Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

sábado, 14 de março de 2009

Sarjeta

"Você tá se masturbando?".

O tom de indignação dela quase me fez dar um pulo da cama. Virei o rosto e baixei os olhos diante de seu ferino olhar de reprovação. Respirei fundo, e a encarei, com a voz carregada de mágoa:

"Isso faz alguma diferença pra você?".

Ela desviou o rosto novamente para a revista de moda. Parecia indiferente, quase vitoriosa de ter interrompido meu prazer momentâneo. O desejo que eu sentia ao me imaginar dentro de uma mulher. De uma mulher de cabelos castanhos, com a face e a pele da minha esposa 20 anos mais jovem, só que com o corpo mais magro e os seios mais firmes.

Sentei na cama e olhei pela janela. Ri ao lembrar que eu me acariciava pensando na minha própria mulher, e a cena ficava ainda mais patética quando eu olhava pra cama e a via aparentemente atenta à revista. Levantei, fui até o armário. Coloquei uma camisa, troquei a bermuda do pijama por uma calça e disse: "Vou sair".

Já sabendo que ela iria protestar, peguei as chaves e fechei a porta bruscamente. Desci até a garagem, abri o portão e fiquei um tempo na calçada até esperar o porteiro fechá-lo. Quando o carro saiu da calçada, decidi pegar o caminho do Centro.

Liguei o rádio numa estação de música clássica e senti um alívio pela solidão. Peguei o trajeto da praia, movimentado por ser sábado à noite. Segui por Ipanema, virei para Copacabana, passei pela Avenida Princesa Izabel para chegar ao túnel que vai até Botafogo. O tráfego estava tranquilo, e em 20 minutos eu já saía do Aterro do Flamengo rumo à Avenida Presidente Antônio Carlos.

Dei uma volta e estacionei o carro numa ruazinha próxima do Theatro Municipal. Deixei a aliança de casamento enrolada num guardanapo, dentro do porta-luvas. Tomei o caminho da Cinelândia. Ouvia a música de qualidade duvidosa, via os casais de namorados aos beijos, alegres se entretendo por amor, sentimento que me jogavam fora na minha própria casa. Outros se divertiam, entre risos e bebidas, numa alegria que me parecia distante. Cada sorriso dos outros se transformava numa lágrima do meu coração. Apertei o passo até chegar na Rua Álvaro Alvim. Algumas pessoas ainda permaneciam nos minúsculos bares da calçada, mas o movimento do pós-show no Teatro Rival já estava menor.

Comecei a caminhar lentamente, com os olhos para o chão, observando cada pedregulho da calçada. Desde menino, quando eu trabalhava perto da Avenida Almirante Barroso, gostava de escapar e ir para a Álvaro Alvim, só por causa do clima de Rio antigo que aquela rua me causa. Parei em frente ao cinema, que exibia nos letreiros quebrados: "Exibe filmes pornográficos".

Comprei um ingresso e entrei na sala de exibição. O ar condicionado quebrado e o cheiro de mofo das cadeiras tornavam ainda mais obscuro aquele ambiente - formado de pessoas que se agarravam enquanto ouviam gemidos e assistiam aos atores fazendo sexo explícito em tela grande. Timidamente, abri a braguilha da calça e comecei a me tocar. Mas não consegui me sentir à vontade vendo os seios fartos e siliconados daquela loira numa dimensão tão maior que a habitual. Saí da sala, fui ao banheiro e lavei o rosto. Quando passei pela entrada, ainda olhei o relógio de parede. Eu não tinha ficado nem 15 minutos no cinema.

Voltei pra rua. Alguns catadores reviravam o lixo de um restaurante que serve galetos. Eu já me encaminhava para o bar que fica atrás do Cine Odeon quando ouvi uma voz feminina:

"Me dá um trocado, tio?".

Virei para trás. Era uma moça de mais ou menos 1,60m, cabelos pretos cacheados visivelmente maltratados. Seu cheiro misturava suor e bebida. Vestia uma camisa rasgada no ombro esquerdo e um short minúsculo que exibia as pernas finas. Olhei-a de cima a baixo e, num impulso, disse:

"Não tenho não. Mas se você deixar eu te comer, te dou 40 reais".

Aquilo me fez tão bem... Tanto tempo resignado diante de um casamento que se esfarelava e, agora, naquele momento, eu sabia novamente ser sórdido. Olhava para os dentes tortos da mendiga e por dentro eu me empolgava. Dizia para mim mesmo: "eu sei ser o mais baixo possível".

Ela balançou a cabeça afirmativamente. Fomos caminhando lado a lado até o meu carro. Entramos e eu peguei a direção da Rua do Senado. Não trocamos uma palavra. Só abri a boca quando pedi uma suíte à atendente do motel.

Entramos no quarto. Ela olhava para todos os lados, a cama, o espelho, e tentava com as mãos amenizar o frio do ar condicionado. Sentei no canto da cama e disse pra ela:

"Olha, vai tomar um banho. Eu te espero aqui".

