Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Intimações

Modesto atrevimento poético. E este salafrário se arrisca até do ponto de vista feminino...

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Eu me apego à sua carícia
Você se esconde num bocejo
Fico ansiosa, cheia de malícia
Pra que nosso amor não vire lampejo

Durmo, ansiosa por sua volta
Pois quero ao acordar sentir a sua escolta
Você acorda e logo vai pra sua rotina
E me deixa num desamor que me amofina

Dialogo com seu retrato
Pergunto “faço diferença pra você?”
O silêncio dele parece melhor trato
Do que com sua presença conviver

Lembro nossos melhores momentos
Mas a cada recordação fico por temer
Nosso caso se cerca de tormentos
E de um amor que só vem entristecer

Não posso te pedir pra mudar
Não devia tanto me amarrar
Mas se seu silêncio continuar
Meu “eu te amo” não mais vai durar

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Quatro paredes

"Você sente minha falta?".

Queria dizer ao alcance dos olhos dele. Mas seus olhos só alcançavam o próprio reflexo do espelho. Aquilo já se transformara num ritual, em mais um passo no qual se esmerava para ter alguma coragem de procurá-lo, de revê-lo, de fazer um acaso acontecer na vida dos dois. Apesar de ainda ter o número de telefone dele, não cogitava ligar para ele. Seu orgulho de mulher agora era ralo, mas ainda encontrava alguns traços de dignidade, mesmo através da certeza de que não tinha nenhuma desculpa para ouvir a voz dele.

Olhou o calendário, no qual tinha marcado com um X cada dia que se passara depois da despedida. Percebeu que já fazia um mês que não saía de casa. Sentira-se solitária no momento em que ele lhe deu um beijo no rosto pela última vez. Não achava motivos para compartilhar seu desalento com rostos conhecidos e desconhecidos que encontraria no caminho das ruas.

Todas as noites tomava banhos e se perfumava com minúcia, com afeto de seu próprio corpo, pois sabia que era o maior presente que poderia dar a ele. E revirava-se na cama, dialogando seus sussurros com os murmúrios que ela ainda recordava que ele costumava dizer ao pé de seu ouvido. E aquilo tudo era tão bom, tão belo, tão intenso, que aos poucos ela foi abandonando a ideia de se banhar.

Era tão doce o odor que permanecia dos seus momentos de amor, era tamanho o prazer a entorpecer seu olfato, a acariciar sua pele, que misturá-lo à água, ao sabonete, aos perfumes, soava como uma coisa profana. Assim como era profana a ideia de ver outros rostos.

Mas ao olhar o calendário, ao fazer um X pela trigésima vez num número da folhinha, foi traída. Traída por um sentimento de dúvida que se abateu de maneira lancinante em seu peito. Pela primeira vez, quis saber definitivamente a resposta àquela pergunta que ela dizia somente aos seus olhos. E aquela vontade não permitiria nenhum anoitecer.

O relógio marcava dez e meia. Ela sabia que o horário de almoço dele era uma da tarde. Abriu o armário, retirou os vestidos e escolheu um sensual levemente fechado. Separou calcinha e sutiã mais sensuais, e riu, alegre da própria esperança.

Esquentou a água. Mergulhou na banheira e deixou-se levar pelo frescor da pele que não sentia nenhum molhar há dias. Perfumou-se da cabeça aos pés. Maquiou-se levemente, só para esconder as olheiras de um mês de ausência. Vestiu-se. Renovada. Outra mulher agora movida pela intensa esperança de um "sim" dos lábios que sentira saudade por um mês.

Desceu o elevador, saiu do prédio. Após um primeiro susto com os brilhos e as situações da rua, coisas com as quais perdera o costume de conviver, pegou um táxi. Deu o endereço ao motorista, e passou o trajeto inteiro evitando roer as unhas com a espera.

Chegou ao prédio do serviço dele. Esperou no térreo. Respirou fundo quando o viu saindo sozinho do elevador. Parou em frente a ele. Disse um "oi" que ele respondeu com um balançar afirmativo na cabeça. E, finalmente, fez a pergunta da qual não tivera resposta durante um mês:

"Você sente minha falta?".

Ele ficou estático por alguns segundos. Os olhos de esperança dela foram se esvaindo nos instantes de hesitação que ele teve. Ele desviou o olhar, esboçou dizer alguma coisa. Voltaram a cruzar os olhos e, após respirar fundo, ele disse:

"Eu preciso ir".

Com os ombros curvados, ela ainda o viu sair em direção à rua, levando embora uma pergunta que não foi digna nem de uma resposta. Se ela não cogitara uma resposta negativa, jamais imaginaria que seu amor era tão descartável ao ponto de merecer uma desconversa.

Olhou ao seu redor. Sentiu a maquiagem se esvair com o suor. Teve medo de que aparecessem suas olheiras ao alcance de todos. Apertou o passo. Pegou um táxi e só pensava na hora de voltar para casa.

Entrou no prédio, subiu no elevador, passou a chave e trancou-se no apartamento. Deixava a angústia e a frustração do lado de fora. Agora podia suspirar aliviada, pois sabia que ao menos entre aquelas quatro paredes, continuaria a ter a presença dele.