a Vinícius de Moraes
Ele entrava no elevador quando ela suspirou um último "eu te amo". Em resposta, veio a batida da porta. Para ele aquele momento não era nem era digno de palavras. Amparada na parede, ela se deixou deslizar até cair sentada em prantos. Há algum tempo chorava a cada ausência de afeto dele. Agora seu choro começava a se certificar de que ele não ia mais voltar.
Era a despedida. E ela o amava. Desesperadamente. Sabia que seu coração estava destinado a amá-lo por toda sua vida. Criou forças para ao menos se levantar e entrar em casa. Tinha sido muita sorte os vizinhos não testemunharem a dor de uma separação, não era bom espalhar vestígios de sua tristeza ao alcance dos outros. Aquela amargura não era para ser compartilhada.
Caminhou a passos lentos até o quarto. Olhou os lençóis de um dia que já amanhecera sem ele. Ele tinha dormido na sala, num prelúdio para que eles se acostumassem com a solidão ao acordar. Última concessão de afeto, de preservação dele. Mas a pena partia o coração dela com as unhas.
Tirou os olhos da cama e enfim notou que o sol estava começando a ficar mais alto. Já deviam ser nove horas. O relógio andava e o coração dela prosseguia a andar, a correr na direção dos braços dele. Braços agora cruzados, definitivamente indiferentes. Olhou-se no espelho, constatando que o riso afinal se desfizera em um completo pranto.
E ela sabia que ia amá-lo por toda sua vida. E sabia que a ausência dele a faria chorar a cada dia. E sabia que não teria volta para apagar o que essa ausência dele a causava.
Na desventura, no desvario, pegou o estojo de maquiagem. Dentre os batons, escolheu o de tom vermelho mais forte. Vermelho do seu amor. Vermelho da paixão que a aprisionava, uma prisão que ela aceitava passivamente, com toda a grandiloquência de seu sentimento.
Foi até o banheiro. Apoiou-se na pia e começou a transformar em versos todas as juras de amor para ele. Sua mão trêmula preenchia em cada verso a certeza de seu desespero amoroso. E eram tantos versos, tanta coisa ainda por dizer que nem o espelho do banheiro foi suficiente.
Primeiro foi o espelho da cômoda. Depois veio o do armário. Em seguida, retirou as garrafas do bar para ocupar cada um dos espelhos com seus dizeres. Estava ofegante quando a última linha ocupou o espelho do quarto de empregada.
Sofria, sofria muito. Um sofrimento eterno. E aquela eterna desventura de viver à espera dele seria relembrada toda vez que se olhasse no espelho. Porque seu amor decretara desde o primeiro instante: ela era o espelho dele, por toda sua vida. Mesmo na certeza de que naquela espera não encontraria a menor poesia.
*****
Texto publicado originalmente na página eletrônica Segunda a Sexta.
Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.
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6 comentários:
é a continuação de "Ausência"?
ai ai...
mulheres, espelhos e batom...
um amor perdido e mil poesias na cabeça...
perfeito como sempre...
Bjoz, Paz e Força Sempre...
Prezado Senhor Vinícius Faustini
Da próxima vez que vossa excelência me emocionar demais com um texto, eu vou tomar medidas mais sérias.
Seu fã
James Lima
Meu amigo que coisa mais linda!!!
Você é THE BEST!!!!!!!!!
AMEI!!!
Beijos azuisss
eheheheheh
O James Lima disse tudo, pá!
O que significa que além dele vais ter que contar comigo.
eheheheh
Abraços salafrários!
Ai Vinicius,assim não dá.
Olha, eu entrei nessa casa e presenciei toda dor dessa mulher abandonada e apaixonada.
Até tive vontade de abraçá-la.
Você é assim nos transporta para dentro do que escreve.
É um salafrário mesmo....E que escreve muito bem.
Beijos,
Carmen Augusta
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