Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A última do salafrário...



Hoje recebi por e-mail a aprovação da Editora Litteris para a publicação em livro do DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, que trará a reunião de contos publicados originalmente aqui neste blogue. Ainda deve demorar um pouco pra ele sair (e também tenho de resolver algumas questões burocráticas pra saber ao certo como será a edição dele), mas desde já compartilho com todos daqui esta emoção que estou sentindo diante deste retorno que meu trabalho recebeu.

O livro não só foi aprovado como a Litteris disse que tem interesse em divulgá-lo na IX Bienal Internacional do Livro da Bahia e na XIV Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro. Tomara que dê tudo certo, e que o salafrário consiga alçar ótimos voos literários...

Obrigado pelo apoio, pelo carinho, pelos comentários de todos vocês,

Vinícius Faustini

domingo, 25 de janeiro de 2009

Política da boa vizinhança

Texto para teatro, ainda não montado. Ele foi feito com a intenção de depois se tornar uma das partes da peça/antologia Surreal, que traz esquetes minhas e de Daniel R. Ribas, autor dos blogues Sobrevivendo no limite e Ainda sobrevivendo. Os links estão ao lado, e este que vos escreve recomenda com toda pompa e circunstância.

Obrigado a todos,

Vinícius Faustini

*****

Personagens (por ordem de entrada em cena)
LAURA
OFICIAL
FERNANDO
TIMÓTEO

Cenário
Sala de estar de uma casa. Na sala de estar, um sofá, duas poltronas, uma mesinha ao centro e outra ao lado do sofá, com um abajur e um telefone.

As luzes são acesas. Um barulho de campainha toca três vezes. Laura entra em cena.


LAURA (cruzando o palco) – Já vai!

Faz menção de abrir uma porta.


OFICIAL – Boa noite.

LAURA (estranhando) – Boa noite.

O oficial entra na casa, olha para os cômodos, como se estivesse analisando o ambiente.


OFICIAL – É aqui que mora o senhor Fernando Ribeiro?

LAURA – Sim. O que o senhor deseja?

OFICIAL – A senhora é parente dele?

LAURA – Esposa. Laura.

OFICIAL – Ah, sim. Como vai? (cumprimenta)

LAURA – Quem é o senhor?

OFICIAL – Meu nome é Augusto Palhares, sou oficial de Justiça.

LAURA – Justiça?

OFICIAL – Sim, não se assuste. É apenas um procedimento de rotina.

LAURA – Procedimento de rotina?


Fernando entra em cena, com ar de indolência. Percebe a presença de um estranho e logo se recompõe.


OFICIAL (levantando-se) – Senhor Fernando Ribeiro?

FERNANDO – Sim.

OFICIAL – Boa noite. Sou Augusto Palhares, oficial de Justiça. Vim aqui averiguar uma denúncia. (abre um calhamaço de papéis) É melhor nos sentarmos, não?

FERNANDO – Ih, vai demorar...

OFICIAL – Eu posso considerar esta atitude como desacato à autoridade!

LAURA – Amor, não piora as coisas...

FERNANDO – Sim, sim. Mas... Vamos nos sentar por favor.


Os três se sentam.


OFICIAL – Os senhores conhecem o doutor Timóteo Campos?

FERNANDO – O nosso vizinho daqui da frente.

OFICIAL – Pois bem. O Serviço de Proteção ao Vizinho recebeu uma denúncia formal do doutor Timóteo Campos contra o senhor Fernando Ribeiro e a senhora Laura de Castro Ribeiro.

LAURA – Como?

FERNANDO – Espera aí, eu não estou entendendo.

OFICIAL (ameaçador) – O senhor está insinuando que eu não sei me explicar? Isto é mau, senhor Fernando...

LAURA – Amor, calma. (ao Oficial) Tenho certeza de que deve haver algum equívoco, nunca fizemos nada contra ele.

OFICIAL – Não é o que o doutor Timóteo afirma, dona Laura.

FERNANDO – O que é que ele afirma?

OFICIAL – Bem, o doutor Timóteo Campos acusa o senhor Fernando Ribeiro e a senhora Laura de Castro Ribeiro por apropriação de bens, inadimplência e danos morais e materiais.

