o devastador peso do mundo desabar em minhas costas...

AMANDA (vai em direção a ele, simula carregar uma bandeja) – Mais chá, querido?

FERNANDO – Chá? Não... Não... (foge do chá como o vampiro à cruz)

AMANDA – Acaso tens medo de olhar seu futuro no fundo da xícara?

FERNANDO – Futuro? (respira fundo, voz firme) Que futuro pode ter um empresário falido!

MONIQUE (em tom de cigana, mas com péssima entonação)- Você não olha seu futuro, pois sabe... Que ele não existe! (pausa. Vira-se para Júnia, espantada) Como assim, o futuro não existe? Ah, Júnia, olha só, não tô entendendo esse texto...

Silêncio. Os outros dois olham para ela.


FERNANDO – Assim não é possível! (sai de sua marca)

JÚNIA – Ei, ei, Fernando! Que que foi, volta pra seu lugar!

As luzes se acendem completamente.


FERNANDO – Com essas atrizes, essa peça, esse cenário! Me diz, sinceramente: você acha que eu vou arranhar minha imagem com a porcaria desse texto? Tô fora! (faz menção de sair)

AMANDA– Fernando, meça as suas palavras! Você está diante de Júnia Lamas e Amanda Bandeira, os grandes ícones do teatro experimental contemporâneo!

MONIQUE (desapontada) – E eu?

FERNANDO – Grandes merdas! Não perco meu tempo com isso!

Júnia lança, como última cartada.

JÚNIA – Como você tem coragem de desprezar um texto de Guilherme Castro? Depois de todos os sucessos que as peças dele te proporcionaram?

FERNANDO – Guilherme Castro? Há um engano aqui, essa não é a peça do Guilherme que eu aceitei fazer. Meu papel na peça dele é o de um dono de fábrica de papel higiênico que faz loucuras para sair do vermelho! A proposta era bem clara: Fernando Pinheiro em Socorro! Deu rolo no meu papel higiênico. Eu ia fazer uma comédia... Claro, se a sua direção não esculhambasse com o texto.

JÚNIA – Não esculhambei texto nenhum! (deslumbrada, rodopia pelo palco) Ao contrário, fiz os personagens evoluírem. Em meio a todo aquele besteirol sem o menor sentido, da piada pela piada, eu enxerguei o âmago, a essência, as sombras que acompanhavam aqueles personagens, e dei um caráter realista! Fiz um favor pro Guilherme, pra você e pra peça!

Fernando se dá conta da platéia.

FERNANDO – E ainda tem platéia pra me ver aqui!

MONIQUE – Ai, é. Imagina, menino, se tem um diretor da Globo aqui! Vai que ele gosta de mim e me chama pra fazer uma novela! Tô tão na geladeira ultimamente, não me chamam nem pro Linha Direta. Será que meu cabelo tá legal? E o decote? (ajeita para destacar o volume dos seios) Será que ele mostra todos os meus talentos?

FERNANDO – E eu aqui pagando esse mico na frente de todo mundo. Que humilhação. (põe as mãos na cabeça) O que vão dizer os jornais! Depois de trinta anos eu consigo a simpatia da Bárbara Heliodora pra na peça seguinte botar tudo a perder! Eu não mereço isso! Eu não mereço!

JÚNIA (enérgica) – Fernando, pára de reclamar, esse estresse semanas antes da peça é normal. Vamos fazer um break e daqui a pouco a gente continua.

AMANDA – Vou aproveitar pra ensaiar minha próxima cena. Ainda não tô tão segura do texto. (pega o texto e fica lendo, num canto)

FERNANDO (indignado) – E eu , vou ligar pro meu empresário! (sai)

JÚNIA – (à platéia) É, bem, vocês desculpem, sim? Esses atritos... fazem parte da realização de um espetáculo. Peço um pouquinho da compreensão de vocês, a gente vai recomeçar já, já. (sai)

MONIQUE – Gente, se tiver algum fã aí na platéia, autógrafos ali no camarim. Monique Novaes estará pronta pra atender vocês. (vai sair, mas se lembra de dizer uma coisa e volta.) Beijos.

Monique sai. Guilherme entra em cena.


