Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Serviço de telemarketing

Texto inédito, baseado em ideia que comecei a esboçar em 2004. Por gentileza, desejo que todos comentem com opiniões sinceras.

Primeiro texto de 2009. Um Ano Novo maravilhoso a todos e obrigado desde já,

Vinícius Faustini


*****

Personagens

ATENDENTE 1
CLIENTE
ATENDENTE 2

Sobe a luz. O cliente está no meio do palco e as atendentes nos dois cantos, todos de frente para a platéia. Ele faz movimentos imaginários de quem mexe nas teclas do telefone. Atendente 1 ajeita o imaginário microfone e atende. A Atendente 2 simula que está digitando no computador.

ATENDENTE 1 – Banco Paes de Albuquerque, Maria Lúcia, boa noite...

CLIENTE – Er... Bem, boa noite. Eu estou ligando para solicitar o cancelamento de uma compra que veio no meu...

ATENDENTE 1 (interrompendo) – Nome do usuário, nome escrito no cartão, identidade, CPF e...

À medida que ela vai falando, ele, atabalhoado, fica procurando os documentos para organizar. A uma certa altura, tudo cai no chão. Ele protesta.

CLIENTE – Ei, calma! Uma de cada vez!

A Atendente bufa de raiva e repete numa calma irônica.


ATENDENTE 1 – Seu... nome... Senhor.

CLIENTE – Isso... Mais calma. Rodrigo de Oliveira Castro.

ATENDENTE 1 (como se estivesse teclando) – Nome que aparece no cartão...

CLIENTE – Rodrigo Castro.

ATENDENTE 1 – CPF...

CLIENTE – Nove, sete, dois, dois, dois, cinco, dígito dez.

ATENDENTE 1 – Identidade...

CLIENTE – Aí, que saco, hein? Quanta burocracia!

ATENDENTE 1 (nervosa) – Senhor Rodrigo, este é o procedimento indicado pela empresa com os clientes do Banco Paes de Albuquerque...

CLIENTE – Mas eu só quero cancelar uma compra, não estou me alistando no Exército...

ATENDENTE 1 – Sim, mas o senhor deveria estar compreendendo que o banco deve tomar toda e qualquer medida de segurança.

CLIENTE – Eu só quero cancelar uma compra!

ATENDENTE 1 (cedendo) – Está bem, senhor... O senhor poderia estar ditando o número de sua conta com o dígito?

CLIENTE – Setecentos, dois, quatro, três, cinco, dígito quatro.

ATENDENTE 1 – Opção de cancelamento de compra, correto?

CLIENTE – Correto...

ATENDENTE 1 – Eu vou estar efetuando a solicitação e dentro de alguns instantes eu vou estar recebendo a resposta da empresa, senhor.

CLIENTE – Está bem.

Ele fica parado. A atendente beberica um copo de café, olha de um lado para o outro, se espreguiça, passa a lixa nas cinco unhas da mão direita, suspira e volta ao telefone. Tudo rapidamente.

ATENDENTE 1 – Senhor?

CLIENTE – Sim?

ATENDENTE 1 – De acordo com a empresa, o cancelamento de conta não pode ser efetuado devido a instituições do imposto, senhor...

CLIENTE (menos calmo) – Como não pode?

ATENDENTE 1 – O imposto predial...

CLIENTE (interrompendo) – Meu bem, só estou solicitando o cancelamento de uma compra!

ATENDENTE 1 - Eu vou estar lhe pedindo que o senhor não seja tão informal comigo. Eu não estive lhe dando tamanha liberdade, senhor.

CLIENTE - Ah, certo. (para si mesmo) Eu não vou perder a calma, eu não vou perder a calma. (coloca a boca próxima ao telefone) Senhora. Eu quero dizer que quero cancelar uma compra.

ATENDENTE 1 - Correto, o senhor aguarde na linha...