LAURA – O que é isso?

OFICIAL – Então o senhor desconhece estes motivos?

FERNANDO – Claro...

LAURA (irritada) – Escuta aqui, meu filho! A gente seria incapaz de fazer esse tipo de coisa aí com qualquer pessoa!

FERNANDO – Deixa eu ver se eu entendi. O vizinho da frente não tem a coragem de bater na minha porta para se queixar e coloca um oficial de justiça?

OFICIAL – Diante desta questão desconfortável, ele achou que o acordo só seria viável com os rigores da lei.

FERNANDO – Lei? Lei de quê? Esse cara te usou, mermão! Não tem moral pra me peitar e se esconde atrás de uma autoridade. Isso é atitude de frouxo, se ele fosse homem de verdade tocaria a campainha agora!

Toca a campainha.

OFICIAL (olhando para o relógio) – O Doutor Timóteo Campos é extremamente pontual.

Laura e Fernando se olham. A campainha toca novamente.


FERNANDO – Laurinha, vai abrir a porta.

Laura vai até o lado onde teria a porta. Dr. Timóteo entra em cena.

TIMÓTEO – Boa noite.

Ele sorri ao ver o Oficial.


TIMÓTEO – Palhares!

OFICIAL – Timóteo, como vai esta força?

Os dois se cumprimentam. Laura e Fernando ficam espantados.


LAURA – Espera aí, vocês se conhecem?

TIMÓTEO – Claro que eu conheço essa figura.

FERNANDO (de frente para a platéia) – Puta que o pariu! Piorou!

OFICIAL – Bem, já que estamos todos aqui, creio que possamos ir direto ao assunto. (olha a todos) Podemos?

TIMÓTEO – Sim.

FERNANDO – Sim.

Todos esperam Laura. Ela pensa um pouco, mas acaba, vencida, respondendo.


LAURA – Sim.

Fernando e Laura se olham, estranhando a situação. Todos estão sentados.

OFICIAL – Doutor Timóteo Campos, o senhor tem a palavra.

TIMÓTEO – Obrigado, Palhares. (levanta-se e, à medida que vai falando, anda de um lado para o outro, como um advogado num júri) Bem. O senhor Fernando Ribeiro mudou-se com sua esposa para este apartamento há três anos. Meu primeiro contato com os acusados.

FERNANDO (interrompendo) – Os acusados somos nós.

TIMÓTEO – Eu estou com a palavra.

FERNANDO – Não, foi só pra saber.

TIMÓTEO (respira fundo e prossegue) – Meu primeiro contato com os acusados foi quando eles bateram à minha porta e pediram emprestada uma xícara de açúcar.

OFICIAL – E o senhor?

TIMÓTEO – Eu emprestei a xícara de açúcar. Sou muito generoso, você me conhece, não é, Palhares?

OFICIAL (satisfeito) – Claro!

TIMÓTEO – Bem. No dia seguinte, o senhor Fernando Ribeiro bateu à minha porta novamente e pediu emprestada uma xícara de açúcar.

OFICIAL (a Fernando) – O senhor confirma isso?

FERNANDO (atônito) – Confirmo.

OFICIAL – Adiante, doutor Timóteo.

TIMÓTEO – Eu emprestei as xícaras de açúcar confiando que meus vizinhos um dia me devolveriam.

FERNANDO – Mas isso é um absurdo.

OFICIAL – A palavra é dele.

TIMÓTEO – E nenhum dos dois foi até a minha porta com a menção de devolver as duas xícaras de açúcar. Vejam bem, que eu emprestei três anos atrás, não foram três dias e nem três meses! Enfim, percebi que eu não poderia ter de volta a quantidade de açúcar cedida sem o auxílio de uma autoridade. É por isso, eu acionei o Serviço de Proteção ao Vizinho.

LAURA – Ei, ei, espera aí! O senhor acionou a Justiça pra reaver duas xícaras de açúcar?

TIMÓTEO – Dona Laura, a princípio, duas xícaras de açúcar podem ter apenas o valor material. No entanto, ao se recusarem a devolver a quantidade de açúcar se mostraram inadimplentes, devedores. Além de se apropriarem de um bem que me pertencia, abusaram da minha benevolência como vizinho.