GUILHERME – Isso aí, Bonfim! É retorno garantido. Daqui a duas semanas, mais uma comédia daquelas. O quê? Não, não, eu ainda não vi nenhum ensaio. Sabe como é, a Júnia pediu pra ter essa liberdade e eu concordei. Afinal de contas, ela é minha mulher! Como assim arriscado, Bonfim? (tenta falar, mas quem está do outro lado da linha parece não deixar. Fala a mesma palavra em vários tons) Bonfim, Bonfim, Bonfim (enfim, explode) Bonfim, me diz se alguma vez meu teatro deu prejuízo? Ainda mais que é peça com o Fernando, exigência minha! Relaxa, meu teatro é rentável e da melhor qualidade, e a Júnia não tem como alterar nada, nem uma linha. Quanto a isso você pode ficar tranqüilo. Um abraço.

Olha o cenário, com o fundo preto.


GUILHERME – Ué, o Tovar não trouxe o cenário? (olha as três cadeiras) Acho que entrei no teatro errado... Três cadeiras, fundo preto... (ri) Deve ser uma daquelas peças de vanguarda. Sim, porque pra eles um fundo preto, uma fumaceira e um feixe de luz já tá ótimo. Se depender dessa gente do teatro experimental, a profissão de cenógrafo entra em extinção. Além do que, é cheio daqueles simbolismos. Tipo, agora só falta entrar alguém de pomba!

Amanda ensaia o seu solo.

AMANDA (batendo as asas, feliz e caricata) – EU SOU UMA POMBA! EU SOU UMA POMBA!

Guilherme se assusta.


GUILHERME – Meu Deus! O que é isso?

AMANDA (reverenciando) – Uma pomba!

JÚNIA (entra no canto oposto) – Guilherme, você chegou!

GUILHERME– Júnia, um momento! (anda pelo cenário. Pára, o observa. Olha pra ela. Observa novamente. Olha pra ela, incrédulo.) Júnia! Que peça é essa que você tá montando?

JÚNIA (natural) – A sua!

GUILHERME – Como minha peça? E ainda por cima essa mulher tá fazendo texto meu?

AMANDA – Alto lá, Guilherme Castro! Você está diante de Amanda Bandeira, a musa do teatro de vanguarda!

GUILHERME – Musa do teatro de vanguarda... Você tá é na sarjeta que eu sei!

AMANDA – Fale o que quiser, meu caro. Mas como diria Oscar Wilde, “estamos todos na sarjeta, mas alguns estão olhando as estrelas”.

GUILHERME – Como diria Nelson Rodrigues... “FODA-SE!”

AMANDA (constrangida) – O que não se faz pra não perder a amizade de Júnia Lamas... Júnia, vou fumar um cigarro. (sai envergonhada)

GUILHERME – Júnia, que piada é essa... Eu falei pra você que eu queria o Fernando no papel principal! Cadê o Fernando?

Fernando entra berrando.


FERNANDO – Guilherme! Ah, Guilherme, até que enfim!

GUILHERME – Fernando, me explica o que tá acontecendo?

FERNANDO – Essa doida (aponta pra Júnia) simplesmente destruiu seu texto! Tá mudando tudo! Daqui a pouco vai, sei lá... Querer que eu mostre a bunda pra platéia!

GUILHERME (num impulso) – Não faz isso! Não faz isso. Um diretor de vanguarda tempos atrás fez isso e não deu muito certo. Aliás, não sei o que faz um indivíduo ficar de costas pra platéia e mostrar o derriére. Só se for pra ver a naba da crítica entrar!

FERNANDO (pensativo) – Se bem que nu artístico até que tem dado dinheiro ultimamente...

GUILHERME (muda o tom) – Como assim? Dinheiro? Me explica esse negócio...

FERNANDO – É... Um striptease sensual... Tipo assim...(Simula um striptease ao som de música sensual)

Guilherme olha e até arrisca dançar como Fernando. Júnia dá um tapa em seu braço e ele cai em si.

GUILHERME – Fernando, recomponha-se! Olha o vexame! (vira-se para Júnia) E quanto a você, Júnia Lamas, francamente, não entendo! Você disse antes dos ensaios começarem que tinha gostado do meu texto!

JÚNIA –Olha, querido, o seu texto tá muito bom, mas eu percebi que faltava nele... faltava... (gesticula, tentando achar palavras)

GUILHERME – Fala logo, Júnia!

