Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Modelo, atriz e puta

"Certo. Agora levanta e tira a roupa".

A naturalidade com a qual ele ordenou foi mais espantosa para mim do que o pedido em si. Tanto tempo tentando uma chance como atriz e no momento em que consigo um teste, eu me vi receosa logo na primeira oportunidade. Olhei fundo para os olhos dele. Seu olhar continuava paciente, mesmo com a minha hesitação. Num gesto instintivo, comecei a me abraçar, encolhida na vergonha de uma insegurança.

Eu recordava todas as horas de estudos sobre métodos teatrais, sobre interpretação, o tanto de cursos, oficinas e até uma faculdade. Fiquei de cabeça baixa, com a boca fechada e o medo de demonstrar minha vontade de chorar. Percebi uma lágrima caída no meu rosto e fingi um espirro. Por fim, levantei o rosto. Olhei para os lados e, mesmo temendo que ele me negasse, fiz um pedido:

"Você... Você pode fechar a cortina da janela?".

Apesar do "claro" que ele respondeu, notei que ele estava impaciente. O sorriso com o qual ele tinha me atendido da vez que eu me inscrevi pro teste já começava a se fechar. Ele foi até a janela, fechou as cortinas e, calmamente, voltou até sua cadeira.

"Pronta?", sua pergunta deixou explícita a ansiedade dele.

Eu queria dizer que não estava, que jamais estaria, que tudo o que eu tinha sonhado em ser atriz era equívoco, deslumbre de garota que vê televisão demais. Mas o meu "sim" veio quase mecânico. Agora eu não podia mais voltar atrás.

Levantei minha blusa e desabotoei minha saia. Fiquei alguns segundos com as mãos escondendo a calcinha e o sutiã. Vi que ia chorar, mas consegui um artifício para parecer forte e obediente ao que ele pedia. Virei de costas para ele, transformando o enxugar da lágrima numa tentativa de ajeitar os meus cabelos. Voltei a olhá-lo. Ele estava sem a menor expressão no rosto. Não dizia nada. Olhei para os lados e quebrei o silêncio:

"É... Tá bom, né?".

Ele balançou a cabeça negativamente. Voltei a me encolher, também por causa do frio do ar condicionado. Ele disse:

"Eu sei que você consegue".

Ah, se eu soubesse que aquela frase tinha outra intenção além de me apoiar a "fazer tudo o que uma atriz precisa", talvez eu corresse daquele lugar somente com a roupa que eu estava no corpo. A frase dele me deu um impulso. Desabotoei o sutiã e, de costas, tirei minha calcinha.

Eu me olhei, olhei para ele e experimentei até um sorriso, tinha a sensação de que estava ultrapassando mais um limite como atriz. Ele se levantou, ficou diante de mim e disse, aos meus olhos:

"Eu sabia que você faria tudo pelo seu sonho. Você vai longe, muito longe, menina...".

Em seguida, ele envolveu seus braços no meu corpo. Eu me vi desprotegida, com minha nudez exposta a alguém com quem eu não tinha a menor intimidade. Mas me deixei levar por suas palavras de incentivo e por uma promessa de uma aprovação no teste quando aceitei passivamente que sua boca se aproximasse da minha.

Seu hálito num primeiro momento me passou repugnância, mas era uma repugnância que eu deveria sentir até o fim. Seus dentes mordiscando meu pescoço pareciam cacos de vidro, e ficavam ainda mais doloridos enquanto o bigode roçava em mim quando ele me beijava.

Seu suor adentrava no meu corpo, sua boca experimentava com voracidade os meus seios e tudo o que eu achava que um dia seria mostrado só se envolvesse desejo. Ele ficava cada vez mais ofegante, e ordenou que eu sentasse em seu colo.

Aquela dor de não me entregar a quem eu queria aos poucos foi amenizada pela certeza dos meus passos. Eu estava seguindo à risca tudo o que ele havia me pedido. Eu ia chegar aonde eu quisesse, só era o início de uma trajetória de muito talento. Já não incomodavam mais aqueles beijos agressivos, as mãos que me apertavam a ponto de doer. Eu gemia de êxtase por uma nova vida, e pulava pedindo mais, mais...

Até meu delírio se explodir em meio a um grito de prazer, do prazer que era a sensação de estar perto do meu sonho. Quase desfalecida, me olhei nua no sofá, com a certeza de um dever cumprido para meu direito de ser uma atriz.

Ainda ofegante, ele se levantou. Vestiu suas roupas, foi até a mesa e pediu algo para a secretária. Depois mandou que eu me vestisse, pois já tinha um outro compromisso. Ele colocou seus lábios em direção à minha boca, mas desviei meu rosto do seu beijo.

Eu me lembro de cada instante deste dia, como se fosse hoje. E relembro toda vez que estou aqui, sentada do lado deste telefone, esperando a ligação que ele me prometeu. Esperando qualquer ponta que seja na televisão. E a cada noite que vou para a minha cama, durmo com medo de que meu sonho de atriz tenha virado o pesadelo de eu me tornar mais uma pessoa a ser rotulada como "modelo, atriz e puta".

6 comentários:

CON disse...

Amigo...Mais uma vez você me surpreende.
Texto forte...Emoções fortes...Cheguei a sentir a repugnância junto com ela, rsrsrs
Infelizmente esta é uma realidade de muitas meninas, que por um sonho, se esquecem que a dignidade é o maior bem do ser humano,e que sem isto o sonho só pode mesmo se transformar em um grande pesadelo!

Parabéns!

Beijos azuisss

Everaldo Farias disse...

Sim, esses textos são surpreendentes sobretudo porque, raros são os que conseguem nos prender até o final, na expectativa do que há de vir!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Parabéns e um forte abraço!

Rodrigo Gameiro disse...

a parte que ela goza por se sentir atriz é demais!

Feer Amaral disse...

Primeiramente, seus textos são perfeitos, amei, é o tipo de literatura da nova época que eu curto... a maneira como você escreve, prende e fascina... muito bom mesmo... Adorei o texto, é forte, insinuante, mas tem uma sutileza, não é aquele erótico escancarado... a leitura é facil...

ah sem descrição pra você...!!

li, gostei... passarei mais vezes... bjO;)


Feefeh...

Carmen Augusta disse...

Vinicius,
você escreve e a gente se envolve.
Fiquei com pena da mocinha que faz tudo por um sonho que nunca se realizou...

Parabéns!

Um beijo,
Carmen Augusta

Armindo Guimarães disse...

Vinícius, Grande Salafrário!

Mais um conto que se lê como se vissemos um filme.

Parabéns, pá!

Abraços