FERNANDO – Mas quando se pede emprestada uma xícara de açúcar a gente é obrigado a devolver?

OFICIAL – Silêncio!

LAURA (interrompe) –Cala a boca você que aqui é a minha casa.

OFICIAL – Desacato!

FERNANDO – Que é isso, mermão? Tá maluco?

OFICIAL – Olha!

TIMÓTEO – Não ligue, Palhares. É natural a atitude deles, típica reação de um culpado. Bem, voltando. Este país, infelizmente, não consegue perceber o mal que é tomar emprestado as coisas e não devolvê-las. Como prova de minha benevolência, estou ensinando aos meus vizinhos ensinamentos de honestidade, de civilidade e da boa vizinhança.

LAURA (irônica) – A lição de como devolver duas xícaras de açúcar.

TIMÓTEO (abrindo uma lista grande) – Duas xícaras de açúcar e um CD do Latino. (pausa. Constrangido, ao Oficial) Mas o CD do Latino não está em discussão. O que importa é que o desinteresse em devolver as xícaras de açúcar emprestadas com toda a boa vontade é o suficiente para que o senhor Fernando Ribeiro e a senhora Laura de Castro Ribeiro sejam enquadrados como maus vizinhos!

LAURA – Só por isso?

TIMÓTEO – Não. Tem mais.

LAURA – Café a gente nunca pediu emprestado!

TIMÓTEO – Não estou mais falando sobre bens materiais. Tenho mais um argumento para enquadrar vocês. Pelos meus cálculos, durante 76 noites foram feitas festas aqui neste apartamento.

FERNANDO (irônico) – Da próxima, o senhor será convidado de honra!

OFICIAL (irritado) – Ah, se ironia fosse considerado crime!

TIMÓTEO – Não interrompam! Durante 76 noites ocorreram festas um tanto quanto animadas, com muita música, muita gente, muita fala, até altas horas da noite.

LAURA (impaciente) – Vai direto ao assunto, o que é que o senhor quer de volta?

TIMÓTEO (instintivamente) – O meu sono!

Fernando ri nervosamente.


FERNANDO – Quer que a gente durma pelo senhor?

TIMÓTEO – Muito engraçadinho, não é? Infelizmente, não tenho como reaver o sono que vocês me roubaram todos estes anos! 76 noites em claro, tendo de ouvir música da pior qualidade e escutar conversas barulhentas intermináveis! O senhor tem noção do quanto isto pode afetar o meu rendimento no trabalho? É um absurdo, Palhares!

OFICIAL – Então estamos num impasse.

TIMÓTEO – Exato, mas neste aspecto estou disposto a entrar num acordo.

LAURA – Está bem, qual acordo?

TIMÓTEO – Abro mão de vocês saírem definitivamente, mas exijo que durante 76 noites vocês não durmam neste apartamento, contado a partir de amanhã. Ah, e vale também para domingos e feriados. E, como já disse, também abro mão do CD do Latino.

FERNANDO (ao Oficial) – Mas o que é isso? Este senhor está violando o direito de dormir na nossa própria casa!

TIMÓTEO – Ora, mas vocês não dormem! (ao Oficial) Depois que acabam as festinhas, os depravados começam a fornicar. Barulhos de cama mexendo, gritos, urros! Se eu fosse contar as noites de fornicação, vocês teriam que ficar proibidos de entrar no prédio por pelo menos cinco anos! Estou amparado pela Lei do Silêncio, mas também estou zelando pela manutenção da moral e dos bons costumes.

OFICIAL – É, a coisa está ficando feia para os senhores.

TIMÓTEO – Sim, porque ninguém dobra o doutor Timóteo Campos! Pensou que poderiam abusar da minha boa vizinhança que iria ficar por isso mesmo? Nada disso! Dou 48 horas para que me devolvam tudo o que me devem – o açúcar e o CD do... (pigarreia) O CD do Latino não precisa entrar na negociação. É este o crime que o senhor deve pagar por ser um péssimo vizinho. Sinto muito, mas eu não serei flexível!

OFICIAL (ao casal) – Os senhores têm algum argumento de defesa?

