Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Retorno

Caminhou a passos lentos no corredor. Experimentou, por alguns instantes, dar dois passos para frente e retornar três passos, de volta ao elevador. Sim, sabia que seria doloroso retornar a aquele lugar depois de tanto tempo distante. Sentiu as pernas cambaleando. Apoiou-se na parede, tenso, fraquejando cada vez mais.

O vizinho saía de casa com roupa de caminhada. Notou que ele estava debilitado, perguntou se precisava de ajuda. Ele ergueu o corpo, fincou os dois pés no chão e balbuciou um "tudo bem". Recebeu um "bom dia" em troca. Sentiu-se mais vivo depois deste breve diálogo. Quis aproveitar o sopro de vida para, enfim, encarar a situação com a qual iria se deparar em casa.

Com os passos largos, alcançou a porta. As mãos trêmulas atrapalhavam a abrir a porta de casa, ainda mais que a chave do portão do prédio e a do apartamento ficavam muito próximas em seu chaveiro. Enfim, abriu. Fechou a porta e ficou, ofegante, agarrado a ela. Tinha receio de tudo o que iria encontrar.

Passou o olhar por todo o conjugado. Tudo permanecia do jeito que ele deixara. As muitas guimbas de cigarro abandonadas no cinzeiro. A xícara com um resto do café, fiéis companheiros quando optava por jornadas noite adentro. Criou certa coragem e foi, lentamente, na ponta dos pés, até a escrivaninha.

Sentou-se na cadeira, ligou o abajur de lâmpada fluorescente. Debruçou-se sobre a escrivaninha. Com o olhar vidrado nos papéis, tentou alcançar os cigarros. Esquecera que não tinha comprado nenhum maço. Na hora não importava. Começou a ler tudo o que aqueles papéis traziam.

Lia. Cada vez ficava mais ofegante, ansioso a cada página que ia embora de suas mãos naquele manuscrito. Tentava ser menos afoito, mas sua leitura era rápida, praticamente devorando as palavras que estavam naquelas folhas. Naquelas 84 folhas, preenchidas em frente e verso, que agora ele, com pesar, terminava.

Em seu rosto agora vinha um semblante de alívio. E de uma certeza. A certeza de que não podia viver sem ela. Sem sua obra-prima. Durante algum tempo fugira, por diferentes estradas e lugares, para tentar escapar de tudo o que tinha feito, do tanto que havia sido consumido.

Mas estava vencido. Como um bom filho, à casa retornava. Retornava para sua rotina. E retornava para a obra-prima que escrevera a mão e da qual ninguém deixaria mais que ele se separasse. Pelos próximos dias do resto de sua vida, dedicaria ao menos uns minutos do dia para ler aquele texto tão magnífico novamente. Precisava ter sempre a certeza de que aquelas palavras saíram de seu manuscrito.

4 comentários:

Carmen Augusta disse...

Oi Vinicius!

Gostei, seus textos prendem a gente. Mas fiquei com gosto de quero mais, saber mais...
Mas já reparei, essa é uma caracteristica sua.
Termina sempre nos deixando a pensar...

Parabéns!

Um beijo,
Carmen Augusta

Márcia Tristão-Bennett disse...

Vinicius...
Quando estava esquentando os tamborins, nao tinha pagina para virar...!!!!!

Assim nao vale....!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Parabens, meu poetinha, dos contos, das letras, does escritos!!!!!!!

Beijos!!!!!!!!!!!

James Lima disse...

Poxa, realmente, muito bom.
Como já disseram, a gente fica sempre querendo saber mais.

Realmente, professor, parabéns !

Abraços
James Lima
www.robertocarlos.vai.la

ROZANE MONTEIRO disse...

cara, tu tem um jeito de falar da angústia do escritor que eu invejo. sério, mermo, babe. é a angústia da angústia, a mistura do criador com a criatura. é apaixonante.