Mais uma vez balançou a cabeça afirmativamente. Tirou a blusa e deixou à mostra os seios pequenos com bicos negros. Desceu o short de costas para mim, mostrando o bumbum firme. Eu babava, já ficando excitado por saber que ela faria tudo o que eu quisesse. Mas quis fazer um pouco mais de maldade:

"Fica de frente pra mim".

Ela se virou timidamente. Deixava os seios nus, mas cobria a genitália com as duas mãos. Tirei a camisa e disse:

"Deixa eu ver, gostosa".

Ela riu, envergonhada, e mostrou os dentes tortos. Lentamente, foi tirando as mãos, até exibir a fartura de pelos pubianos que tinha. Passo a passo, se aproximava de mim, mas a interrompi:

"Vai lá tomar banho".

Ela fechou o sorriso e foi correndo para dentro do banheiro. Parecia ter ficado com vergonha da própria sujeira.

Tirei o resto da roupa e fiquei deitado, excitado enquanto ouvia o barulho do chuveiro. 10 minutos depois, ela abriu a porta do banheiro. Parecia ainda mais deliciosa de banho tomado. Fiz com a mão sinal de que ela se aproximasse. Coloquei a camisinha e sentei na cama. Passei minha mão pela sua nuca e desci seu corpo até o meu joelho, para que ela me chupasse. Eu fazia devagarinho os movimentos para que sua boca subisse e descesse em mim, cada vez mais excitado com o prazer que o sexo oral dela me proporcionava. Eu delirava, sentindo devagarinho a ponta dos dentes dela roçando em mim.

Levantei seu corpo, fazendo com que ela se esfregasse em mim. Eu me deitei e senti seus seios subindo primeiro por minhas pernas, depois pelo meu sexo, pela minha barriga, até chegar ao meu peito e, em seguida, parar na altura da minha boca. Ela sorria e alternava o seio direito e o seio esquerdo para que eu sugasse. Com a mão, me acariciou e colocou para que ele acariciasse meu sexo no dela.

Ela tirou a camisinha, colocou outra e ficou cavalgando em mim. Seu gemido de prazer parecia sincero, e não resisti em me agarrar a ela. Senti suas mãos nas minhas costas, e quando ela cravou suas unhas, meu instinto falou mais alto e dei um beijo de língua em sua boca. Não me preocupava com nada. Era somente aquele prazer sórdido que tomava conta do meu corpo.

Éramos olhares, gemidos e sussurros, até ela dizer, baixinho no meu ouvido: "Eu não vou aguentar". Eu me deitei sobre ela e comecei a dar movimentos mais intensos. Ela gritou uma, duas, três vezes, até quase desfalecer nos meus braços. Caí do lado dela, extasiado.

Levantei e mandei que ela se vestisse, porque íamos embora. Ela me olhou com um ar de frustração. Por alguns instantes, tive uma empatia com a mendiga, eu certamente já havia feito aquele olhar em alguns momentos lá em casa. Mas logo fui tomado por um cinismo, e disse, em tom autoritário:

"Eu tenho hora pra chegar em casa".

Nos vestimos. Entramos no carro. Paguei a conta na saída do motel. Peguei o rumo da Cinelândia. Parei em frente aos bares de lá. Coloquei uma nota de 50 reais na mão dela. Ela se espantou. Segurei o rosto dela com a ponta dos dedos, e disse:

"Você é muito gostosa. Qualquer hora passo aqui".

Ela abriu o sorriso de dentes tortos, provavelmente por causa dos 10 reais a mais que o combinado. Fiz sinal para que descesse, e ela saiu. Liguei o rádio na estação de música clássica, e me arrisquei a cantarolar o que os instrumentos musicais faziam. Eu estava leve, vingado.

Estacionei o carro na garagem. Abri o porta-luvas, coloquei de novo a aliança de casamento no dedo e saí do carro. Passei pela portaria e vi no relógio digital do porteiro que passava da uma da manhã. Entrei no elevador. Desci no meu andar, abri a porta do apartamento.

Minha mulher estava sentada no sofá da sala. Olhou para mim de cima a baixo. Com naturalidade, eu disse:

"Vou tomar uma ducha e depois dormir".

Ela balançou a cabeça afirmativamente. Notei que seus olhos estavam marejados. Meu coração estava mais pleno ainda. Da sujeira da sarjeta, eu tinha encontrado a limpeza da minha alma. Com toda a sordidez que eu acumulara durante todos estes anos em minha própria casa.

3 comentários:

Everaldo Farias disse...

Você é um Nelson Rodrigues contemporâneo, esse texto prova isso!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Abraços!

Carmen Augusta disse...

Olá Vinicius!

Para um seguidor de Nelson Rodrigues, belo texto.
Siga em frente!

Um beijo,
Carmen Augusta

Zé Guilherme disse...

Fiz meu blog, graças à vc. Dê uma olhada.
Abraços,

Zé Guilherme