Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Jantar em família

Esquete apresentada no teatro O Tablado. Texto meu baseado no conto Lar desfeito, de Luiz Fernando Veríssimo. No elenco, Roberta Cecconello, Eliana Oliveira e eu.

Um Feliz Ano Novo a todos!

Vinícius Faustini


*****

Personagens:
MÃE
PAI
CLARINHA

O cenário é uma sala de jantar. Mesa e quatro cadeiras no centro do palco. Clarinha, aparenta ter no máximo 9 anos e seus pais estão jantando. Os dois comem moderadamente, enquanto Clarinha fica mexendo no prato. A menina tem um ar triste, amuado e fala para dentro.

MÃE (notando a menina) – Filha...

Clarinha a olha.


MÃE – Tá tudo bem?

Clarinha balança a cabeça afirmativamente.

MÃE – Clarinha. O que foi?

CLARINHA – Nada...

MÃE – O que aconteceu, filha. Vai, conta pra mamãe.

CLARINHA (parece que vai chorar) – Nada...

PAI – Olha, amor, ela deve estar sem fome. Não é, Clarinha?

CLARINHA – É...

MÃE – Por quê, filha?

CLARINHA – Nada... (empurra o prato e começa a chorar)

Os dois se olham. A mãe se levanta e senta numa cadeira ao lado dela, para consolá-la. O pai fica sentado, atento. Clarinha, chorando, se abraça no colo da mãe.

MÃE – Agora, conta pra mamãe e pro papai. O que aconteceu?

Ela se agarra ainda mais no colo da mãe, e balança a cabeça negativamente.

PAI (tentando ajudar) – Clarinha, você prefere que papai saia pra você e sua mãe conversarem?

CLARINHA – Não precisa... (sai do colo da mãe. Fica de pé e de costas para os dois, enxugando as lágrimas)

MÃE (enérgica, sem perder a ternura) – Então conta! O papai e a mamãe só querem ajudar...

Clarinha se vira para eles. Olha um de cada vez.

CLARINHA – Eu... Eu não sou igual a todo mundo...

A mãe e o pai se entreolham, suspiram aliviados.

PAI (levantando-se e indo em direção a ela) – Clarinha, é claro que você é igual a todo mundo. Que bobagem...

O pai faz menção de abraçá-la, mas ela anda para o outro lado.

CLARINHA – Não sou não... Ai, que tédio! A minha vida é um tédio!

MÃE (repreendendo) – Clarinha!

CLARINHA – Um tédio! Na minha vida não acontece nada...

PAI – Filha, por que você tá dizendo isso?

CLARINHA – Papai, na minha sala... (faz uma pausa, suspira) Todo mundo tem pais separados! Menos eu!

Os dois se espantam.


PAI – Então é isso, filha?

MÃE – Clarinha... Mas isso é ótimo! Você não quer ter seus pais juntos, perto de você?

CLARINHA (firme) – Não!

Eles se olham e viram-se para a filha.


OS DOIS – Não?!

CLARINHA – Não.

MÃE – Por que, minha filha?

CLARINHA – Porque... Porque... Ah, coisa mais chata! Aqui não acontece nada! A gente toma café da manhã junto todo dia, almoça junto todo dia, janta junto todo dia, faz TUDO junto todo dia! Que saco...

PAI – Clarinha, o que é que tem de mais?

CLARINHA (revoltada) – O que é que tem? E você ainda pergunta, papai?

MÃE – Poxa, filha... Você falando assim com o papai e com a mamãe...

CLARINHA – Desculpa, mamãe. Mas é verdade! Todos os meus amiguinhos chegam na escola e ficam lá, contando as coisas dos pais deles... A mãe e o pai da Vera vivem brigando! Ela tem sempre novidade pra contar... Eles já brigaram, saíram no tapa, e ontem, a Vera me contou sabe o quê?

MÃE – O quê?

CLARINHA – Que ela foi com a mãe na casa do pai dela pra cobrar uma tal de pensão alimentícia e os dois armaram o maior barraco no apartamento! (fascinada, oscila a voz de acordo com o personagem que ela fala) O pai chamou a mãe de ladra, ela respondeu chamando de vagabundo. Vaca, cachorro, nojenta, idiota, imbecil, irresponsável... Precisou a síndica chegar para acabar a briga!

MÃE – Que vergonha...

PAI – Clarinha, e você quer que seus pais façam isso?

CLARINHA – Ah, papai... O que é que custa! Só um pouquinho... (se ajoelha, rezando) Eu imploro! Por favor...

MÃE – Clarinha, você está indo longe demais...

CLARINHA – Poxa... Só uma briguinha. É pra eu contar pros meninos...

Silêncio. Os pais estão escandalizados, sem saber o que fazer.

CLARINHA (curiosa) – Vocês nunca brigam?

PAI (primeiro olha a esposa, depois olha a filha e diz) – Não, minha filha. Sua mãe e eu não brigamos.

