Texto inédito, baseado em ideia que comecei a esboçar em 2004. Por gentileza, desejo que todos comentem com opiniões sinceras.
Primeiro texto de 2009. Um Ano Novo maravilhoso a todos e obrigado desde já,
Vinícius Faustini
*****
Personagens
ATENDENTE 1
CLIENTE
ATENDENTE 2
Sobe a luz. O cliente está no meio do palco e as atendentes nos dois cantos, todos de frente para a platéia. Ele faz movimentos imaginários de quem mexe nas teclas do telefone. Atendente 1 ajeita o imaginário microfone e atende. A Atendente 2 simula que está digitando no computador.
ATENDENTE 1 – Banco Paes de Albuquerque, Maria Lúcia, boa noite...
CLIENTE – Er... Bem, boa noite. Eu estou ligando para solicitar o cancelamento de uma compra que veio no meu...
ATENDENTE 1 (interrompendo) – Nome do usuário, nome escrito no cartão, identidade, CPF e...
À medida que ela vai falando, ele, atabalhoado, fica procurando os documentos para organizar. A uma certa altura, tudo cai no chão. Ele protesta.
CLIENTE – Ei, calma! Uma de cada vez!
A Atendente bufa de raiva e repete numa calma irônica.
ATENDENTE 1 – Seu... nome... Senhor.
CLIENTE – Isso... Mais calma. Rodrigo de Oliveira Castro.
ATENDENTE 1 (como se estivesse teclando) – Nome que aparece no cartão...
CLIENTE – Rodrigo Castro.
ATENDENTE 1 – CPF...
CLIENTE – Nove, sete, dois, dois, dois, cinco, dígito dez.
ATENDENTE 1 – Identidade...
CLIENTE – Aí, que saco, hein? Quanta burocracia!
ATENDENTE 1 (nervosa) – Senhor Rodrigo, este é o procedimento indicado pela empresa com os clientes do Banco Paes de Albuquerque...
CLIENTE – Mas eu só quero cancelar uma compra, não estou me alistando no Exército...
ATENDENTE 1 – Sim, mas o senhor deveria estar compreendendo que o banco deve tomar toda e qualquer medida de segurança.
CLIENTE – Eu só quero cancelar uma compra!
ATENDENTE 1 (cedendo) – Está bem, senhor... O senhor poderia estar ditando o número de sua conta com o dígito?
CLIENTE – Setecentos, dois, quatro, três, cinco, dígito quatro.
ATENDENTE 1 – Opção de cancelamento de compra, correto?
CLIENTE – Correto...
ATENDENTE 1 – Eu vou estar efetuando a solicitação e dentro de alguns instantes eu vou estar recebendo a resposta da empresa, senhor.
CLIENTE – Está bem.
Ele fica parado. A atendente beberica um copo de café, olha de um lado para o outro, se espreguiça, passa a lixa nas cinco unhas da mão direita, suspira e volta ao telefone. Tudo rapidamente.
ATENDENTE 1 – Senhor?
CLIENTE – Sim?
ATENDENTE 1 – De acordo com a empresa, o cancelamento de conta não pode ser efetuado devido a instituições do imposto, senhor...
CLIENTE (menos calmo) – Como não pode?
ATENDENTE 1 – O imposto predial...
CLIENTE (interrompendo) – Meu bem, só estou solicitando o cancelamento de uma compra!
ATENDENTE 1 - Eu vou estar lhe pedindo que o senhor não seja tão informal comigo. Eu não estive lhe dando tamanha liberdade, senhor.
CLIENTE - Ah, certo. (para si mesmo) Eu não vou perder a calma, eu não vou perder a calma. (coloca a boca próxima ao telefone) Senhora. Eu quero dizer que quero cancelar uma compra.
ATENDENTE 1 - Correto, o senhor aguarde na linha...
Ele fica parado. A atendente beberica um copo de café, olha de um lado para o outro, se espreguiça, passa a lixa nas cinco unhas da mão esquerda, suspira e volta ao telefone. Tudo rapidamente.
ATENDENTE 1 - Obrigado por aguardar, senhor...
CLIENTE - É, não tive escolha, né?
ATENDENTE 1 (sarcástica) - Exatamente, senhor...
CLIENTE - Dá pra, enfim, falar direito o que tenho que fazer?
ATENDENTE 1 – Se o senhor me deixar falar eu estarei lhe passando a situação do resultado de seu pedido...
CLIENTE (berrando) – Eu não quero saber! Só quero o cancelamento desta porra desta compra que eu tenho que pagar todo mês! É difícil de entender?
ATENDENTE 1 (irritada, mas cordial) – Senhor, eu vou estar lhe enviando um guia de boa conduta para conversar com o seu banco...
CLIENTE – Peraí, minha filha, você tá me chamando de mal educado?
ATENDENTE 1 – Eu vou estar sugerindo que o senhor interprete como quiser...
CLIENTE (explode) – Então eu... Eu vou estar pedindo que a senhora vá pra puta que o pariu! Que eu não agüento mais esta ligação!
ATENDENTE 1 – O Banco Paes de Albuquerque agradece e lhe deseja uma boa noite...
Ele desliga, irritado. A Atendente 1 esbraveja e esbanja mau humor. Ela permanece quieta em todo o resto do esquete. O Cliente respira fundo, conta nos dedos até três, e tenta fazer uma nova chamada. Toca o telefone e, desta vez, ele fala com a Atendente 2.
ATENDENTE 2 – Banco Paes de Albuquerque, Fábia, boa noite...
CLIENTE – Boa noite, eu gostaria de estar solicitando (interrompe bruscamente. Fala para si) Será que é contagioso?
ATENDENTE 2 – Como? O senhor poderia repetir, por favor?