JÚNIA – (ponderada) É, como é que eu vou dizer... Faltava... Aos personagens... Eles eram muito superficiais, não tinham definidas as missões que tinham sido destinadas às suas almas. Foi um difícil aprofundamento, muitas pesquisas, discussões, até eu conseguir lapidar o diamante.

GUILHERME (incrédulo) – Você teve coragem de alterar o meu texto?

JÚNIA – Não é que eu tenha alterado, amor. Eu só separei o joio do trigo, joguei fora as palavras mal fundamentadas, as discussões que ligavam nada a lugar nenhum e tirei de cada personagem o sumo.

GUILHERME (levanta-se, uma pilha) – Sumo, sumo. Sumo você extraia quando estiver fazendo um suco de laranja. (vira-se de frente para a platéia, mas olha para cima, com as mãos para o céu) Meu Deus, aonde eu tava com a cabeça quando entreguei a minha peça pra essa louca?

Pára. Encara a platéia.

GUILHERME (sussurrando) – Tem gente na platéia?

JÚNIA – Claro, hoje é dia de ensaio aberto!

GUILHERME – Ensaio aberto? (pausa. Faz uma cínica e debochada simpatia) Oi, platéia! Tudo bem? Tudo certo? Por favor, fiquem à vontade. Disponibilizamos a vocês todo o conforto durante a estada em nosso teatro! Tem água, tem café... Não, não, não tem sushi. Sushi servem em outro teatro. (volta ao seu estresse, falando para Júnia) Que negócio é esse de ensaio aberto? Você abriu o teatro pro público ver o ensaio da minha peça?

JÚNIA (tenta suavizar, e amenizar o sentimento de culpa) – Mas é ensaio pago...

GUILHERME – Ah, ótimo! Agora só falta você colocar ali na entrada do teatro uma caixinha de sugestões com a pergunta COMO ESTOU DIRIGINDO?

Entra Monique.

MONIQUE (entra, cativando a platéia, com o óbvio interesse nos possíveis olheiros) – Oi, gente! Tão gostando? Pois é, olha só, se alguém estiver interessado em me contratar, meu telefone de contato é ... (pausa. Sorri) Ih, tá vibrando! (feliz)Já deve ser algum interessado... (atende o celular, suave) Monique Novaes, pois não? (escuta um pouco, fazendo cara de espantada. Enfim, distancia o telefone do ouvido) Que absurdo! (surpreende o autor da ligação na platéia) Tarado!

GUILHERME (para Monique) – De onde você surgiu, minha filha?

MONIQUE – Olha só, o senhor me respeita que eu sou uma atriz com muito talento.

GUILHERME – Ô Júnia desde quando você tá colocando qualquer um na minha peça?

MONIQUE – Qualquer um não! O senhor fique sabendo que eu passei em sétimo lugar no concurso Talentos Brilhantes, fui dois anos dançarina do Caldeirão do Huck e por pouco não fui elenco de apoio da novela do Manoel Carlos.

JÚNIA – Monique, meu anjo, não precisa repetir o seu vasto currículo toda hora!

MONIQUE – Não, mas você sabe, Júnia, que meu currículo é considerável. (ainda indignada) Porque estudei teatro! Eu fiz Tablado, Martins Pena, CAL, KEL, KIL, COL, CUL! Li muito sobre teatro, tá? (mentindo e inventando) Li Stanilaviski, Brecht, Tchaicovski... Li muita coisa também daquela autora francesa... (lembra) Moliére! Não entendi muita coisa não, mas li! Li sim! Minha mãe tá na platéia e pode confirmar que eu li! (para o público) Fiz muito teatro também! Afinal, gente, o teatro é uma escola, né?! E meu talento vem do berço!

Amanda entra, já vestida de pomba.

AMANDA – Júnia, olha aqui, meu figurino chegou!

GUILHERME – Júnia, eu não to acreditando que essa história de pomba tá na minha peça! O que é que esta porra desta pomba está fazendo NA MINHA PEÇA?

JÚNIA – Amor, é a essência da mulher do empresário! Ela, em meio à escuridão que aflige a alma do marido empresário e falido, encontra sua aura livre, livre das imposições patriarcais!

GUILHERME (sarcástico) – Ah, a minha comédia tem um cunho libertário para as mulheres!

JÚNIA – Sim! Eu sabia que você ia gostar, Guilherme! O MEU teatro vai além de uma mera encenação! É a confrontação do ser humano com a essência do seu ser!

