Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Rajada de monstros

Acordou num êxtase cercado de um doce cansaço. Logo ao sentar-se na cama, percebeu que o suor, que ele achava que era dela, era mero desejo de frustrado apaixonado. Dos sussurros de amores que passeavam pelos seus ouvidos, restara apenas o barulho do ventilador, a evitar o silêncio em seu quarto.

Foi ao banheiro, ansioso para que um banho gelado apagasse a chama do amor que vinha só dela. Debaixo do chuveiro, viu-se tentado a senti-la num deslizar de sua mão. Logo abriu os olhos e se viu na escuridão da madrugada, sem qualquer vestígio de um abraço ou de um afago ainda mais íntimo.

Enxugou-se na frente do espelho. Graças à luz do corredor do prédio, a basculante iluminava sua imagem. Enxergou a piedade em seus olhos, sedentos pelo sorriso pleno que o fazia sorrir a cada instante do lado dela. Sua boca secava na ausência dos lábios dela, era um deserto, uma quentura que lhe dava mal-estar. Na febre que o fazia delirar, gemia ansioso por aquele nome.

Seus olhos deslizaram pelo resto do corpo. Por um momento, era somente desejo. Um desejo cercado de lamúria e de uma carência que não se restringia a mero prazer erótico e solitário. Sentia o corpo se molhar, mas não era somente do banho que ainda não secava. A sensação era de que as gotas que tentavam gelar seu coração surgiam como gasolina para aflorar todo o seu sentimento.

Pulsava. O coração pulsava, o corpo pulsava. Foi em direção ao computador. Começava a ofegar, pedia "vem, vem...". Em seus dedos escorriam um coração, em palavras tentando dizer tudo. E era tanta coisa guardada... Tantas palavras caladas diante da hora em que ela se despediu em silêncio, não se preocupando nem em bater a porta.

E agora ele respondia a cada palavra fria com um jorro amargurado, no fervor de um amor mal correspondido. Das palavras que aqueciam suas noites insones, vinham agora as descrições das madrugadas dolorosas, cada vez mais dolorosas, cada vez mais solitárias.

E gostava do que sentia naquele momento. Daquele rancor repentino que tomava conta de seu peito. Aquele fogo que caía enraivecido sobre a mulher que amava. Agonizava os últimos momentos de desejo. Sem culpa, sem pudor, dizia tantos nomes para ela. E o gosto era de um prazer, um prazer em torturar o sofrimento por ela a cada palavra mais depravada.

Deixou-se entregar a um último lapso ofegante. Experimentou sorrir, um riso cínico, um riso de assassino. E deixou o rosto cair sobre o teclado. Já não se importava com aquele suor que tomava conta de seu corpo. Sabia que era uma forma de se libertar de todo o calor que ela causava nas noites em que não adormecia.

Imprimiu o texto. Iria ler ao acordar. Não, não iria entregar para que ela lesse. Aquele passo era desnecessário. Finalmente, aprendera a soltar sua rajada de monstros diante de um amor que o deixava de mãos atadas.

5 comentários:

Carmen Augusta disse...

Oi Vinicius!

Bonito conto!Gostei!
Deve ser difícil viver um amor assim, não correspondido.Ainda bem que ele achou a forma de soltar a rajada de monstros que o atormentava.
Mas mais vez ficamos sem saber o que aconteceu depois...

Parabéns amigo!

Beijos,
Carmen Augusta

CON disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
CON disse...

Uauuuuuuuuuuu!!! Como sempre meu amigo você surpreende e se supera!
Amei o texto...Muito passional!
Seus personagens me encantam sabia?
E me ensinam..Agora já sei como soltar minhas rajadas de montros!rsrsrsrs

Parabéns , você está cada vez melhor!

Beijos azuissss

Anônimo disse...

Como disse a Carmen, mais uma vez ficamos sem saber o que aconteceu depois.

Seus contos nos fascinam, porque sempre deixam uma pergunta no ar. Meus parabéns, bicho !

Escreve o que eu vou te dizer: Você ainda vai ser o maior escritor do Brasil !

James Lima

Everaldo Farias disse...

Eu me junto aos amigos para fazer a mesma indagação: o que acontece depois? Mas, isso é muito interessante porque faz parte dos teus textos tão inteligentes e que nos prendem tanto que queremos continuar, não parando na última palavra!

Parabéns!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Um forte abraço a todos!