Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Duas palavras

"Tô grávida".

Lembrei da reação dele quando eu disse aquelas duas palavras. Tentativa desesperada para que a dor que o meu corpo sente mude para o meu pensamento. Trinco os dentes, para parecer um pouco mais forte diante daquele homem estranho no qual eu entrego minhas duas vidas. O médico dizia: "Calma, eu sei que está doendo, mas a anestesia em alguns minutos fará efeito".

Olho para o teto, meus olhos estão cada vez mais cheios de lágrimas. Bom pretexto para eu chorar por todos os motivos que me levaram a ficar aqui, deitada nesta maca. Reconstituí tudo o que aconteceu depois da minha revelação. Os olhos dele, arregalados, desviaram para o chão. Ele se levantou, se vestiu e meramente disse: "Vou te levar pra casa".

Saímos do apartamento dele e não trocamos nenhuma palavra no caminho. Antes de eu descer do carro, apoiei a cabeça em seu ombro e tentei procurar sua boca com a minha. Prestes a nos beijarmos, ele desviou o rosto. Disse apenas um "te ligo". Fiquei tão enojada com sua atitude que em vez de subir ao apartamento, tive de parar no banheiro da portaria para vomitar. Era a náusea do que ele me fez - da criança que começava a crescer em mim - e do que ele deixara e ainda iria deixar de fazer.

Todos os dias eu dormia implorando um movimento qualquer dele em direção a mim, mas acordava tendo apenas a companhia do som do silêncio. O silêncio, que era a trilha dos nossos beijos, agora era do vazio, da ausência.

Os dias se passavam sem palavras, num desamor que me mutilava pouco a pouco. Não era justo que tudo isto acontecesse com o meu coração somente por causa de duas palavras. Duas palavras que fecharam minhas portas para as palavras dele, e agora eu não tinha mais como me vingar.

Não aguento mais. Sinto uma compulsão por chorar as minhas dores. Acho que o médico e a enfermeira não vão se importar, quantas outras já choraram na presença deles... Eu sei. Estou me mutilando. Mas preciso me livrar de tudo o que sinto.

Experimento sorrir enquanto vejo o sangue nas luvas do médico. Ele está indo embora. Ele me mutilou e agora estou mutilando o resto de amor que ele deixou em mim. Ele agora se vai, de dentro do meu coração e de dentro do meu corpo.

3 comentários:

Carmen Augusta disse...

Ai Vinicius, que triste, quase chorei aqui também.
Porque você escreve tão bem que nos faz viver o personagem.
Nossa deve ser muito difícil para uma mulher tomar uma decisão dessa.
Mas o desespêro(tem acento anda?),
leva a tudo.

Parabéns amigo!

Beijos,
Carmen Augusta

James Lima disse...

Rapaz, me comoveu !
Poxa, você tá mandando bem nesses textos, hein?

Um Forte Abraço do seu fã
James Lima
www.robertocarlos.vai.la

Márcia Tristão-Bennett disse...

Vinicius...triste, mas acontece e muitas vezes....tanto a relacao do casal como a decisao da mulher...triste, para baixo, mas gostei.

Beijos!!!!!!!!!!