LAURA – Um momento!

TIMÓTEO – Pois não. (em tom amigável ao Oficial) Vamos dar a voz à defesa do réu.

LAURA – Realmente, meu marido abusou da generosidade do senhor.

FERNANDO – Peraí, Laurinha!

LAURA – Calma, Fernando.

OFICIAL – A senhora Laura de Castro Ribeiro está com a palavra.

Timóteo, Fernando e o Oficial sentam-se.

LAURA – De fato, o doutor Timóteo Campos tem razão para nos acusar.

FERNANDO – Laurinha...

LAURA – Fica quieto, Fernando! Temos sim, afinal, foi um erro nosso não pensar que poderia fazer falta ao seu café, ou ao seu suco a quantidade de açúcar que nós usamos. (anda de um lado para o outro, como fez o dr. Timóteo) De fato, o doutor Timóteo Campos foi muito solícito nas duas vezes em que pedimos emprestada uma xícara de açúcar e também ao emprestar o... (em tom mais baixo) CD do Latino. No entanto, não imaginávamos que uma pessoa tão digna quanto o doutor Timóteo Campos, uma autoridade no campo da advocacia, fosse um dia cobrar o favor que meu marido e eu lhe devemos.

TIMÓTEO – Esta mocinha está querendo lhe confundir, Palhares!

OFICIAL – Timóteo, a palavra é da senhora Laura Ribeiro!

LAURA – Obrigada. Quando nós decidimos recorrer ao auxílio do doutor Timóteo Campos, depositamos nele a confiança de que teríamos um convívio amistoso, de que se tratava de um vizinho com o qual sempre poderíamos contar...

OFICIAL – As afirmações são convincentes.

LAURA – Obrigada. E foi graças à sua atitude generosa logo que começamos a morar aqui que o doutor Timóteo Campos adquiriu credibilidade conosco.

TIMÓTEO (comovido) – Obrigado pela consideração.

LAURA (firme) – No entanto, diante das acusações apresentadas hoje, esta credibilidade foi por água abaixo!

TIMÓTEO (sem graça) – Não sejamos tão radicais, Dona Laura! Nós podemos conversar...

LAURA (ao Oficial) – E posso enquadrar o doutor Timóteo Campos como um mau vizinho, e exigir que ele deixe o apartamento ao lado, por uma atitude tão mesquinha e lamentável como foi esta de pedir a devolução das xícaras de açúcar.

OFICIAL – A senhora quer fazer a queixa?

LAURA – Não, porque seria um revanchismo de minha parte e da parte do meu marido. Mas nós somos bons vizinhos.

OFICIAL – Mais alguma coisa a declarar?

LAURA – Não, muito obrigada. (senta-se. Ela e Fernando sorriem.)

OFICIAL – Timóteo, venha aqui um momento.

Timóteo vai em direção a ele. Os dois cochicham na boca de cena.


OFICIAL – Timóteo, a coisa está ruim para o seu lado. Mediante estas acusações, você terá de desembolsar uma grande quantia para a indenização deles.

TIMÓTEO – Quantia?

OFICIAL – Sim, um processo por danos morais sairá mais caro do que a devolução dos bens requisitados.

TIMÓTEO – Certo.

Timóteo volta-se para o casal.

TIMÓTEO – Bem, diante de argumentos convincentes, não me resta outra alternativa senão retirar a queixa contra o senhor Fernando Ribeiro e a senhora Laura de Castro Ribeiro. (ao Oficial) Palhares, tudo não passou de um lamentável equívoco de minha parte.

OFICIAL – O que não exime o senhor do pagamento de trezentos e vinte e três reais e vinte e sete centavos por serviços prestados pelo Serviço de Proteção ao Vizinho, mais quarenta e dois reais para retirar a queixa de nossos autos de processo.

TIMÓTEO – Mas eu não vou me submeter a pagar esta quantia por tentar reaver duas xícaras de açúcar!

OFICIAL – Então terei de encaminhar o seu nome também ao SPC.

TIMÓTEO – Está bem.

Tira um talão de cheques.


TIMÓTEO – Não dá pra confiar mesmo nos aliados!

