Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Como sempre

Como sempre, quando fechou a porta logo depois de ele se despedir com um beijo no seu rosto, deu um suspiro de lamento e engoliu um pouco do choro que insistia em saltar aos seus olhos. Num olhar, notou todas as marcas do amor que acabaram de ter, tudo tão intenso no tão curto espaço de tempo que tinham sempre que estavam juntos.

Caminhou pela cozinha, olhou a mesa na qual ele, minutos antes, apoiou-a para os dois saciarem o desejo que seguravam há quase 20 dias (desta vez ele tinha demorado mais para conseguir se livrar da rotina e achar um tempo pra ela). Viu na pia os copos nos quais eles beberam cerveja e o prato no qual ela serviu uma fornada de pães de queijo. Teve um pouco de orgulho, achou que tinha cuidado bem do que "é dela". Mas, como sempre, logo em seguida constatou que mais uma vez tentava se enganar.

Como sempre, se despiu em frente ao espelho, tão grande que refletia todo o seu corpo. Seu corpo com as marcas que ele deixara nela mais uma vez. As mordidas no pescoço. O sangue quase escorrendo no lábio. O roxo no seio, cor que ficara ainda mais forte hoje, com tanta voracidade com a qual ele sugara desta vez. E principalmente o vermelho. O vermelho dos olhos marejados, chorando pela certeza de que ela não sabia quando ele voltaria, e se ele voltaria a ficar perto dela mais uma vez.

Como sempre, refletiu sobre esta escravidão amorosa na qual vivia. Como sempre, ele dizia que as coisas iam mudar, que os dois em breve poderiam viver a dois, sem nada impedir. Como sempre, ele falou que pensava nos filhos pequenos, no receio dos dois ficarem traumatizados com a ausência do pai.

Como sempre, decidiu. A partir daquele instante, não ia mais esperá-lo. Não podia e não merecia mais viver assim, à mercê de uma falsa segurança, da espera de um dia, talvez, poder estar ao lado daquele que amava. Como sempre, no dia seguinte aos dois terem se encontrado no apartamento dela, foi procurá-lo para romper com ele.

Mas agora não iria fazer tudo como sempre - tentar propor uma conversa quando eles voltassem a se encontrar. Sabia que a saudade, a volúpia, o cheiro, o amor dele vinham com tanta opulência que calavam qualquer coisa que ela dissesse.

Às cinco da tarde pegou o metrô. Olhava para o espelho de maquiagem e com o olhar na própria imagem começava a ensaiar, baixinho, tudo o que iria falar para ele neste encontro inesperado. Ouviu o nome da estação na qual ia descer.

Saiu do vagão. Ficou a alguns prédios do local onde ele trabalhava. Já anoitecia quando ele desceu. Ele foi andando na direção oposta à que ela estava. Ela o seguiu por algumas ruas. Ia abordá-lo, mas estacou quando o viu encontrar outra mulher. A mulher trazia duas crianças a tiracolo. Ela, escondida em sua insignificância, teve um aperto no coração quando a menininha disse "papai".

A mulher deu o braço a ele. A garotinha segurou na barra da saia da mãe. O garoto, mais velho, deu a mão para o pai. Ao longe, ela via aquela família feliz, unida. E enquanto isto, ela, apoiada em uma coluna de um prédio, chorava sua solidão.

Pegou um lenço. Limpou as lágrimas que borraram sua maquiagem. Num impulso, limpou todo o rosto. Ficou com a face limpa, não achava que tinha mais para quem se maquiar naquela noite.

Sentou-se no vagão do metrô, e ficou cabisbaixa o trajeto inteiro. Desceu na estação perto de casa, e foi caminhando sem notar nada que vinha ao seu redor. Abriu a porta do apartamento. Tirou o vestido e abriu uma das gavetas perto do armário.

Das gavetas foi retirando algumas lingeries. Eram novas roupas íntimas que tinha achado sensuais e comprado para o homem que amava. Iria passar algumas horas escolhendo qual seria a próxima roupa a usar para seduzi-lo. Como sempre. E sonhava com o dia no qual ele novamente iria bater na sua porta e se deitar com ela em sua cama. Como sempre.

3 comentários:

Anônimo disse...

...............VINICIUS............


NOSSA!!!!!!!! GOSTEI MUITO ... ACHEI TRISTE ............ELA FICAR SEM ELE .......E SEMPRE A SUA ESPERA ...............!!!!!! MAS MUITO BEM ESCRITA A HISTORIA FIQUE SONHANDO E TORCENDO POR ELA E POR ELE TB QUE AMAVA-A PARA TERMINAREM JUNTOS ..........O FINAL FOI TRISTE ..MEIO PORQUE TUDO IA RECOMEÇAR .............


GOSTEI!!!!!!!!!!!! MUITO.

A LITUANA A FÃ N 1 DO MAESTRO EM SP/CAPITAL

Carmen Augusta disse...

Oi Vinicius!
Outro conto lindo!
Você escreve muito bem. Por isso vem vindo um livro aí...

Parabéns!

Um beijo,
Carmen Augusta

Mazé Silva disse...

Meu querido Vinicius!

Já és um contista e tanto!

Depois que li esse conto de hoje, tenho a certeza, que as netas do Maestro ainda não podem ler!Rsrrsrs. Lembrou bem ao Maestro! Viu, como eu leio o que você escreve, até um comentário seu no blog eu leio.

Existe algo de romântico e ao mesmo tempo triste, pois a cada enconro a paixão era sedutora,arrebatadora, mas o tempo era pouco para concretizar o ato amoroso cheio de muita ansiedade.

Concordo com a Lituana, quando ele ver ele encontrar-se com a mulher com seus filhos e ver a criança pronunciar papai vem a tristeza, a desilusão, do amor que apesar de escravo, ainda vinha-lhe no pensamento um dia que poderia acontce outro encontro de amor.

Gostei muito Vinícius, mas fiquei triste!Huummmmm!!!! Você é mesmo dramático, seu salafrário, digo Vinícius. Ehehehhehehe.

Beijos e meus parabéns, excelente!

Mazé Silva.