Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Sofreria

Mais um atrevimento poético. Três consecutivos, daqui a pouco o pessoal enjoa. Mas vamos lá...

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Sofreria, ao um dia por acaso te encontrar
Aos beijos com outra, e vocês dois sedentos ao luar
Sofreria, ao não poder mais contigo sonhar
Faltariam motivos para minha vida continuar

Sofreria, com a rotina cravada dos espinhos
Vindos das rosas outrora cercadas de carinhos
Sofreria, somente na companhia de seus presentes
Amores paliativos para esquecer seus afetos ausentes

Sofreria, com um sofrimento que desespera
Passaria os dias me apegando a uma quimera
Sofreria, com os meus lábios entreabertos
Na vã esperança de seu amor me tirar dos desertos

Sofreria, sem sua voz chamando meu nome
Ao ver que você aos poucos é apenas uma imagem que some
Sofreria, estática ouvindo seu “até breve”
Com o seu calor se evaporando em um beijo leve

Sofreria, numa vertigem que me deixaria pálida
E aos olhos dos vizinhos minha situação pareceria cálida
Sofreria, ao me ver no espelho sozinha
Sem refletir seu abraço que me aninha
Sofreria, sim, eu sofreria
Mas isso não faria diferença para sua ironia
Se pra você, sou uma mera vadia
E meu corpo não é nenhuma segura moradia

Não, talvez por um momento eu não sofreria
Mas a cada instante de saudade eu sofro
Procuro sua lembrança nos braços de outro
E só encontro seu cinismo como nostalgia

quarta-feira, 24 de março de 2010

Vícios

Outro mero atrevimento poético. Este salafrário que vos escreve continua sem tomar jeito...

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Sua presença é como bebida
Que procuro nos copos da solidão para ela ser vivida
Mas na primeira pontada da nossa ressaca
Percebo que nosso amor é uma coisa opaca

Sua presença é como jogo
No qual aposto minhas fichas e alastro meu fogo
E quando meus carinhos eu espalho
Noto que pra você sou mera carta fora do baralho

Sua presença é como cigarro
E eu trago seu gosto, e meu coração se descompassa
Mas logo que acaba a neblina da fumaça
Em vez do seu beijo, só encontro um pigarro

Sua presença é como maconha
Instante de alegria e uma deliciosa pasmaceira
Quando passa o efeito e não te acho à minha beira
A angústia de viver sem você parece mais medonha

Sua presença é como cocaína
Que trinca meus sentidos e meu coração alucina
Anseio, mais e mais, por ser sua menina
E do sonho mais intenso resta sua falta de amor ferina

Sua presença é como heroína
E me entrego a você cercada de euforia
De depois do nosso beijo, injetarem a ironia
De minha boca vomitar nossos bons momentos na primeira esquina

A espera de sua presença é um vício que vive a me entorpecer
Mas como eu te amo e não sei te esquecer
Recorro a alucinógenos, pois sei que com eles posso viver
A sensação plena de que você sempre estará sob o meu poder

quarta-feira, 17 de março de 2010

Erótica

Um atrevimento poético cercado de nuances femininas. Este que vos escreve não resiste a mais uma destas ousadias de autor. Peço a sincera opinião de todas e de todos.

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Lá fora chovem gotas de rancores
Vens até mim sussurrando amores
Com tuas mãos e tua boca me devoras
Dou-te minha quentura para nossas auroras

Meus olhos te enxergam à meia-luz
Vejo em teu olho um desejo que tanto seduz
Cerro meus olhos e teu corpo me conduz
Na doçura de agora estarmos nus

Sinto-me dama, mulher, ninfeta
Desenho a imagem de nossa silhueta
Sedutora, sedenta, sedosa
Sentindo tua carícia gostosa

Tateio com meus lábios e encontro tua boca
E após um “te quero” dito por minha voz rouca
Tu me tomas e começamos um vai-e-vem intenso
Na certeza de que estamos perto de perder o senso

Mergulhas tua cabeça em meus seios
Tua língua e teus dentes entontecem meus anseios
És voraz, és selvagem, mas mesmo assim não tenho receios
A cada pulo só desejo que nosso amor não tenha freios

E eu te molho com o desejo de meu sexo
Sussurro palavras que parecem sem nexo
Sinto teu ofegar e começam a fazer sentido
Os murmúrios e o amor que temos vivido

