Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Fluminense, épico em 38 atos - A NELSON RODRIGUES



No dia 21 de dezembro de 1980, Nelson Rodrigues fechou seus olhos pela última vez. Olhos que enxergaram o amor pelo buraco da fechadura para que, através deles, todos nós pudéssemos ver a vida como ela é. Com todos os achaques da hipocrisia, das perversões e de um amor desmedido, capaz de todos . Porque aquele que nunca sonhou morrer com o ser amado, é porque nunca amou.

Os amores e as paixões renderam 17 peças, milhares de contos de A vida como ela é... e também chegaram ao universo do futebol. Nelson Rodrigues diagnosticou o "complexo de vira-latas" que o Brasil tinha desde a derrota da Seleção Brasileira para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950, mas oito anos depois contemplou a vitória do escrete na Suécia com o grito "Abaixo à humildade!". E também transformou clubes, jogadores, seleções em personagens de grandes e homéricas batalhas.

As mais apaixonantes, certamente, foram envolvendo seu Fluminense. O único tricolor (pois os outros são times de três cores) que nasceu com a vocação da eternidade, e vence até mesmo a desconfiança dos idiotas da objetividade.

Nos 30 anos sem Nelson Rodrigues, este salafrário que vos escreve deixa de lado sua paixão clubística para reproduzir aqui uma homenagem ao campeão brasileiro de 2010, o Fluminense, em texto feito em homenagem ao molde rodrigueano de escrever.

Com esta postagem, o Diário de um salafrário encerra suas atividades no ano. E deseja a todos os leitores um Feliz Natal e um Ano Novo com muitas obras a serem escritas.

Abraços a todos,

Vinícius Faustini


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FLUMINENSE, ÉPICO EM 38 ATOS


O coração tricolor se multiplicou por exatos 40.905 presentes no Engenhão. Corações Valentes, que saltaram pela boca aos 17 minutos do segundo tempo. No momento em que Emerson fez sua soberania de Sheik e sua qualidade de atacante superarem o arqueiro do Guarani. Goleiro também de nome Emerson, mas agora mero coadjuvante de um gol que mais tarde seria louvado como decisivo.

O clube tantas vezes campeão chegou a mais uma conquista. Para muitos, sua segunda. Mas para a torcida do Fluminense, tão empenhada em registrar sua história, a terceira conquista nacional - além dos títulos de 1984 e de 2010, o clube pleiteia o reconhecimento do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, de 1970, como título brasileiro (pois era no mesmo formato do Campeonato Brasileiro disputado a partir de 1971).

O Fluminense fascinou pela sua disciplina. Disciplina imposta pelo técnico Muricy Ramalho, que deu a um elenco cheio de estrelas o ímpeto digno de uma equipe vencedora. O Fluminense que dominou, em todos os setores do campo, com um futebol seguro defensivamente, veloz em seus contra-ataques e ferino quando estava cara a cara com os goleiros adversários. Um Fluminense que teve amor ao tricolor, amor simbolizado por Darío Conca, o grande líder que não se deixou abater e esteve presente nas 38 rodadas do Campeonato Brasileiro.

Salve o querido pavilhão! Ricardo Berna, Mariano, Gum, Leandro Eusébio e Carlinhos; Diguinho, Valencia, Júlio César (Washington) e Conca; Emerson (Rodriguinho) e Fred (Fernando Bob). Pavilhão formado por outros tantos jogadores que vestiram sua camisa durante a competição - desde pratas-da-casa, como Fernando Henrique e Tartá, passando por medalhões como Belletti e Deco. A camisa com três cores que traduzem tradição. Que, mesmo com um elenco tão numeroso e cercado de talentos, encontrou a paz. Dela, surgiu a esperança, consolidada a cada vitória. A cada três pontos, que deixavam a equipe mais unida e forte.

Pelo esporte, várias pessoas tiraram e tirarão de seus armários a camisa tricolor. Ela, que tem o verde da esperança, numa espera que foi alcançada após um hiato de 26 anos entre a final contra o Vasco em 1984 e o jogo decisivo de 2010 contra o Guarani. Ela, que traz cor encarnada, com o sangue dado pelos jogadores que as arquibancadas definiram como "time de guerreiros". E que, depois do apito final de Carlos Eugênio Simon, passou a comemorar em harmonia, na harmonia de tom branco que define sua camisa como tricolor, a paz de chegar a um título justíssimo.

O sol do amanhã, como a luz de um refletor, brilhará com as três cores e os sorrisos de vários tricolores que começaram a comemorar no início da noite de domingo. Todos vibrando com a emoção de quem voltou a gritar "é campeão".