Guilherme vai entrando em processo de tensão, ele treme. Monique tenta falar alguma coisa, mas é interrompida pela fala de Amanda.

AMANDA – Magnífico! Sublime! Aplausos, Júnia! Isso é que é teatro! E não esse besteirol que fazem por aí só pensando em ganhar dinheiro! À soberania do teatro reflexivo!

Monique tenta falar alguma coisa novamente.


GUILHERME – (num estresse risível) Claro que estou pensando em ganhar dinheiro! Eu lá vou trabalhar de graça, minha filha?

MONIQUE– Olha só, gente, desculpa, mas alguém podia me explicar esse negócio de... Confrontação, essência do ser... É que eu não entendi muito bem...

Fernando a segura pelos dois braços.


FERNANDO (com gestos pesados) – Calma! Calma! Tira do fundo! Você consegue! No final, dá tudo certo...

Monique sorri e suspira aliviada.

GUILHERME – (ri, maquiavélico) Vocês estragaram minha peça!

Todos se assustam e vão para um canto.

GUILHERME - Jogaram meu trabalho no lixo! Ainda por cima em ensaio aberto! Mas isso não fica assim... Não fica! Preparem-se... (pega o punhal da peça, que está sobre a cadeira onde Fernando estava sentado no ensaio. Começam os acordes do tema de Psicose. A luz diminui, mantendo um aspecto sombrio.) Agora sentirão toda a minha ira!

JÚNIA (apavorada) – Guilherme, calma, querido, é só uma peça!

GUILHERME – (Olha para a platéia e esclarece) Senhoras e senhores, vocês assistirão agora à sensacional peça “A vingança do escritor sanguinário”, um texto de improviso, mas com requintes de crueldade explícita... Por favor, desliguem seus celulares... (vira-se para os quatro) E bom espetáculo. (solta uma risada comicamente aterrorizante.)

Guilherme aponta o punhal para eles, que gritam. Todos congelam.

PANO

© Copyright- Leandro Soares e Vinícius Faustini, 2003. Todos os direitos reservados.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

É uma partida de futebol

Esquete feita para ser apresentada no teatro O Tablado. Com adaptações, ela foi apresentada num evento de teatro amador chamado NET, em Minas Gerais - graças ao amigo do meu pai, Hachiro.

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Personagens

MENDONÇA
LOURIVAL
CARLINHOS
GARÇOM
ASSALTANTE

Cenário
Um bar. Mesa com quatro cadeiras. Sobre a mesa, algumas garrafas vazias, três copos de cerveja e pratinhos de tira-gosto. Ao fundo, um balcão, com uma caixa registradora.

Sobe a música ‘É uma partida de futebol’. Ilumina-se o cenário. Mendonça, Lourival e Carlinhos estão sentados olhando para o lado no qual está uma televisão imaginária.
Eles conversam sempre de olho na TV. O Garçom está de pé, a postos para ser atendido, mas também acompanhando a partida.


MENDONÇA – Esse cara tá prendendo a bola demais...

LOURIVAL (esbraveja) – Chuta, porra! (se desaponta) Assim não é possível! É a terceira vez que ele perde a bola para esse beque...

MENDONÇA – Ah, Lourival, mas ele é o craque do time!

LOURIVAL – Mendonça! Craque que é craque de verdade não fica dez rodadas sem jogar absolutamente nada.

CARLINHOS (bêbado) – O Lourival está coberto de razão! É por isso que eu sempre bebo em jogo.

Os outros dois o ignoram.

MENDONÇA – Olha a zaga aberta!

LOURIVAL – Segura! (pausa, expectativa) Ufa... Foi quase!

CARLINHOS (querendo ser notado) – Psiu...

MENDONÇA – É a quinta vez que o cara entra na área sozinho... (faz um sinal) Garçom!

O Garçom se aproxima da mesa.


GARÇOM – Pois não...

MENDONÇA – Traz mais uma gelada!

CARLINHOS – Psiu... Eu estou falando com vocês...

O Garçom traz a garrafa de cerveja.

LOURIVAL – O negócio é o lado direito! Esse lateral é uma avenida!

O Garçom serve os três.

CARLINHOS – Se vocês não me perceberam, eu me dirigi a vocês...

LOURIVAL (grita) – Não toca pros lados, porra!