Meu corpo se guarda para se entregar
Aguardo, orgulhosa, a tua hora de gozar
Ponho a mão em seu coração, que está a disparar
Um, dois gemidos, seguidos de um arfar

Caímos, cansados, cercados de suor
Sorrio, plena, pois te dei o meu melhor
Instantes de desejo intenso e eu a me iludir
Em achar que depois do amor tu não irias dormir

Adormeces, num sono indiferente
Num ato completamente incoerente
De todo o erotismo que tivemos antes
Restam teus roncos decepcionantes

quarta-feira, 10 de março de 2010

Nua

Um post controverso para o Diário de um salafrário desejar a todas as mulheres que frequentam este blogue um FELIZ DIA INTERNACIONAL DA MULHER!

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Mal notou quando alguém se aproximava para roubar um beijo. Seus olhos estavam fechados, acompanhando o som da música lenta e ritmada. A doçura era tanta que não quis deixar que o olhar desenhasse a pessoa que compartilhava um desejo ardente beirando a ternura.

Teve pesar quando as duas bocas se perderam, mas sentiu-se segura quando notou que o abraço ficava mais forte. As mãos, ainda trêmulas, procuraram os traços de quem a afagava. Num gesto mais ousado, passou a língua pela orelha e continuou a deixar-se conduzir por uma música que adentrava por seus ouvidos e guiava todos os demais sentidos.

As mãos passaram pela nuca e acariciaram os cabelos longos e lisos. Por um momento, ficou estática e parecia perder o chão. Até, finalmente, ter a certeza, quando suas unhas cravaram as costas e encontraram como obstáculo da pele um sutiã.

Abriu os olhos. Viu que os minutos mais intensos, mais carinhosos que encontrara em sua vida estavam sendo proporcionados por uma mulher. Uma mulher bonita. Linda, não tinha como fugir da beleza doce daquela companheira que a enlaçava e a fazia dançar sem parar.

Tapou seus seios. Tapou seu sexo. Diante dos olhos de quem cuidara dela até alguns instantes agora sentia-se nua. Mesmo vestida. Olhou para os olhos da outra, que se aproximava percebendo o espanto da mulher que se deixara levar por seus carinhos. A vergonha guiou-a a passos largos para o banheiro.

Olhou-se no espelho e aproveitou que o banheiro estava vazio para chorar. Fechou os olhos e derramou lágrimas e o corpo sobre a pia. Fez a água da torneira cair sobre seu rosto, desfazendo sua maquiagem.

O espelho levemente mofado a fez ver quando não estava mais sozinha. Era ela. Era ela novamente cruzando seu caminho. Ofegou. A outra ficou em silêncio por poucos segundos. As lágrimas corriam e a mulher, calmamente, se aproximou dela. Ela permanecia acompanhando pelo espelho, de costas, enquanto via a garota se aproximando, lentamente.

Contemplou os traços dela. Os olhos, brilhantes de choro e de êxtase. A boca, novamente retocada por batom. Os corpo coberto por uma blusa de alça e uma calça jeans. Achou-a ainda mais linda. Em seguida, olhou para si e achou-se bonita. Em especial pelo contraste de sua própria delicadeza com a força e a ternura da outra mulher.

A garota balbuciou alguma coisa, mas ela logo a interrompeu com um beijo rápido e roubado. Olharam-se no espelho e ela se deixou entrelaçar por mãos ternas, doces e seguras. Sussurrou um "quero mais" e entreabriu novamente os lábios para um beijo. As mãos dela guiaram as mãos da outra, pousando uma das mãos no seio, por baixo do tomara-que-caia e guiando a outra até a calcinha.

A mão, quente, deslizava em seu corpo e fazia refletir um pouco de seu sexo no espelho. Tirou a calcinha e guardou-a na bolsa. Virou-se para a outra e afagou com voracidade cada detalhe. Jogou-a até pararem no primeiro reservado. A porta quebrada tornava o perigo ainda mais iminente. As duas suspiravam e se tocavam devotamente.

Desceu o tomara-que-caia até deixar seus seios à mostra. Sentou a outra no vaso sanitário e colocou os seios à altura dos lábios da outra. Suspirava, sussurrava enquanto deixava-se molhar de tanta ternura. E molhava, mergulhada em desejo. Apoiou-se na coxa da outra e sem cuidados permitiu que a mulher a tocasse, a conhecesse, a deflorasse de uma forma que jamais recebera.