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Diário de um salafrário volta a ser atualizado em 12 de janeiro de 2011.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Desejo

Segurou os cabelos com as duas mãos, para colocar à mostra sua nuca. Sentiu um arrepio quando os lábios dele molharam seu pescoço, e com a ponta dos dedos tirou o sutiã para que as mãos dele acariciassem seus seios pequenos. Quando a respiração dele se apoiou em seu ombro, teve gana de roubar-lhe um beijo. Mas foi malvada, sedutora, e desviou o rosto quando ele ia corresponder.

Deitou-se, repousando o pé sobre o peito dele. Sorriu de maneira sensual, mas à medida que passava a ponta dos dedos por suas pernas e suas coxas, foi dominada por um sorriso vulgar. Estava pronta para se deixar dominar por ele. Com a ponta dos dedos, desenrolou o laço da calcinha e sussurrou um "vem".

Ignorou as mordidas que tiravam sangue de seus mamilos. Ignorou a força da mão dele apertando suas costas. Ignorou o nojo com o qual estava da língua dele passando por sua boca, por seu corpo e por seu sexo. Teve um suspiro de alívio quando ele caiu ofegante ao seu lado na cama. Mais uma vez conseguiu desviar o rosto de uma tentativa de beijo que vinha daquele hálito de cigarro barato.

Sentou-se na cama. Teve de conter sua raiva quando aquela mão áspera acariciou sua bunda. Com a voz de quem segurava o choro, perguntou, sem fitar os olhos dele: "agora está tudo certo?".

Ele, ainda ofegante, soltou um "sim". Ela levantou-se. Escondeu sua nudez numa toalha. De costas para o homem, disse que ia tomar um banho. Com os olhos marejados, pediu um "quero ficar sozinha". Entrou no box. Derramou gotas de alegria pelo fim de tanta mágoa. Ficara para trás a dívida. Por um momento, sentiu-se leve, alheia até mesmo ao próprio corpo. Só voltaria a precisar da sua beleza na próxima vez que o desejo pela cocaína fosse maior do que qualquer culpa.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Pormenores

Porta entreaberta. Ele deu passos lentos, movidos pelo desejo de fazer o mínimo de silêncio e pela ansiedade de que tudo não passasse de um susto. Num primeiro momento, não deu por falta de nenhum objeto de valor. Aos poucos, foi se tranquilizando do pânico de que ainda tivesse alguma pessoa dentro do apartamento.

Relaxou. Desfez-se das roupas cotidianas. Foi até a cozinha e abriu a porta da geladeira. As mãos ficaram trêmulas diante do que viu. Um pedaço de seu doce favorito. Do doce que ela fazia com tanto carinho. Não teve forças para fechar a porta.

Foi em direção ao banheiro. De olhos fechados, permitiu que a ducha tomasse conta de sua pele, e esboçou um sorriso. Que se esvaiu no momento em que seus olhos se abriram e viram calcinhas e sutiãs pendurados. Roupas íntimas que tanto fizeram parte do cotidiano do casal e que ele queria que fossem embora de sua memória.

Enxugou-se afoitamente. Quis refugiar-se em seu quarto. Ofegava debaixo dos lençóis. Apoiou a cabeça no travesseiro mas despertou logo na hora em que seus olhos entreabertos viram a camisola branca, o sutiã vermelho e a calcinha fio-dental de cor avermelhada tão associada à sensualidade dela.

Olhou para a cabeceira. Os dois sorrindo, foto tirada durante uma viagem na qual ficaram cada vez mais unidos. Levantou-se. Viu ao lado do aparelho de som, o primeiro disco que recebeu de presente - e que tantas vezes ouviram para dançar de rosto colado. Correu os olhos pelo quarto. A roupa dela deitada sobre a poltrona. A bolsa sobre a cômoda. Ela, ela, ela, ela.

Procurou recordar seus passos. O carro. O lugar ermo, no meio do nada. O silêncio, quebrado por dois estampidos. O grito. Ela, atônita, caindo desacordada no chão. Eram os fatos, eram os fatos. Nada havia sido imaginação.

Sim, havia se livrado da presença dela. Mas agora percebera que ainda estaria por muito tempo apegado aos pormenores da história vivida a dois. A profecia se concretizara. Por mais que ele se separasse dela, ainda não conseguiria se desatar de uma história tão intensa.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Microconto do salafrário

Há algum tempo, no Twitter surgiu a ideia de MICROCONTOS. O desafio para o escritor era contar uma história em apenas 140 caracteres. Este salafrário que vos escreve decidiu se desafiar. Segue o resultado!

Abraços a todos,

Vinícius Faustini


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Emudeceu. O ar de satisfação dele desmentia o "não é nada do que você tá pensando". Dois tiros. Ele agonizava. O coração dela também.