CLARINHA – Nunca brigaram?

PAI – Claro que já brigamos. Mas sempre fizemos as pazes...

MÃE – Briga, briga, a gente nunca teve. Só desentendimentos. Mas sempre nos demos muito bem.

CLARINHA – Desentendimentos?

MÃE – É... Desentendimentos. Nas vezes que (olha o marido) o seu pai prefere ver futebol do que levar a família ao cinema!

PAI (ofendido) – Ei, o que é isso? Eu faço tudo por vocês! Aturo até aquele insuportável do seu tio quando ele vem aqui em casa e acaba com o estoque da minha cerveja!

Clarinha fica atenta, espiando. Percebe a briga dos pais e sorri de felicidade. Eles, cada vez mais, aumentam o tom.

MÃE – Ah, é? E aquela sua irmã cleptomaníaca! Toda vez que ela vem aqui, somem pelo menos 50 reais...

PAI – Não fala assim da minha irmã. (quase chorando). Ela é uma doente. O médico falou, se chama transtorno obsessivo compulsivo!

MÃE – É ladra!

PAI – Ladra é você, que pega meu salário de um mês de trabalho e gasta em uma semana no salão de beleza!

MÃE - Que mentira...

PAI - Mentira? Quanto é que custou aquele tal daquele gel palpebral que apareceu no meu cartão de crédito? Sua... sua... sugadora de salários alheios!

MÃE – Me respeita, eu sou mãe da sua filha!

PAI – Eu respeito quem não pega a minha gilete de barbear o tempo todo e usa pra depilar o buço!

MÃE – Grosso...

PAI – E nem pega a pasta do dente e aperta no meio. Se apertar na ponta, fica mais fácil de tirar, mas isso não entra na sua cabecinha, né, querida?

MÃE (chora) – Eu faço tudo por você, mas você não valoriza o meu trabalho! Insensível! Todo dia... Eu dou educação pra sua filha, levo ela na escola, corrijo os deveres de casa... Sou eu que separo suas camisas no armário por cor, do mais claro pro mais escuro, pra evitar que você se irrite! Sou eu que faço o feijão do jeito que você quer...

PAI – Ah, agora eu descobri. Eu me casei com a empregada!

CLARINHA (solidária, se aproxima da mãe) – Mamãe...

MÃE – Filha, você não merece ouvir isso...

CLARINHA (sem disfarçar o sorriso) – Eu te amo muito...

A mãe chora de alegria e a abraça.

CLARINHA – E amo muito o papai... (o abraça)

PAI – Filha, vai dormir, vai... Essas conversas são pra gente grande.

CLARINHA (balança a cabeça afirmativamente) – Boa noite...

MÃE – Vem com a mamãe... (as duas saem de cena)

O pai pega o paletó que estava na cadeira, ajeita as coisas que estavam na pasta. Está impaciente, olha o tempo todo para o lado por onde as duas saíram. A mãe retorna.

PAI (frio) – Ela já dormiu?

MÃE – Já.

Ele coloca a pasta sobre a mesa.

PAI – Tá cada vez mais difícil agradar essa menina...

MÃE – É melhor assim...

PAI – Você acha que ela acreditou?

MÃE – Claro! Ela foi dormir toda feliz...

PAI – Ainda não sei se a gente fez a coisa certa...

Ela segura as mãos dele.


MÃE – Querido, a gente fez sim! O livro de auto-ajuda que eu tô lendo diz que a gente não pode deixar os filhos crescerem traumatizados!

PAI – Então tudo bem... (levanta-se. Veste o paletó e pega a pasta. A abraça forte) Tchau.

Vai caminhando para o canto direito do palco. A pergunta dela o interrompe.


MÃE – Você já tem pra onde ir?

PAI – Eu dou um jeito. Depois eu procuro um outro lugar pra morar. (pausa)

MÃE - E o divórcio?

PAI - Você acha que é necessário mesmo?

MÃE - O livro de auto-ajuda...

PAI - Tá, tá, já entendi. Bom, amanhã vou me reunir com o nosso advogado pra gente combinar algumas coisas. Eu ligo pra cá e a gente marca um encontro... Você sabe onde.

Ela dá um sorriso assanhado.

PAI - E a gente marca pra eu vir aqui pegar as minhas coisas.

Ela joga um beijo. Ele retribui e diz.

PAI – Te amo. Deixa um beijo pra nossa filha...

PANO

2 comentários:

CON disse...

Háaaa eu queria mais!!!! Rsrsrs fiquei tão absorvida aqui imaginando a cena que nem ouvi meu tel. tocando acredita???? Só depois que minha filha me puxou pelo braço é que eu voltei á realidade, rsrsrsrs
ADOREIIII, tem continuação não hein? rsrsrsrsrs
Amigo você é demais!!!!

Parabéns!!!
Beijos azuissss

Anônimo disse...

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