Sua mão entreabriu a calça da outra mulher e a fez conhecer o sexo dela. Perdia-se entre os pelos dela e mergulhava a cabeça entre os seios, agora nus e descobertos pelo sutiã desabotoado. As duas suspiravam, em surdina, uma ouvindo apenas a outra. À distância, emaranhavam-se os sons da boate e os barulhos das mulheres que circulavam no banheiro.

Sorriram. Trocaram um beijo mais cúmplice. Ela vestiu novamente o tomara-que-caia, e deu uma risadinha quando notou que a outra olhou com lamento ela se vestindo. A mulher se levantou e deixou que ela a abraçasse. Com carinho, deixou-se recompor as roupas. Primeiro o sutiã e a blusa. Em seguida, abotoando o jeans.

Ansiava para que pelo menos o rubor de seu rosto saísse de sua pele. Queria o mais breve possível voltar a se entregar ao amor dela. Àquele amor repentino que a surpreendia mas que a fazia mais permissiva diante daquele sabor.

Saiu de seu delírio e viu um vulto desaparecer bruscamente. Espantou-se com o barulho da porta do banheiro se fechando. A mulher tinha ido embora.

Por um momento, ela frustrou-se. A música ficou mais intensa em seus ouvidos. Os sons e as imagens ainda passeavam de maneira confusa por sua cabeça. Finalmente, caiu em prantos. Era o choro de quem estava nua, indefesa diante da revelação da malícia de uma mulher.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Escape

Olhou pela terceira vez o resultado do exame. Suspirou com certo sarcasmo, não seria daquela forma que as letrinhas mudariam de lugar. Viu seu rosto no espelho, os cabelos molhados do banho quente e a pele com gotas de água desenhadas nos ombros.

Enxugou-se longe do espelho, com vergonha de sua nudez e de todas as consequências. Tinha receio de amaldiçoá-la novamente. Era uma longa noite de culpa para remoer, as memórias vinham desde a primeira peça de roupa que havia tirado na frente de um homem.

Por um momento, sentiu que não tinha vivido nada. Recorreu ao clichê de "o que é que eu fiz para merecer isso?" e se lamuriou de tanto recato. A lamúria a entorpecia e a deixava ainda mais amargurada. Respirou fundo e deixou escapar um grito.

Abriu a gaveta e pegou o conjuntinho mais erótico que achou - uma calcinha fio dental e um sutiã meia-taça, ambos vermelhos, cor do sangue que lhe subia à cabeça. Pegou o perfume mais vagabundo e passou em seu pescoço e seus punhos. Instintivamente, passou pelos seus braços, suas axilas, seus seios e molhou até seu sexo. Tinha ódio até de seu cheiro verdadeiro. Queria ser outra, e agora começava a ser.

Cobriu o rosto com maquiagem pesada. Viu o último resquício da sua face ser coberto por um batom vermelho bem berrante. O aplique de cabelos castanhos se sobressaiu à sua morenice original. Pensou em usar o vestido mais luxuoso que encontrou no armário. Logo mudou de ideia, e preferiu o vestidinho mais florido e cafona. A bolsa de camelô e o salto 17 foram os últimos detalhes antes do interfone tocar anunciando o táxi.

Desceu pelas escadas. Não era vergonha de encarar os vizinhos insones, só queria poupar seu tempo de responder a algumas perguntas de curiosos da vida alheia. Passou rapidamente pela portaria evitando fitar o porteiro. Deu o endereço para o taxista e ele relutou de início. Mas logo concordou em levá-la quando ela propôs pagar o dobro do taxímetro. Foram o caminho inteiro em silêncio. Olhando sempre pela janela, tentava reconhecer as ruas para esquecer tudo o que estava fazendo. Despertou somente quando ele falou que tinham chegado ao destino. Ela sacou o dinheiro da bolsa. Ele agradeceu. Ela disse que tinha muito mais para agradecer.

Abriu a porta do carona, ajoelhou-se no banco e apoiou-se diante dele. Abriu seu zíper, puxou sua cueca e começou a acariciá-lo. Sentiu que suas mãos o faziam ainda mais inebriado e começou a usar a língua. Riu ao ouvir o gemido dele e começou a acariciá-lo com os lábios. A cabeça dela oscilava e ela cravava as unhas em seu peito. Num último sussurro dele, seus carinhos voltaram a ser com as mãos. Ele ainda pediu mais, mas ela falou que era só um "aquecimento". No espelho retrovisor retocou o batom. Deu um tímido "tchau" ao taxista e seguiu, ainda cambaleante, pela rua.