OFICIAL (confere o cheque) – Bem, agora não há mais o que fazer aqui. (cumprimenta Laura) Obrigado, dona Laura. (cumprimenta Fernando) Obrigado, senhor Fernando.

LAURA – Eu acompanho os senhores até a porta.

Oficial, Timóteo e Laura estão próximos à porta. Fernando fica de pé um pouco mais afastado.

TIMÓTEO – Desculpem o mal entendido, sim?

FERNANDO (sorridente) – Claro, doutor Timóteo, vizinhos são para essas coisas.

Oficial e Timóteo saem de cena. Laura corre em direção a Fernando e os dois se abraçam.

FERNANDO –Laurinha, isto merece uma comemoração.

Ela deita no sofá e pega o telefone.

LAURA – Vou ligar para todos os nossos amigos. Amor, vai até a padaria e compra uns salgadinhos. Ah, vou fazer pudim de leite condensado, já tenho tudo aqui.

FERNANDO – Maravilha! (pega uma carteira na mesinha e vai em direção à porta)

LAURA – Peraí!

Fernando para e olha para ela.

LAURA – Agora que eu lembrei! Não tem açúcar. Na volta, passa lá no vizinho e pede emprestadas duas xícaras de açúcar. Tá?


Fernando sai de cena. Laura começa a falar ao telefone e sobe a canção Festa no apê.


PANO

domingo, 18 de janeiro de 2009

Enquanto isso, no balcão do Procon...

Monólogo feito em 2004. Este texto foi apresentado na aula de Ricardo Kosovski (Teatro O Tablado) pelo ator Almyr Netto. O que escrevi foi, digamos, um embrião para mais tarde fazer o Serviço de telemarketing, texto mostrado no post anterior.

Obrigado a todos,

Vinícius Faustini


*****

Cenário

Ao fundo, uma placa grande escrita PROCON - Defesa do Consumidor.


O ator entra em cena. Tem uma cara de neurótico, visivelmente alterado.


É, boa noite... (pausa, respira fundo e começa) Bom, eu tava passando aqui pelo PROCON e resolvi dar uma parada para reclamar. É, criticar umas coisas que não estão certas, definitivamente. E eu gosto muito de criticar, né.? (desafiador) Tá olhando o quê? Eu gosto de criticar, sim, e daí? É um esporte muito natural... Até porque criticar é fácil, é cômodo e qualquer um pode fazer.

Bom... começando do começo, eu acho que devo criticar os serviços de atendimento do consumidor. Não que eles não resolvam, ao contrário. O problema é a gravação! É UM INFERNO aquela gravação. (imita) Disque Não Sei o Quê. Boa tarde. Para saber o valor de uma coisa, tecle 1. Para saber as soluções de um plano pré alguma coisa qualquer, tecle 2. Pra ter alguém pra conversar e não se sentir sozinho, tecle 3. Para voltar ao menu, tecle 9. Isso não me chateia tanto, o que me irrita... me irrita... é a voz de aeroporto! Aquela voz enjoativa, monocórdia, capaz de falar BOM DIA e SUA MÃE MORREU com a mesma entonação, me dá nos nervos.

Tudo parece se estabilizar quando vem a voz normal do atendente. Empresa tal, fulano, bom dia, em que posso ajudar? Ele é compreensivo, ouve com paciência, mas na hora de responder é sempre VOU ESTAR EFETUANDO, VOU ESTAR SENDO... daqui a pouco ele vai dizer VOU ESTAR ROUBANDO SUA MULHER, SUA CASA E SEU DINHEIRO, como se fosse uma coisa normal, corriqueira, natural! E quando a gente reclama de algum serviço de assinatura, de jornal ou revista. A gente liga, fala que não recebeu o jornal, uns dias depois eles resolvem. Pra quê! Todo santo dia liga algum operador de telemarketing com as mesmas perguntas: está satisfeito com nossos serviços? Aceita nossas ofertas? E o pior é que na hora que eu balbucio qualquer mensagem negativa eles sempre respondem A EDITORA AGRADECE. Qualquer dia eu vou testar mandar um pra puta que pariu pra ver se ele responde o mesmo...

