Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Sentimentos

Sentiu culpa quando ela expôs todo o descontentamento da relação deles dois. Sentiu um vazio quando, pela janela, a viu ir embora num táxi, levando no porta-malas tantas recordações (boas ou más) de uma vida amorosa com pitacos de desamores. Sentiu náusea ao pensar no gosto de seus lábios sem os lábios dela.

Sentiu iminentes apetites sexuais ao encontrar, perdida em meio às roupas dele, uma calcinha mais sexy que ele a dera de presente numa data qualquer. Sentiu ânsia de acariciar seu próprio corpo, de olhos fechados e sussurrando o nome dela. Sentiu seu desejo ir embora quando atinou que seu sexo teria, naquela hora, a companhia exclusiva de sua própria mão.

Sentiu um irônico deleite ao imaginar que ela estaria às vistas de outro homem, que certamente tocaria com tanto sacrilégio e com tamanhas heresias um corpo que ele aprendera, passo a passo, a idolatrar. Sentiu pena ao ver dois sorrisos constantes nas tantas fotos que registraram os momentos deles. Sentiu um aperto no coração ao saber que o sorriso daquele casal se transformara bruscamente em duas infelicidades solteiras.

Sentiu um desejo mórbido de levar ao pé da letra a certeza que tivera desde a primeira vez que os olhos deles se cruzaram: “morrer por ela”. Sentiu que aos poucos já se matava, atropelado por um desafeto que nem se preocupou em olhar pelo retrovisor para checar o tamanho do estrago. Sentiu piedade de si ao ver pelo espelho as olheiras de lágrimas que previam o inevitável.

Sentiu ódio. Sentiu rancor. Sentiu amargura. Sentiu vontade de se vingar, mesmo sabendo que a vingança apunhalaria seu próprio peito. Sentiu que era hora de tomar alguma atitude. Sentiu que deixar a calcinha que restara na porta da vizinha pudesse ser uma traição. Sentiu que borrifar o “Bom Ar” pela casa exorcizaria os perfumes que vinham dela. Sentiu que a solução era rasgar, um por um, cada registro do passado deles. Sentiu as lágrimas rolarem à medida que uma foto se transformava em vários pedaços. Sentiu uma história que se apagava, gradualmente, de trás para frente, até que entre eles não aparecesse mais nenhum sorriso.

Sentiu que estava ofegante ao final daquela jornada. Sentiu-se um homem sem passado, perdido no presente e à mercê de um futuro que não desejava ter. Sentiu-se impotente. Sentiu que sem ela sua vida não teria o menor sentido. Sentiu certo alívio quando decidiu reconstruir o passado. Sentia uma certa felicidade quando encaixavam as peças do quebra-cabeças que sua raiva fez com as fotos.

Sentiu uma tempestade de sentimentos em tão pouco tempo entre a despedida dela e a certeza de que estava irremediavelmente atrelado a todas as vontades daquela mulher. E mesmo dentre tantas nuances de seu coração, ao final de tudo, veio a sensação terna de que o sentimento do amor falaria, para sempre, mais alto.

4 comentários:

Armindo Guimarães disse...

Olá, Salafrário!

Olha, pá! Eu também senti, como sempre, um suspense do carago ao ler mais este teu conto.

Abraços

Márcia Tristão-Bennett disse...

Ola meu poetinha!!!!!!!!!!


Agora gostei!!!!!!!!!!! O sentimento mais puro venceu!!!

"E mesmo dentre tantas nuances de seu coração, ao final de tudo, veio a sensação terna de que o sentimento do amor falaria, para sempre, mais alto. "

Muito lindo texto, e como sempre eu pensando..o que serah que vai acontecer??

Beijos!!!!!!!!!!!!

Carmen Augusta disse...

Oi Vinicius!

Impressionante como você consegue com seus contos, deixar a gente envolvida na história!
Sempre no final, algo fica no ar, para pensarmos o que virá depois...

Lindo conto!

Parabéns!

Beijos,
Carmen Augusta

Everaldo Farias disse...

Belo recomeço e expondo vários sentimentos em um único texto, um único personagem! Legal isso! Parabéns!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Um forte abraço a todos!