Parou diante de um poste de luz. Ergueu o corpo, deixou o decote ainda mais à mostra. Aproveitou a rua deserta e decidiu tirar o sutiã. Ajeitou o vestido de forma que o decote mostrasse parte dos bicos de seus seios. Poucos carros passavam pela rua e pareciam não notá-la. Viu que tinham se passado 15 minutos e chegou a pensar em desistir da noite. Mas respirou fundo, empinou os seios e o bumbum, e um carro parou.

Teve um arrepio quando o homem do banco do carona se dirigiu a ela com um "aí, piranha". Ela chegou mais perto e apoiou os braços na janela. Ele perguntou o preço. Ela respondeu que custava o quanto ele tinha na carteira, mas faria um desconto pelo preço do motel. Depois de balançar a cabeça concordando, entrou no carro pelo banco de trás. Ao entrar, descobriu que eram três homens. Assustou-se, mas logo lembrou do seu propósito e até sorriu quando um deles a chamou de "branquinha de pele de bebê".

A pedido de um deles, tirou a calcinha dentro do carro mesmo e começou a se acariciar. Nem notara que agora expunha o sexo sem o menor pudor que vinha antes do banho. O homem que dividia o banco de trás fez menção de agarrá-la mas os que estavam no banco da frente protestaram, dizendo que somente no motel ele poderia tocar "a piranha". Ela se deliciava ao ser xingada deste jeito.

Chegaram a um motel fuleiro. Colocaram uma música e ordenaram que ela fizesse um striptease. Ela se despia sem olhar para o próprio corpo. Gostando de olhar somente para eles, pra maneira como eles estavam em êxtase com uma vadia desconhecida. Eles riam, atiravam moedas. Chamavam-na de todos os nomes. E ela se deixava ficar nua.

Escolheu primeiro o moreno claro alto. O homem ficou nu e se atirou com ela na cama. Ia sacar a camisinha do bolso da calça mas ela disse "não precisa". Foram alguns segundos em silêncio seguidos de uma gargalhada. Ele gritou para os outros dois que iriam transar sem camisinha e eles gargalharam também.

Deixou-se ser tomada por ele. Ardia de desejo e de ódio e de culpa. Remoía o desejo reprimido de ter sido uma garota casta. Remoía o ódio de quem tinha abreviado sua vida e a condenado para sempre. Remoía sua culpa por não ter se cuidado antes. Mas agora se vingava. Ia se vingando em desconhecidos pervertidos. Nos homens tolos que acreditavam nela, que além de falsa bondade ao se entregar sem proteção era uma falsa prostituta.

Extasiava, um por um, sabendo que mais tarde eles iriam compartilhar toda a culpa que ela carregava desde o momento em que recebera o exame. Deixava-se levar por eles. Aceitava que três homens desconhecidos conhecessem toda a pureza de seus traços, de suas curvas somente em troca de prazer. Num último sobressalto, experimentou sorrir até se deixar cair definitivamente sobre o corpo dos três.

Já começava a pegar no sono quando os três se levantaram e falaram que iam embora. Ela pediu que deixassem o dinheiro do motel e algum troco que sobrasse pro programa. Algumas notas de dez reais ficaram amassadas sobre a mesa de cabeceira.

Esperou os três saírem e tomou uma ducha. No banho saiu toda a maquiagem que ainda lhe restava. Tirou o aplique e o deixou numa lata de lixo. Arrumou um pouco os cabelos verdadeiros. Pediu um táxi.

Foi em silêncio até sua casa. Viu o dia começando a clarear. Chegou ao prédio e entrou pela porta dos fundos. Subiu as escadas até chegar ao seu apartamento. Ao entrar lá, viu a hora no relógio do despertador. Faltavam ainda quatro horas para o marido chegar de viagem.

Amaldiçoou o marido mais uma vez. Era ele quem tinha feito a vida dela entrar em estado terminal. Foi o descuido dele que acabou com a vida dela. Mas ela o amava muito. A ponto de não se permitir fazer nenhum mal ou dirigir nenhuma ofensa para ele.

Olhou-se no espelho de cara limpa. Sabia que depois daquela longa noite seu dia clareava, com menos ressentimento e com outros para dividirem a culpa que a carregava há tanto tempo.