CARLINHOS – Estão me marginalizando... Eu fico muito sentido com isso...

MENDONÇA (grita) – Olha essa bola!

Carlinhos bate na mesa. Todos se assustam.


LOURIVAL – O que é que é, Carlinhos?

CARLINHOS – Eu estou pedindo a atenção. Há horas que eu venho tentando me dirigir a vocês e vocês me ignoram. Eu tenho que apelar...

LOURIVAL – Carlinhos, a gente veio aqui pra ver o jogo!

CARLINHOS – Cala a boca e escuta, Lourival!

LOURIVAL (segura o colarinho dele) – Ninguém me manda calar a boca aqui não, tá legal?

MENDONÇA – Calma... Calma, Lourival! Fala, Carlinhos, estamos escutando...

CARLINHOS – O que eu estava tentando falar pra vocês é que eu fiz uma teoria sobre porque eu sempre fico assim, bebendo até cair, em todo jogo...

LOURIVAL (irritado) – E eu lá quero saber, Carlinhos? (a Mendonça) Eu vou dar uns tapas nele!

CARLINHOS (ri) – Ui... Tá nervosa a donzela?

LOURIVAL – Escuta aqui, ô rapaz...

MENDONÇA – Lourival, deixa ele falar...

Lourival balança a cabeça afirmativamente, mas, enquanto Carlinhos fala, ele faz gestos olhando para a TV, de acordo com os lances do jogo.


MENDONÇA – Fala, Carlinhos...

CARLINHOS – Mendonça... Como eu ia dizendo, eu cheguei a uma brilhante teoria sobre porque eu bebo em jogo... É o seguinte. Quando você tá de porre, independente do resultado, você fica bem... Se ganha, já to no ponto pra comemorar. Se perde, já to com as mágoas definitivamente afogadas... Isto, meu amigo Mendonça, é o que se chama de uma atitude preventiva... Eu sou um cara muito prevenido...

LOURIVAL (berra) – Vai!

Mendonça se vira bruscamente. O atacante está próximo da grande área.

MENDONÇA – Chuta...

CARLNHOS – Vai!

LOURIVAL (indignado) – Pênalti!

MENDONÇA – Foi pênalti, juiz!

GARÇOM – Safado!

LOURIVAL – Ah, o que é que é isso? Esse babaca vai fazer a gente perder o jogo.

GARÇOM – Esse cara é um ladrão!

O Assaltante entra em cena.


ASSALTANTE – Isso é um assalto!

O Garçom se espanta e, prontamente, levanta os braços. Nenhum dos três se vira para olhar o Assaltante.

LOURIVAL (irritado) – Cala a boca! Olha o jogo!

MENDONÇA – Solta essa bola...

CARLINHOS (cantarolando) – O meu time é a alegria da cidade...

ASSALTANTE – Ih, jogo é o caralho, mermão! Qual é, perdeu, perdeu!

MENDONÇA – Perdeu não, ainda tá zero a zero.

ASSALTANTE (ao Garçom) – Vai passando a grana aê, mermão! E vocês aê também, bacana!

MENDONÇA (sem tirar os olhos da TV imaginária) - Só depois do jogo...

ASSALTANTE – Que depois do jogo o quê! Eu tô trabalhando, sacoé?

LOURIVAL – Que se dane o seu trabalho! Eu quero ver o jogo...

ASSALTANTE – Tu tá ligado que perdeu, cumpádi!

CARLINHOS – Você não ouviu, amigo? Eles falaram SÓ DEPOIS DO JOGO!

MENDONÇA – Vai! (se desaponta) Na trave!

O Assaltante agarra o Garçom e coloca uma arma na cabeça dele.


LOURIVAL – Joga no meio!

MENDONÇA (comenta) – Esse aí tá cada dia mais fominha...

ASSALTANTE – Olha só, coloquei o garçom como refém! Se ninguém me entregar o dinheiro eu passo fogo no garçom!

GARÇOM (tremendo) – Piedade! Pelo amor de Deus...

ASSALTANTE – Pô, mermão, foi mal, eu sei que tu é trabalhador, mas com esses caras aí não tá dando não! É a primeira vez que eu faço um assalto e ninguém presta atenção em mim...

GARÇOM (implorando) – Por favor...

ASSALTANTE – Cara, não posso voltar pra casa sem ter matado ninguém. Promessa que fiz pra minha mãezinha...