Ah, eu também quero reclamar da língua portuguesa nos estabelecimentos comerciais. Outro dia, fui num restaurante que dizia PROIBIDA ENTRADA DE PESSOAS SEM CAMISA. Sem calça pode, né? Não me levem a mal, mas é mais forte do que eu! Eu não consigo almoçar nesses lugares em paz imaginando que posso me deparar com um sujeito só de camisa e sem calça!

Fui a outro restaurante. Uma comida maravilhosa, deu vontade de comer sobremesa. Foi aí que eu vi... TORTA DE BANANA DIET. Meu Deus, será que esses donos de restaurante não sabem que não existe BANANA DIET! Eles fazem só pra me atazanar, só pode ser isso. Paguei a conta rapidinho e fui pra casa.

Abri o elevador e saltou aos meus olhos o quadrinho de aviso. CAPACIDADE PARA 8 PASSAGEIROS OU 560 KG. Quer dizer, os números não podem ser diferentes! Ou entram de uma vez os oito passageiros ou é colocado o peso de 560 quilos! Não há alternativa. Tenho que esperar SETE PESSOAS ou não sei quantos quilos, caso contrário, não subo no elevador. Esperei, esperei e, enfim, vieram as sete pessoas.

Desculpe incomodar seu tempo, mas eu quero avisar que relutei muito pra vir aqui, só vim mesmo em último caso porque eu sou um consumidor que tem o direito à defesa. E a minha melhor defesa é essa, a da crítica, criticar não custa nada, e vou dizer que, se não fossem as críticas de pessoas como eu, você não estaria aqui. Obrigado por me ouvir, tenha uma boa noite.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Serviço de telemarketing

Texto inédito, baseado em ideia que comecei a esboçar em 2004. Por gentileza, desejo que todos comentem com opiniões sinceras.

Primeiro texto de 2009. Um Ano Novo maravilhoso a todos e obrigado desde já,

Vinícius Faustini


*****

Personagens

ATENDENTE 1
CLIENTE
ATENDENTE 2

Sobe a luz. O cliente está no meio do palco e as atendentes nos dois cantos, todos de frente para a platéia. Ele faz movimentos imaginários de quem mexe nas teclas do telefone. Atendente 1 ajeita o imaginário microfone e atende. A Atendente 2 simula que está digitando no computador.

ATENDENTE 1 – Banco Paes de Albuquerque, Maria Lúcia, boa noite...

CLIENTE – Er... Bem, boa noite. Eu estou ligando para solicitar o cancelamento de uma compra que veio no meu...

ATENDENTE 1 (interrompendo) – Nome do usuário, nome escrito no cartão, identidade, CPF e...

À medida que ela vai falando, ele, atabalhoado, fica procurando os documentos para organizar. A uma certa altura, tudo cai no chão. Ele protesta.

CLIENTE – Ei, calma! Uma de cada vez!

A Atendente bufa de raiva e repete numa calma irônica.


ATENDENTE 1 – Seu... nome... Senhor.

CLIENTE – Isso... Mais calma. Rodrigo de Oliveira Castro.

ATENDENTE 1 (como se estivesse teclando) – Nome que aparece no cartão...

CLIENTE – Rodrigo Castro.

ATENDENTE 1 – CPF...

CLIENTE – Nove, sete, dois, dois, dois, cinco, dígito dez.

ATENDENTE 1 – Identidade...

CLIENTE – Aí, que saco, hein? Quanta burocracia!

ATENDENTE 1 (nervosa) – Senhor Rodrigo, este é o procedimento indicado pela empresa com os clientes do Banco Paes de Albuquerque...

CLIENTE – Mas eu só quero cancelar uma compra, não estou me alistando no Exército...

ATENDENTE 1 – Sim, mas o senhor deveria estar compreendendo que o banco deve tomar toda e qualquer medida de segurança.

CLIENTE – Eu só quero cancelar uma compra!

ATENDENTE 1 (cedendo) – Está bem, senhor... O senhor poderia estar ditando o número de sua conta com o dígito?

CLIENTE – Setecentos, dois, quatro, três, cinco, dígito quatro.

ATENDENTE 1 – Opção de cancelamento de compra, correto?