Ele fica parado. A atendente beberica um copo de café, olha de um lado para o outro, se espreguiça, passa a lixa nas cinco unhas da mão esquerda, suspira e volta ao telefone. Tudo rapidamente.

ATENDENTE 1 - Obrigado por aguardar, senhor...

CLIENTE - É, não tive escolha, né?

ATENDENTE 1 (sarcástica) - Exatamente, senhor...

CLIENTE - Dá pra, enfim, falar direito o que tenho que fazer?

ATENDENTE 1 – Se o senhor me deixar falar eu estarei lhe passando a situação do resultado de seu pedido...

CLIENTE (berrando) – Eu não quero saber! Só quero o cancelamento desta porra desta compra que eu tenho que pagar todo mês! É difícil de entender?

ATENDENTE 1 (irritada, mas cordial) – Senhor, eu vou estar lhe enviando um guia de boa conduta para conversar com o seu banco...

CLIENTE – Peraí, minha filha, você tá me chamando de mal educado?

ATENDENTE 1 – Eu vou estar sugerindo que o senhor interprete como quiser...

CLIENTE (explode) – Então eu... Eu vou estar pedindo que a senhora vá pra puta que o pariu! Que eu não agüento mais esta ligação!

ATENDENTE 1 – O Banco Paes de Albuquerque agradece e lhe deseja uma boa noite...

Ele desliga, irritado. A Atendente 1 esbraveja e esbanja mau humor. Ela permanece quieta em todo o resto do esquete. O Cliente respira fundo, conta nos dedos até três, e tenta fazer uma nova chamada. Toca o telefone e, desta vez, ele fala com a Atendente 2.

ATENDENTE 2 – Banco Paes de Albuquerque, Fábia, boa noite...

CLIENTE – Boa noite, eu gostaria de estar solicitando (interrompe bruscamente. Fala para si) Será que é contagioso?

ATENDENTE 2 – Como? O senhor poderia repetir, por favor?

CLIENTE – É, eu quero solicitar o cancelamento de uma compra.

ATENDENTE 2 – Seu nome?

CLIENTE – Rodrigo Castro.

ATENDENTE 2 – Senhor Rodrigo, por favor, o número da sua conta.

CLIENTE – Setecentos, dois, três, quatro, cinco, dígito quatro.

ATENDENTE 2 – Cancelamento de compra?

CLIENTE – Sim... Fatura em 5 de fevereiro na loja das Casas Bahia.

ATENDENTE 2 – Um momento... (tempo) Já está efetuado o cancelamento neste instante, senhor.

CLIENTE (atônito) - Hã? Como? A senhora pode estar repetindo? (se corrige) Eu falo que isso é contagioso... (volta a falar pelo telefone) Poderia repetir, por favor?

ATENDENTE 2 - Pois não, senhor. Já está efetuado o cancelamento...

Ele sorri abertamente.


ATENDENTE 2 - Senhor?

CLIENTE (voltando a si) Ah, sim...

ATENDENTE 2 - Mais alguma coisa?

CLIENTE – Olha... na verdade, não tenho mais nada...

ATENDENTE 2 – O Banco Paes de...

CLIENTE – Ei, espera... Puxa, já quer me desligar?

ATENDENTE 2 – Desculpe... Pois não?

CLIENTE (a voz dele fica melosa) - Você foi tão boazinha comigo...

ATENDENTE 2 - Este é somente o meu trabalho, senhor.

CLIENTE - Não é não... Você não é como as outras...

ATENDENTE 2 (tentando desconversar) - Senhor, eu terei de estar passando sua ligação para outro ramal...

CLIENTE - Não! Não! Passa não... Fica aqui, vai...

ATENDENTE 2 (interessada, se fazendo de difícil) - O senhor vai ter de estar listando alguns argumentos para que esta alegação se torne mais sustentável, senhor.

CLIENTE – Você tem uma voz linda...

