Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Sim

Tateou cada detalhe do corpo dela. Sentiu a palma de sua mão passando pelos cabelos, até a carícia da nuca fazê-la arrepiar e soltar um sorriso. Sentou-se na cama e com os dedos tentou arranhá-la. Os dois sorriram e se beijaram com uma doçura mais selvagem.

Num gesto de entrega, ela empinou os seios e permitiu que ele desabotoasse seu sutiã. Sentiu cócegas quando a barba dele desceu de maneira carinhosa por seu colo. E murmurou enquanto, de olhos fechados, ele, com a língua, riscava labirintos por seus seios. As mãos chegavam ao seu bumbum, e ela ergueu um pouco o corpo para que ele tirasse sua calcinha.

Ajoelhada e nua perante ele, deitou-o, tirou sua cueca e começou a viver com ele o prazer a dois. Olhava os olhos fechados dele e ameaçava sorrir diante do delírio que sua boca permitia que ele tivesse. Com suavidade, subiu seu corpo aos poucos pelo corpo dele, até que ambos se entregassem em chamas, sem receios, sem qualquer sentimento de culpa.

Permitiram que o calor se misturasse com a febre, e num acalanto, permaneceram abraçados, intensos, reconhecendo seus corpos, pedindo seus sexos, e buscando seu amor a dois. Até que num beijo ardente, deram um, dois sobressaltos e caíram, unidos, lado a lado, na cama redonda.

Num instinto, abriram os olhos simultaneamente. Algumas carícias vistas na pouca luz do quarto. Através do brilho do olhar dele, a vista distante dela. Ele tateou o rosto dela, mas sua mão foi incapaz de evitar que ela virasse os olhos para o teto.

Sentiu a frustração pairar sobre a cama. Sentiu que ela, depois de tudo, ainda ia embora. E antes que ela partisse definitivamente, decidiu transpor de uma banal declaração de amor para seu próprio corpo a certeza de seu amor por ela.

Lembrou-se das primeiras declarações mais arrebatadas enquanto, de olhos abertos, via a faca de cozinha perfurar o dedo com a aliança de casamento. Não precisaria mais dele se não tivesse a mulher da sua vida como companhia.

Com a mão ainda sangrando, voltou para o quarto dos dois. Ela vestia a blusa por cima do sutiã, e mexia na mala que estava prestes a levar para longe de casa. Ele estendeu a mão direita e pediu que ela guardasse um cantinho da bolsa para seu último presente.

Atônita, ela disse sim. Como dissera no dia do casamento. E, com cuidado, guardava em sua bolsa o "sim" dele, sabendo que aquele voto de amor conviveria eternamente com ela. Independente de qualquer desunião que acontecera na vida a dois.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Nós dois

Eu, sorriso ao te encontrar. Você, alguns carinhos no meu rosto. Eu, ânsia por um beijo ofegante de seus lábios. Você, suave com certa distância. Eu, taça de vinho. Você, água sem gás. Nós, conversas amenas, cotidianas.

Eu, estranhando seu semblante. Você, inquieta. Eu, afagando seu rosto e deslizando os dedos por seus cabelos. Você, evitando meus olhos. Eu, sentindo no coração adentrar sua inquietude. Você, lábios cerrados. Nós, silêncio.

Você, algo para me dizer. Eu, surpresa para te contar. Você, olhos marejados. Eu, mãos segurando as tuas. Você, planos para a vida. Eu, fora deles. Você, palavras e mais palavras. Eu, silêncios e mais silêncios. Nós, lágrimas.

Você, alívio por tudo o que disse. Eu, no fundo, talvez soubesse que isso um dia ia acontecer. Você, a cada vez mais me privando de seu sorriso. Eu, a cada momento mais pedindo beijos que outrora vinham cercados de espontaneidade. Nós, desamor.

Você, amizade? Eu, ainda sem saber o que pensar. Você, lágrimas já secas. Eu, suspiro mais longo. Você, bebericando o resto do meu vinho. Eu, em dissabor amoroso e amargura com gosto de vinho tinto. Nós, sem mãos dadas.

Você, pedido de desculpas. Eu, pedido de desculpas. Nós, troca de olhares cúmplices e tristes.

Eu, adequado à solidão da minha casa. Ela, febril, preparada para abrigar a quentura da noite de amor que poderia estar por vir. Eu, agora atento a um tudo que em palavras passou a significar nada.

Filmes românticos no DVD. Champagne no gelo. Discos de música instrumental aguardando sobre o som. Você, fora do alcance dos meus olhos.

Eu, retirando a surpresa do bolso. Você, sem saber o que estava à sua espera. Eu, um colar com pingente trazendo nossas iniciais. Você, para nossa história deu retoques finais. Eu, procurando um canto seguro, nem muito à vista das minhas lágrimas nem totalmente escondido das amarras do meu coração. Você, por um instante, pode voltar a sonhar comigo, a pensar em nós.