MENDONÇA – Encosta um com ele!

GARÇOM – Atira em qualquer outro! Eles estão ligados no jogo, nem vão perceber! É capaz deles morrerem só quando o jogo acabar!

ASSALTANTE (chora) – Eu sei que é difícil! Tu é gente fina, me deu atenção quando eu anunciei o assalto... Mas, bróder, é muito humilhante...

MENDONÇA – Solta a bola! Faltam dois minutos pra acabar!

ASSALTANTE – É duro, cara, tu chegar num lugar crente que vai meter medo nos outros e ninguém tá nem aí, neguinho te ignora...

GARÇOM – Por favor, tenta mais uma vez...

ASSALTANTE (suspira) – Beleza! Só porque tu é sangue bom...

O Garçom fica ajoelhado e rezando.

ASSALTANTE (aos que estão na mesa) – Aí, mermão, perdeu! Perdeu! Vou barbarizar geral!

Silêncio, todos atentos ao jogo. O Assaltante pega o Garçom pelo braço.

ASSALTANTE – Só lamento, esse é o meu serviço...

GARÇOM – Ah, não faz isso comigo!

ASSALTANTE – Vamos ver se agora os caras escutam! (aos outros) Olha aí, eu vou contar até três...

LOURIVAL – Cala a boca, infeliz! Não tá vendo que eu to prestando atenção no jogo?

CARLINHOS (cantarolando) – O meu time é a alegria da cidade...

ASSALTANTE – É um... (o Garçom treme de medo)

MENDONÇA – Fica quieto e vê o jogo...

ASSALTANTE – Dois...

LOURIVAL (empolgado) – Entrou na área...

ASSALTANTE – Eu vou chegar no três e passar fogo no garçom!

MENDONÇA (alegre) – Passou pelo goleiro...

O Assaltante engata a arma.

ASSALTANTE – E é...

TODOS – Gol! Gol!

Carlinhos grita gol e cai da cadeira, muito bêbado. Lourival e Mendonça se abraçam, gritando ‘Gol’. O Assaltante deixa o Garçom de lado, se aproxima da TV imaginária e sorri. Guarda o revólver e se junta à comemoração. Atônito, o Garçom também comemora.


LOURIVAL – Acabou!

ASSALTANTE – Ganhamos, porra!

MENDONÇA – A próxima garrafa é por minha conta.

LOURIVAL – Levanta daí, Carlinhos!

Lourival o ajuda e ele volta a sentar-se.


CARLINHOS (cantarolando) – O meu time é a alegria da cidade...

MENDONÇA – Garçom! Mais uma!

O Assaltante vai saindo, mas Lourival se dirige a ele.

LOURIVAL – Ei, cara... Senta aí!

ASSALTANTE (sem jeito) – Não, desculpa, eu não posso...

LOURIVAL – Deixa de ser besta, rapaz... A gente que tá te oferecendo...

ASSALTANTE – Mas...

LOURIVAL – Senta aqui! (ao Garçom) Traz mais um copo.

O Assaltante se junta ao grupo. O Garçom traz a cerveja e vai servindo os copos.


GARÇOM – Esta é pra comemoar!

LOURIVAL – É isso aí!

CARLINHOS (cantarolando) – O meu time é a alegria da cidade...

MENDONÇA – Um brinde! Essa merece!

Todos brindam.

LOURIVAL (dá um tapa nas costas do assaltante) – E aí, cara, você quer mais alguma coisa?

ASSALTANTE – Como é que é?

LOURIVAL – Tem cara de quem tá com fome...

ASSALTANTE – Precisa não...

LOURIVAL – Faço questão, rapaz!

ASSALTANTE – Que é isso, vocês nem me conhecem!

MENDONÇA – É, a gente não se conhece! Mas tu tem cara de gente boa!

ASSALTANTE (feliz) – Tu acha mermo?

MENDONÇA – Pô, a gente torce pro mesmo time! Então, tá tudo em casa...

LOURIVAL – Vai, gosta de um X-Tudo?

O Assaltante balança a cabeça afirmativamente.


LOURIVAL – Garçom, traz um X-Tudo pra ele.

O Garçom vai em direção ao bar. Sobe a música ‘O meu time é a alegria da cidade’. Eles conversam, brincam, riem e, aos poucos, a luz desce.

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