CLIENTE – É, eu quero solicitar o cancelamento de uma compra.
ATENDENTE 2 – Seu nome?
CLIENTE – Rodrigo Castro.
ATENDENTE 2 – Senhor Rodrigo, por favor, o número da sua conta.
CLIENTE – Setecentos, dois, três, quatro, cinco, dígito quatro.
ATENDENTE 2 – Cancelamento de compra?
CLIENTE – Sim... Fatura em 5 de fevereiro na loja das Casas Bahia.
ATENDENTE 2 – Um momento... (tempo) Já está efetuado o cancelamento neste instante, senhor.
CLIENTE (atônito) - Hã? Como? A senhora pode estar repetindo? (se corrige) Eu falo que isso é contagioso... (volta a falar pelo telefone) Poderia repetir, por favor?
ATENDENTE 2 - Pois não, senhor. Já está efetuado o cancelamento...
Ele sorri abertamente.
ATENDENTE 2 - Senhor?
CLIENTE (voltando a si) Ah, sim...
ATENDENTE 2 - Mais alguma coisa?
CLIENTE – Olha... na verdade, não tenho mais nada...
ATENDENTE 2 – O Banco Paes de...
CLIENTE – Ei, espera... Puxa, já quer me desligar?
ATENDENTE 2 – Desculpe... Pois não?
CLIENTE (a voz dele fica melosa) - Você foi tão boazinha comigo...
ATENDENTE 2 - Este é somente o meu trabalho, senhor.
CLIENTE - Não é não... Você não é como as outras...
ATENDENTE 2 (tentando desconversar) - Senhor, eu terei de estar passando sua ligação para outro ramal...
CLIENTE - Não! Não! Passa não... Fica aqui, vai...
ATENDENTE 2 (interessada, se fazendo de difícil) - O senhor vai ter de estar listando alguns argumentos para que esta alegação se torne mais sustentável, senhor.
CLIENTE – Você tem uma voz linda...
ATENDENTE 2 (sorri, sem graça com o elogio) – Obrigada por dizer, senhor...
CLIENTE – Sabe que você deve ficar uma gracinha aí atendendo telefone...
A Atendente dá um suspiro longo. Depois se recompõe e disfarça olhando para os lados. Por fim, disfarça ao telefone.
ATENDENTE 2 – O banco agradece...
CLIENTE - Sabe como é... Você tá aí, sozinha... Eu aqui também solitário, precisando de carinho...
ATENDENTE 2 - Eu estou compreendendo, senhor.
CLIENTE - E se você tem uma voz assim dengosinha, imagina se tiver de perto...
ATENDENTE 2 (um pouco mais melosa) - Exatamente, senhor. Prossiga...
CLIENTE – Eu acabei de descobrir que tenho uma quedinha por operadoras de telemarketing.
ATENDENTE 2 (ironizando) – Seus procedimentos são comuns em qualquer situação parecida...
CLIENTE – Não, não. Ah, não fala assim, você é especial...
ATENDENTE 2 (com ar de assanhada) – Deseja mais... (pausa proposital) Alguma coisa?
CLIENTE (sedutor) – Com você? Tudo...
ATENDENTE 2 (sorri, e fala pausadamente, bem dengosa) – O procedimento deve ser realizado passo a passo...
CLIENTE – Claro, claro... Eu estava brincando. Que tal a gente sair?
ATENDENTE 2 – A negociação deve ser realizada em lugar adequado.
CLIENTE – Ah, entendo, não pode falar direito aí...
ATENDENTE 2 – Exatamente, senhor.
CLIENTE – Tadinha, deve estar cheia de vontade...
ATENDENTE 2 – Exatamente, senhor. Em qual momento o senhor pode estar retornando uma ligação?
CLIENTE – Quer que eu te ligue?
ATENDENTE 2 – Exatamente, senhor... O senhor poderia pegar papel e caneta? Eu vou estar lhe ditando um número de protocolo.
CLIENTE – Claro. (pega papel e caneta) Diga.
ATENDENTE 2 – Nove, oito, cinco, nove, meia, cinco, oito, um.
CLIENTE – Certo... Seu nome?
ATENDENTE 2 – Fábia, senhor...
CLIENTE – Fábia, a que horas posso te ligar...
ATENDENTE 2 – O horário de atendimento é das 8 da manhã às 8 da noite, senhor.
CLIENTE – Te ligo amanhã às oito e meia. Pode ser?
ATENDENTE 2 – O banco agradece.
CLIENTE - Isso é sim ou não?
ATENDENTE - Primeira opção, senhor.
CLIENTE – Vou sonhar com a sua voz...
ATENDENTE 2 – O banco agradece.
CLIENTE – Beijinhos.
ATENDENTE 2 – O Banco Paes de Albuquerque agradece e lhe deseja uma boa noite.
Ambos desligam o telefone simultaneamente, ele com ar assanhado e ela romântica. Sobe Domingo feliz, com Angelo Máximo, na altura do verso "rá, rá, rá, hoje é meu dia, eu vou ter, ter, ter, o seu amor...".
PANO
©Copyright. Vinícius Faustini, 2009. Todos os direitos reservados.
Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.
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6 comentários:
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Caramba, professor.
Arrasou aí ! Muito engraçado.
O cara se irrita com uma e se apaixona pela outra?
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Demais, demais
Um abraço do seu afilhado
James Lima
www.robertocarlos.vai.la
Ótimo! rs
Passa em: www.dribas2@blogspot.com
Novo ano, nova vida, novo blog. Abraços, DRR
É
www.dribas2.blogspot.com
Não sei porque botei o @...
Vina, gostei bastante, você é muito talentoso e engraçado também!
Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com
Um forte abraço!
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