Nós, nós cegos, que não desatam minha insistência em saber que por uma vida inteira olhando para você, o amor dos meus olhos vai se embaçar. E de minha vista turva, vou continuar a enxergar em você a certeza de que ainda seremos, tão somente, nós dois.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Mais uma

Sentiu curiosidade ao ver se ele também estava de olhos fechados, tão entregue quanto ela naquele primeiro beijo de casal. Com a vista ainda embaçada, pôde notar o olhar dele distante, desatento, como se seus lábios estivessem meramente em uma burocracia amorosa.

Ela frustrou-se, mas a ansiedade em encontrar uma doçura no fel falou mais alto. Aninhava-se ainda mais no corpo dele, e suspirava dengosa sem querer se distanciar de sua boca. Quando, enfim, pareciam não ter mais fôlego, sorriu olhando para ele. Ele sorriu sem mostrar os dentes. Ela tentou esconder o desapontamento em um sorriso, e se recostou em seu ombro, passando a mão em sua face.

Disse algumas palavras, mas ele ficou em silêncio. Num impulso, ela se colocou na ponta dos pés a procurar os lábios dele. Achou com certa facilidade, mas os olhos dele ainda insistiam em não se fechar. Pensou em perguntar se tinha acontecido alguma coisa, mas ficou com medo da resposta. Aquele carinho aos pedaços ainda trazia momentos de conforto para seu coração.

Dedicou-se em sua quentura a se aquecer no corpo dele. Mas sentiu um arrepio quando o envolveu em seus braços. Ele se distanciava ainda mais. Olhou atentamente para os olhos dele. Com a cabeça, fez o trajeto até encontrar onde sua vista se direcionava.

Viu uma moça dançando na pista. Bonita, de sorriso vulgar, e retribuindo o olhar dele. Sentiu-se pequena. Notou que os braços já não se preocupavam mais em abraçá-la. Teve vergonha de si por sua cabeça em algum momento imaginar "nós dois".

Deu um beijo no rosto dele. De relance, sua boca não resistiu a tocar os lábios como despedida. Saiu e percebeu que ele nem se interessara em saber seu nome. Foi embora do recinto derrotada. No táxi, enquanto voltava para casa, desfez a maquiagem. No início da noite, sentira-se única. Ao fim da madrugada, fixou os olhos em seu semblante deteriorado. Dos instantes em que tentou apegar seu amor à frieza dos prazeres de uma só noite, agora via no espelhinho a certeza de que foi só mais uma.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Black-out

No ano passado, este que vos escreve fez um exercício poético bem interessante. A amiga Conceição Oliveira escreveu um poema para seu blogue CONFISSÃO, intitulado Cena aberta. Em resposta, veio um poema que veio como pós-escrito, com tintas femininas sob medida pro estilo de seu blogue.

Agora, o Diário de um salafrário reproduz este "diálogo", e quer a opinião de todos.

Abraços a todos, Vinícius.


*****

CENA ABERTA

de Con

Cena aberta e um coração
Sangrando no momento crucial
Arrependido de não ter dado ouvidos à razão
Que insistia em um ponto final

Carregado de paixão, de um amor descomunal
Soberbamente esperando , e seus olhos fechando
Os avisos ignorando, os sentidos enganando,
Desvairado caminhando sem perceber o sinal

O alerta já piscando, por um fio se esgueirando
Insistindo em calar, engolindo as palavras
Simplesmente disfarçando as dores
Se deixando levar sem distinguir o bem do mal

E agora não há mais espaço
Para mais um ato um segundo tempo
E nem se sabe se é drama ou comédia
O que acontece no palco e nos bastidores
segue apenas esperando a cena final

*****

BLACK-OUT

de Vinícius Faustini

Pós-escrito poético dedicado à Conceição Oliveira.

A rubrica diz black-out
Seguindo o script que você criou à minha revelia
Cercado de amargura e de ironia
Revivendo tristeza na cena do nosso dia

Me finjo de palhaça
Tento uma forma de sorrir
Meu epílogo quer graça
Mas só vê a porta se entreabrir

Ela se abre sem nenhum espectador
Parece que só assisto à saída do meu amor
E à entrada da temida rima que traz tanta dor
Arrisco um fervor, mas só te encontro em meio ao rancor

Um relacionamento que tentava brilhar
Tornou-se desafeto, a doer num desamparar
A ânsia de um sexo, doido por se saciar
Dilui em descaso, sem sonho para caminhar

A última luz apagou
Saio de cena, e mais uma vez você não me amou
Último dia de temporada
Black-out, e me escondi atrás do palco, solitariamente assustada