Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Veranico

Veranico (s.m) = Período de calor numa estação fresca.

Era inverno. A tempestade a cada dia parecia tornar minha solidão mais interminável. Ventos uivavam minha carência, e à minha vista surgia apenas uma neblina de desamor. E eu, passo a passo, me enxergava cercado da frieza de palavras, dos gestos, dos sentimentos.

Meu caminho parou diante de um primeiro brilho. Tratamento de choque para olhos tão acostumados ao escuro, ao cinza. Uma coceira instintiva, seguida de um novo olhar. E de um calor surgiu o sorriso dela. Minhas mãos se apegavam à sua vista para surgir uma aquarela, e eu me encontrava mais fascinado entre tantas cores que agora me eram apresentados.

De suas mãos, recebi a flor mais simbólica, a que representava nossa primeira primavera, a iniciar-se naquele minuto. De seu abraço, senti um aquecer, tão inusitado depois de longo e rigoroso inverno, que me fazia me entregar com menos rigor ainda. Minha mente de pretenso escritor rascunhava, lia, relia, e sempre jogava fora seu esboço. As folhas caíam e o desespero de minhas palavras tinha receio de criar raízes em pormenores mundanos, em rótulos, em formalidades.

Era um viver desprovido de palavras. Num afago, vinha a quentura que me fazia febril, em delírio a esperar seu beijo. Os lábios apresentavam um sabor no qual meu desejo se adocicava, fazendo de nossas bocas uma fonte inesgotável de prazer. Extasiado, eu seguia na minha velada curiosidade. Quem era ela? O que era ela, agora, que chegava assim na minha vida? E num momento infantil, a flor que ela me deu parecia a única capaz de decifrar. Lentamente, alegres, acarinhados, contávamos: "bem me quer, mal me quer, bem me quer, mal me quer...".

Mas todas as previsões estavam erradas. E o tempo era tão vulnerável quanto a duração da passagem dela por minha vida. Não, não iriam mais cair as folhas. Nenhuma flor voltaria a desabrochar. Nem o calor iria me fazer esquecer os invernos tão solitários.

Ela era mero veranico. Viera me trazer um terno e fugaz calor de amor para, logo em seguida, partir sem avisar. Deixando comigo outra vez o frio impiedoso de uma solidão que gelava ainda mais um coração despedaçado.

5 comentários:

Márcia Tristão-Bennett disse...

Vinicius...

Esta aih me deixou melancolica...e me levou as lembrancas de caminhadas que fazemos aqui em periodos de veranicos...

Gostei demais do texto...e dos sentimentos, do tempo, das descricoes...

parabens!!!!!!!

Beijos

CON disse...

Amigo, que texto lindo...Triste , nos leva a viver toda a tristeza do personagem...Senti a solidão dele, rs

Parabéns!!
Beijos azuisss

James Lima disse...

Bicho, sinceramente,

Da próxima vez que você me deixar balançado com um texto, eu deixo de acessar esse blog !

Furiosamente
James Lima

kkkkkkkkkkkk

Everaldo Farias disse...

Cara,

eu gostei do texto. Cultura a parte, meu vocabulário ganhou mais uma palavra: veranico. Texto bem curto, sucinto e como sempre, envolvente!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Um forte abraço a todos!

Carmen Augusta disse...

Oi Vinicius!

Lindo o texto, mas um pouco triste.
Senti frio, calor e a solidão do personagem.

Parabéns!

Beijos,
Carmen Augusta