CLIENTE – Correto...

ATENDENTE 1 – Eu vou estar efetuando a solicitação e dentro de alguns instantes eu vou estar recebendo a resposta da empresa, senhor.

CLIENTE – Está bem.

Ele fica parado. A atendente beberica um copo de café, olha de um lado para o outro, se espreguiça, passa a lixa nas cinco unhas da mão direita, suspira e volta ao telefone. Tudo rapidamente.

ATENDENTE 1 – Senhor?

CLIENTE – Sim?

ATENDENTE 1 – De acordo com a empresa, o cancelamento de conta não pode ser efetuado devido a instituições do imposto, senhor...

CLIENTE (menos calmo) – Como não pode?

ATENDENTE 1 – O imposto predial...

CLIENTE (interrompendo) – Meu bem, só estou solicitando o cancelamento de uma compra!

ATENDENTE 1 - Eu vou estar lhe pedindo que o senhor não seja tão informal comigo. Eu não estive lhe dando tamanha liberdade, senhor.

CLIENTE - Ah, certo. (para si mesmo) Eu não vou perder a calma, eu não vou perder a calma. (coloca a boca próxima ao telefone) Senhora. Eu quero dizer que quero cancelar uma compra.

ATENDENTE 1 - Correto, o senhor aguarde na linha...

Ele fica parado. A atendente beberica um copo de café, olha de um lado para o outro, se espreguiça, passa a lixa nas cinco unhas da mão esquerda, suspira e volta ao telefone. Tudo rapidamente.

ATENDENTE 1 - Obrigado por aguardar, senhor...

CLIENTE - É, não tive escolha, né?

ATENDENTE 1 (sarcástica) - Exatamente, senhor...

CLIENTE - Dá pra, enfim, falar direito o que tenho que fazer?

ATENDENTE 1 – Se o senhor me deixar falar eu estarei lhe passando a situação do resultado de seu pedido...

CLIENTE (berrando) – Eu não quero saber! Só quero o cancelamento desta porra desta compra que eu tenho que pagar todo mês! É difícil de entender?

ATENDENTE 1 (irritada, mas cordial) – Senhor, eu vou estar lhe enviando um guia de boa conduta para conversar com o seu banco...

CLIENTE – Peraí, minha filha, você tá me chamando de mal educado?

ATENDENTE 1 – Eu vou estar sugerindo que o senhor interprete como quiser...

CLIENTE (explode) – Então eu... Eu vou estar pedindo que a senhora vá pra puta que o pariu! Que eu não agüento mais esta ligação!

ATENDENTE 1 – O Banco Paes de Albuquerque agradece e lhe deseja uma boa noite...

Ele desliga, irritado. A Atendente 1 esbraveja e esbanja mau humor. Ela permanece quieta em todo o resto do esquete. O Cliente respira fundo, conta nos dedos até três, e tenta fazer uma nova chamada. Toca o telefone e, desta vez, ele fala com a Atendente 2.

ATENDENTE 2 – Banco Paes de Albuquerque, Fábia, boa noite...

CLIENTE – Boa noite, eu gostaria de estar solicitando (interrompe bruscamente. Fala para si) Será que é contagioso?

ATENDENTE 2 – Como? O senhor poderia repetir, por favor?

CLIENTE – É, eu quero solicitar o cancelamento de uma compra.

ATENDENTE 2 – Seu nome?

CLIENTE – Rodrigo Castro.

ATENDENTE 2 – Senhor Rodrigo, por favor, o número da sua conta.

CLIENTE – Setecentos, dois, três, quatro, cinco, dígito quatro.

ATENDENTE 2 – Cancelamento de compra?

CLIENTE – Sim... Fatura em 5 de fevereiro na loja das Casas Bahia.

ATENDENTE 2 – Um momento... (tempo) Já está efetuado o cancelamento neste instante, senhor.

CLIENTE (atônito) - Hã? Como? A senhora pode estar repetindo? (se corrige) Eu falo que isso é contagioso... (volta a falar pelo telefone) Poderia repetir, por favor?

ATENDENTE 2 - Pois não, senhor. Já está efetuado o cancelamento...

Ele sorri abertamente.