ATENDENTE 2 (sorri, sem graça com o elogio) – Obrigada por dizer, senhor...

CLIENTE – Sabe que você deve ficar uma gracinha aí atendendo telefone...

A Atendente dá um suspiro longo. Depois se recompõe e disfarça olhando para os lados. Por fim, disfarça ao telefone.

ATENDENTE 2 – O banco agradece...

CLIENTE - Sabe como é... Você tá aí, sozinha... Eu aqui também solitário, precisando de carinho...

ATENDENTE 2 - Eu estou compreendendo, senhor.

CLIENTE - E se você tem uma voz assim dengosinha, imagina se tiver de perto...

ATENDENTE 2 (um pouco mais melosa) - Exatamente, senhor. Prossiga...

CLIENTE – Eu acabei de descobrir que tenho uma quedinha por operadoras de telemarketing.

ATENDENTE 2 (ironizando) – Seus procedimentos são comuns em qualquer situação parecida...

CLIENTE – Não, não. Ah, não fala assim, você é especial...

ATENDENTE 2 (com ar de assanhada) – Deseja mais... (pausa proposital) Alguma coisa?

CLIENTE (sedutor) – Com você? Tudo...

ATENDENTE 2 (sorri, e fala pausadamente, bem dengosa) – O procedimento deve ser realizado passo a passo...

CLIENTE – Claro, claro... Eu estava brincando. Que tal a gente sair?

ATENDENTE 2 – A negociação deve ser realizada em lugar adequado.

CLIENTE – Ah, entendo, não pode falar direito aí...

ATENDENTE 2 – Exatamente, senhor.

CLIENTE – Tadinha, deve estar cheia de vontade...

ATENDENTE 2 – Exatamente, senhor. Em qual momento o senhor pode estar retornando uma ligação?

CLIENTE – Quer que eu te ligue?

ATENDENTE 2 – Exatamente, senhor... O senhor poderia pegar papel e caneta? Eu vou estar lhe ditando um número de protocolo.

CLIENTE – Claro. (pega papel e caneta) Diga.

ATENDENTE 2 – Nove, oito, cinco, nove, meia, cinco, oito, um.

CLIENTE – Certo... Seu nome?

ATENDENTE 2 – Fábia, senhor...

CLIENTE – Fábia, a que horas posso te ligar...

ATENDENTE 2 – O horário de atendimento é das 8 da manhã às 8 da noite, senhor.

CLIENTE – Te ligo amanhã às oito e meia. Pode ser?

ATENDENTE 2 – O banco agradece.

CLIENTE - Isso é sim ou não?

ATENDENTE - Primeira opção, senhor.

CLIENTE – Vou sonhar com a sua voz...

ATENDENTE 2 – O banco agradece.

CLIENTE – Beijinhos.

ATENDENTE 2 – O Banco Paes de Albuquerque agradece e lhe deseja uma boa noite.

Ambos desligam o telefone simultaneamente, ele com ar assanhado e ela romântica. Sobe Domingo feliz, com Angelo Máximo, na altura do verso "rá, rá, rá, hoje é meu dia, eu vou ter, ter, ter, o seu amor...".

PANO

©Copyright. Vinícius Faustini, 2009. Todos os direitos reservados.

6 comentários:

James Lima disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Caramba, professor.
Arrasou aí ! Muito engraçado.

O cara se irrita com uma e se apaixona pela outra?

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

Demais, demais

Um abraço do seu afilhado
James Lima
www.robertocarlos.vai.la

Daniel Russell Ribas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel Russell Ribas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel Russell Ribas disse...

Ótimo! rs
Passa em: www.dribas2@blogspot.com
Novo ano, nova vida, novo blog. Abraços, DRR

Daniel Russell Ribas disse...

É

www.dribas2.blogspot.com

Não sei porque botei o @...

Everaldo Farias disse...

Vina, gostei bastante, você é muito talentoso e engraçado também!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Um forte abraço!