Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Palhaço, palhaço...



Para a marcha da Quarta-Feira de Cinzas, o Diário de um salafrário apresenta um conto inédito. Quem sabe já não saia num eventual segundo livro?

Obrigado a todos,

Vinícius Faustini


*****

"Acorda, vagabundo!". O som da bateria ainda insistia, já quase em surdina nas minhas recordações. Imagens iam e vinham na minha cabeça, passos de uma multidão se perdendo numa carreata que seguia ao som da marchinha e, em vez de caminhar, todos iam em seus vários compassos e descompassos. Um som de trombone e um coro desafinado entoavam "quanto riso, oh, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão".

Um pedaço de pau agora acompanhava aquela voz. "Acorda, vagabundo!". Os raios de sol assustaram minha vista. Reabri os olhos e percebi que o dia estava claro. Eu estava deitado, minha cama era a calçada e o travesseiro era formado por umas duas ou três pedras portuguesas soltas.

Eu comecei a levantar e minha vista ficou turva. A pessoa que me acordou evitou que eu caísse novamente. Por um momento sorri. Olhei para o porteiro, que estava de cara amarrada, e tentei quebrar o gelo cantarolando "vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval...". Não adiantou nada. Com a mesma vassoura que me acordou, ele me espantou, e ainda com um resmungo: "Mas é cada uma que me aparece". Eu já estava de costas pra ele quando ouvi: "O carnaval acabou, palhaço! Volta pra casa!".

O relógio digital marcava sete e meia da manhã. A cidade amanhecia triste, já na sua rotina de dia da semana. É, estava sepultado mais um carnaval. Olhei para mim mesmo. Estava sem camisa, com um cordão colorido pendurado no pescoço, bermuda e tênis. Passei a mão no rosto e percebi que a maquiagem de palhaço já estava desfeita pelo suor da folia.

Coloquei a mão no bolso para pegar a chave de casa e... Notei que faltava minha carteira. Meu outro bolso também estava vazio, nem precisei colocar a mão pra saber que meu celular já era. Dava para ir até em casa a pé, quem sabe até lá eu encontrava uma desculpa pra minha esposa. Ainda mais que eu acabava de olhar minha mão esquerda e percebia a ausência da aliança de casamento, que foi roubada de maneira tão perfeita que nem deixou sangue.

Segui o trajeto, perto da praia. A brisa ainda passeava no meu rosto e eu tentava vencer a dor de cabeça da ressaca para relembrar tudo o que acontecera antes de eu cair no sono. Eu observava a avenida, lembrava que eu tinha passado por ela, que a bateria seguia no chão e os intérpretes cantavam marchinhas repetidas pela multidão.

Eu de palhaço, com maquiagem feita com pasta de dente vermelha e branca e um nariz comprado em camelô, sozinho e tranquilo na rua. Parei num lugar para tomar mais uma cerveja e aquela morena maravilhosa vestida de onça merecia mesmo uma cantada.

Acho que a bebida alterou o meu juízo, porque esqueci os votos matrimoniais e disse bem baixinho no seu ouvido: "Eu tenho carinho especial por felinas". Ela deu um sorriso vulgar e falou: "Espero que isso não seja nenhuma palhaçada".

Nem esperei ela formar outra frase e logo nos beijamos. Eu segurei seu ombro e ela notou minha mão esquerda. "Casado, é?". Por uns segundos fiquei constrangido, mas todo o constrangimento se dissipou numa pergunta: "Faz diferença pra você?". Ela subiu até o meu ouvido e sussurrou: "Nenhuma".

Com as mãos envolvendo seu pescoço, fomos pulando na contramão do bloco. "Se a canoa não virar, olê, olê, olá, eu chego lá...". Chegamos em um prédio perto de outro bloco de carnaval. Subimos já aos beijos, e eu não resisti a puxar a alcinha do sutiã de oncinha que agora não impedia mais nada. A porta do elevador abriu com ela de costas e eu beijando seus seios. Íamos nos apoiando na parede até chegar à porta do apartamento dela. Nem esperei a porta se fechar para puxar as cordas de sua tanguinha.

O cheiro de "Bom Ar" pairava pela casa, e se diluía no perfume barato dela. Eu a sentia no meu corpo e ela percebia o quanto eu precisava dela naquele instante. Num empurrão ela me deitou em sua cama de solteira, e me travou de uma forma que eu não conseguiria sair de lá - mas certamente eu não tinha nenhuma pressa de sair de perto de sua nudez.

Ela se abraçava a mim, cravando as unhas nas minhas costas e sussurrando "mais... mais...". Segurei a morena pelos quadris e no êxtase que pairava por nós dois, caímos um do lado do outro, ofegantes, com o coração na batida do samba que vinha do lado de fora. "É com esse que eu vou sambar até cair no chão".

"Vou pegar uma bebida pra nós...". Balancei a cabeça afirmativamente e saboreei com os olhos a marquinha de biquíni que ela tinha no bumbum. Em seguida, ela voltou com dois copos cheios de cerveja.

Fizemos um brinde. Ela, lasciva, me beijava o pescoço e passava a mão nas minhas coxas. Recostou a cabeça no meu ombro, e sussurrou deliciosamente: "Palhaço, palhaço...".

Minha lembrança seguinte é a do porteiro com um cabo de vassoura na mão dizendo "Acorda, vagabundo!". Eu estava a duas ruas da minha casa e agora as lembranças pareciam trazer algum sentido. Agora, restava ensaiar alguma desculpa para a minha mulher, tomar um banho e curar a ressaca.

O carnaval acabou. Mas por muitos carnavais eu vou me lembrar daquela oncinha que em sua voz assanhada definira muito bem o que eu sou. Palhaço, palhaço...

5 comentários:

CON disse...

Que barato!!! Amigo, seus contos me envolvem de tal maneira, que consigo imaginar nitidamente a cena,
Desta vez uma cena picante, rsrsrs
Muuuuuiiiittttoooo bommmm!!!
Você é o cara!!!
Tomara que vire logo mais um livro mesmo, você merece, é muito bom!!!

Beijos azuissss

Anônimo disse...

Olá amigo...o seu conto está muito bem escrito! Como eu sempre digo: vc é um SUCESSO!!! Parabéns!

Bjusssss

Mazé Silva disse...

Parabéns ao contista Vinícius!

Gostei bastante do desenrolar da historia, que por momentos dava impressão de uma realidade vivida mesmo por você e por instantes imagináva-se outro personagem que você narrando, seria um pobre coitado no final de um carnaval, cheio de ressacas, sem saber como chegar, por medo ou por ainda está viajando num mundo de imaginações, ou de sonhos.

Tão bem contado, que por hoas eu parecia que etava vendo a cena, pois em minha cabeça, eu imaginava justamente o que escrevias. É como se fosse um retrato escrito de tudo que contastes.

Teve momentos que até tive peninha do personagem que pra você é apenas" PALHAÇO, PALHAÇO".

Adorei Vinícius, seu conto, faz o leitor ficar preso no que está lendo e não dar vontade de largar, mas ir até o final.

Vou dizer como o Armindo, " Você é um salafrário do carago"!

Vou falar a turma que vale mesmo a pena vir ao Blog do Diário de um Salafrário!

Valeu mesmo, adorei!

Beijos da amiga!

Mazé Silva

Armindo Guimarães disse...

Olá, Salafrário!

eheheheheh

Gostei desse conto, pá!

Palhaço que ri, palhaço que chora.

Grande abraço

Carmen Augusta disse...

Olá Vinicius!

Muito bom seu conto!
Gostei!
Parabéns!

Um abraço,
Carmen Augusta