ATENDENTE 2 - Senhor?

CLIENTE (voltando a si) Ah, sim...

ATENDENTE 2 - Mais alguma coisa?

CLIENTE – Olha... na verdade, não tenho mais nada...

ATENDENTE 2 – O Banco Paes de...

CLIENTE – Ei, espera... Puxa, já quer me desligar?

ATENDENTE 2 – Desculpe... Pois não?

CLIENTE (a voz dele fica melosa) - Você foi tão boazinha comigo...

ATENDENTE 2 - Este é somente o meu trabalho, senhor.

CLIENTE - Não é não... Você não é como as outras...

ATENDENTE 2 (tentando desconversar) - Senhor, eu terei de estar passando sua ligação para outro ramal...

CLIENTE - Não! Não! Passa não... Fica aqui, vai...

ATENDENTE 2 (interessada, se fazendo de difícil) - O senhor vai ter de estar listando alguns argumentos para que esta alegação se torne mais sustentável, senhor.

CLIENTE – Você tem uma voz linda...

ATENDENTE 2 (sorri, sem graça com o elogio) – Obrigada por dizer, senhor...

CLIENTE – Sabe que você deve ficar uma gracinha aí atendendo telefone...

A Atendente dá um suspiro longo. Depois se recompõe e disfarça olhando para os lados. Por fim, disfarça ao telefone.

ATENDENTE 2 – O banco agradece...

CLIENTE - Sabe como é... Você tá aí, sozinha... Eu aqui também solitário, precisando de carinho...

ATENDENTE 2 - Eu estou compreendendo, senhor.

CLIENTE - E se você tem uma voz assim dengosinha, imagina se tiver de perto...

ATENDENTE 2 (um pouco mais melosa) - Exatamente, senhor. Prossiga...

CLIENTE – Eu acabei de descobrir que tenho uma quedinha por operadoras de telemarketing.

ATENDENTE 2 (ironizando) – Seus procedimentos são comuns em qualquer situação parecida...

CLIENTE – Não, não. Ah, não fala assim, você é especial...

ATENDENTE 2 (com ar de assanhada) – Deseja mais... (pausa proposital) Alguma coisa?

CLIENTE (sedutor) – Com você? Tudo...

ATENDENTE 2 (sorri, e fala pausadamente, bem dengosa) – O procedimento deve ser realizado passo a passo...

CLIENTE – Claro, claro... Eu estava brincando. Que tal a gente sair?

ATENDENTE 2 – A negociação deve ser realizada em lugar adequado.

CLIENTE – Ah, entendo, não pode falar direito aí...

ATENDENTE 2 – Exatamente, senhor.

CLIENTE – Tadinha, deve estar cheia de vontade...

ATENDENTE 2 – Exatamente, senhor. Em qual momento o senhor pode estar retornando uma ligação?

CLIENTE – Quer que eu te ligue?

ATENDENTE 2 – Exatamente, senhor... O senhor poderia pegar papel e caneta? Eu vou estar lhe ditando um número de protocolo.

CLIENTE – Claro. (pega papel e caneta) Diga.

ATENDENTE 2 – Nove, oito, cinco, nove, meia, cinco, oito, um.

CLIENTE – Certo... Seu nome?

ATENDENTE 2 – Fábia, senhor...

CLIENTE – Fábia, a que horas posso te ligar...

ATENDENTE 2 – O horário de atendimento é das 8 da manhã às 8 da noite, senhor.

CLIENTE – Te ligo amanhã às oito e meia. Pode ser?

ATENDENTE 2 – O banco agradece.

CLIENTE - Isso é sim ou não?

ATENDENTE - Primeira opção, senhor.

CLIENTE – Vou sonhar com a sua voz...

ATENDENTE 2 – O banco agradece.

CLIENTE – Beijinhos.

ATENDENTE 2 – O Banco Paes de Albuquerque agradece e lhe deseja uma boa noite.

Ambos desligam o telefone simultaneamente, ele com ar assanhado e ela romântica. Sobe Domingo feliz, com Angelo Máximo, na altura do verso "rá, rá, rá, hoje é meu dia, eu vou ter, ter, ter, o seu amor...".

PANO

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