"Você sente minha falta?".
Queria dizer ao alcance dos olhos dele. Mas seus olhos só alcançavam o próprio reflexo do espelho. Aquilo já se transformara num ritual, em mais um passo no qual se esmerava para ter alguma coragem de procurá-lo, de revê-lo, de fazer um acaso acontecer na vida dos dois. Apesar de ainda ter o número de telefone dele, não cogitava ligar para ele. Seu orgulho de mulher agora era ralo, mas ainda encontrava alguns traços de dignidade, mesmo através da certeza de que não tinha nenhuma desculpa para ouvir a voz dele.
Olhou o calendário, no qual tinha marcado com um X cada dia que se passara depois da despedida. Percebeu que já fazia um mês que não saía de casa. Sentira-se solitária no momento em que ele lhe deu um beijo no rosto pela última vez. Não achava motivos para compartilhar seu desalento com rostos conhecidos e desconhecidos que encontraria no caminho das ruas.
Todas as noites tomava banhos e se perfumava com minúcia, com afeto de seu próprio corpo, pois sabia que era o maior presente que poderia dar a ele. E revirava-se na cama, dialogando seus sussurros com os murmúrios que ela ainda recordava que ele costumava dizer ao pé de seu ouvido. E aquilo tudo era tão bom, tão belo, tão intenso, que aos poucos ela foi abandonando a ideia de se banhar.
Era tão doce o odor que permanecia dos seus momentos de amor, era tamanho o prazer a entorpecer seu olfato, a acariciar sua pele, que misturá-lo à água, ao sabonete, aos perfumes, soava como uma coisa profana. Assim como era profana a ideia de ver outros rostos.
Mas ao olhar o calendário, ao fazer um X pela trigésima vez num número da folhinha, foi traída. Traída por um sentimento de dúvida que se abateu de maneira lancinante em seu peito. Pela primeira vez, quis saber definitivamente a resposta àquela pergunta que ela dizia somente aos seus olhos. E aquela vontade não permitiria nenhum anoitecer.
O relógio marcava dez e meia. Ela sabia que o horário de almoço dele era uma da tarde. Abriu o armário, retirou os vestidos e escolheu um sensual levemente fechado. Separou calcinha e sutiã mais sensuais, e riu, alegre da própria esperança.
Esquentou a água. Mergulhou na banheira e deixou-se levar pelo frescor da pele que não sentia nenhum molhar há dias. Perfumou-se da cabeça aos pés. Maquiou-se levemente, só para esconder as olheiras de um mês de ausência. Vestiu-se. Renovada. Outra mulher agora movida pela intensa esperança de um "sim" dos lábios que sentira saudade por um mês.
Desceu o elevador, saiu do prédio. Após um primeiro susto com os brilhos e as situações da rua, coisas com as quais perdera o costume de conviver, pegou um táxi. Deu o endereço ao motorista, e passou o trajeto inteiro evitando roer as unhas com a espera.
Chegou ao prédio do serviço dele. Esperou no térreo. Respirou fundo quando o viu saindo sozinho do elevador. Parou em frente a ele. Disse um "oi" que ele respondeu com um balançar afirmativo na cabeça. E, finalmente, fez a pergunta da qual não tivera resposta durante um mês:
"Você sente minha falta?".
Ele ficou estático por alguns segundos. Os olhos de esperança dela foram se esvaindo nos instantes de hesitação que ele teve. Ele desviou o olhar, esboçou dizer alguma coisa. Voltaram a cruzar os olhos e, após respirar fundo, ele disse:
"Eu preciso ir".
Com os ombros curvados, ela ainda o viu sair em direção à rua, levando embora uma pergunta que não foi digna nem de uma resposta. Se ela não cogitara uma resposta negativa, jamais imaginaria que seu amor era tão descartável ao ponto de merecer uma desconversa.
Olhou ao seu redor. Sentiu a maquiagem se esvair com o suor. Teve medo de que aparecessem suas olheiras ao alcance de todos. Apertou o passo. Pegou um táxi e só pensava na hora de voltar para casa.
Entrou no prédio, subiu no elevador, passou a chave e trancou-se no apartamento. Deixava a angústia e a frustração do lado de fora. Agora podia suspirar aliviada, pois sabia que ao menos entre aquelas quatro paredes, continuaria a ter a presença dele.
Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.
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3 comentários:
Rapaz, você escreveu super bem, como você sempre o faz, conseguiu me deixar emocionado, como sempre o faz.
Mas preciso dizer que NÃO GOSTEI. Definitivamente. Como é que você dá um final desses pra moça? Ela merecia um final melhor, você tá virando muito mal!
kkkkkkkkk
Arrebentou cara!
Como sempre você emocionando!
Parabéns!
Ai meu Deus...Me deu um frio na barriga, rs
Que triste!!!
Mas infelizmente é a realidade, quem dera os amores fossem sempre correspondidos...Quem dera o sonho nunca se transformasse em pesadelo!
Mas é melhor sofrer por amor, do que nunca ter tido o prazer de amar né?
Mais uma vez você arrasa, nos faz viver cada minuto do personagem!
Demais!
Adorei!!!
Beijos azuisss
Olá Vinicius!
Puxa vida, depois daquela esnobada,pensei que ela ia se matar...
Não se jogou debaixo de um carro,mas ali trancada vai morer do mesmo jeito, mas aos poucos.
Que amor sofrido!
Parabéns amigo,arrasou de novo.
Beijos,
Carmen Augusta
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