Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Vazio

Vazio. Foi o que ela sentiu quando o viu cruzando a porta, com a mala na mão esquerda. Ele ainda a olhou antes de bater a porta pela última vez. Ela desviou o rosto. Caminhou lentamente e encostou o ouvido na porta. Ouviu o barulho do elevador chegando. Agora tinha certeza da ausência dele em sua vida.

Queria chorar, mas só encontrou um vazio de lágrimas. Num instinto, recorreu ao estômago para sentir a presença de sua alma. Foi ao banheiro, ajoelhou-se diante do vaso sanitário e colocou os dois dedos no fundo da garganta. Em vão. Estava vazia até para um desespero forjado pela bulimia. Não encontrava em si mesma um sabor de derrota digno do triunfo de sua tristeza.

Experimentou tomar um banho gelado. Respirou aliviada no primeiro uivo de frio. Ao menos seu corpo revelou que não estava contaminado pelo vazio que se apoderara de sua alma. Desligou o chuveiro e suspirou aliviada. Ligou na água quente. O banho estava tão deliciosamente quente que não se importou com o novo vazio de lágrimas.

Vestiu-se, passou um pouco de maquiagem e desceu no elevador. Só respondeu ao "boa tarde" dos vizinhos balançando a cabeça afirmativamente. Entrou no carro e saiu disposta a ir ao cinema. Estacionou no shopping, e foi para a fila. Não teve de esperar muito, o cinema em dia de semana ficava bem calmo.

Sentou no lugar marcado, vieram os trailers dos próximos filmes. Aos poucos, voltava a se sentir vazia. Imensamente vazia. Desesperadamente vazia. Impacientemente, começou a bater o pé. O filme começou. Não conseguia prestar atenção. Prestava atenção somente nela mesma. E se perdia, tentando se achar. Olhou para os lados. Contou outras sete pessoas no cinema. A maioria formada por idosos.

Viu um homem que estava sozinho na última fila. Saiu de seu lugar. Foi andando até o final da sala. Sentou-se ao lado dele. Olhou-o de perfil, percebeu que ele era mais jovem que ela. Voltou a olhar para o filme. Discretamente, pousou a mão na coxa dele. Com a ponta dos dedos, subiu. Fez uma carícia por cima de sua bermuda e virou o rosto para ele. Ele ia falar alguma coisa, mas ela o interrompeu colocando o indicador nos lábios dele. Agora desejava o vazio. O vazio de palavras.

Conseguia ver os olhos dele graças à pouca luz que vinha da tela. Sem desfitá-lo, passou a mão por baixo de sua camisa. Desceu até a barriga e a escondeu embaixo de sua cueca. Ficou de pé e tirou sua calcinha na altura do olhar dele. Fez um carinho em si mesma e ajoelhou-se nele. Sentiu-se ainda mais erotizada pelo tímido gemido dos dois se confundir com as falas do filme americano.

Protagonizava o ápice de sua sensualidade, levando para seus lábios toda a quentura que adormecia em anos de um casamento que agora ela percebeu o quão era estático. Notou que os sussurros do homem ficavam mais intensos, e compassou os carinhos por baixo do vestido à cadência com a qual sua boca deslizava nele.

Seu ofegar tornou os movimentos mais fortes, até ambos caírem simultaneamente em um êxtase. Um pouco zonza, ela se levantou. Pegou a mão direita do rapaz e com o vestido sedutoramente entreaberto, o fez sentir todo o prazer que a situação proporcionou a ela.

Sentou-se ao lado dele. Os créditos começaram a subir. Ela deu um beijo bem doce em sua boca e rapidamente desceu as escadas. Ele ainda arriscou segui-la, mas ela apertou o passo e conseguiu se desviar do olhar dele. A última imagem que o rapaz teve dela foi uma mulher de costas fugindo de sua vista à medida que a escada rolante descia.

Ela foi até a garagem. Ao entrar no carro, notou que estava sem calcinha e exclamou um "ui" com certa safadeza. Saiu com o carro, pagou o estacionamento e seguiu até em casa. Sim, sabia que voltaria ao mesmo vazio que deixara com o pretexto de ir ao cinema. Mas voltava com a leve impressão de que não permitiu que sua alma se esvaisse por inteira.

*****

Este modesto salafrário que vos escreve vai tirar um recesso. O Diário de um salafrário volta a ser atualizado no dia 12 de agosto.

5 comentários:

Armindo Guimarães disse...

Caramba, Vinícius!

Depois de lermos os teus contos bem que nós também precisamos de tirar um recesso até ao dia 12 de Agosto.

Contigo a gente se mete em cada uma do carago! Até ao cinema vamos fazendo cenas em vez de as ver.

Bom recesso para ti e para nós.

Ufa!

:)

Abraços salafrários!

CON disse...

Uiiii...Sem comentários, rsrsrsrsrsrs
Beijos azuisss

Eliana Tavares disse...

Agora que cheguei você tira férias! Ainda bem que tem muita coisa pra ler até 12 de agosto. Adorei ter descoberto esse blog!
Abs
Eliana

Eliana Tavares disse...

Obrigada pela visita! Gostei de saber que você leu meus pensamentos hehehe...
Cheguei aqui passeando de blog em blog, um hábito que eu tenho. Só que não é frequente parar e ficar lendo como fiz aqui. Gostei mesmo!
Bom, continuarei lendo
Abs
Eliana

James Lima disse...

Vinícius !
Juan acordou !
kkkkkkkkkkkkkkkkk

Bicho, você sabe mais que ninguém que sou teu fã. Sempre gosto de vir ler seus textos aqui, no Emoções RC e, de vez em quando, no "O Tempo e o Placar".

To muito feliz que esteja tudo certo pro lançamento do livro. Você anda meio difícil de falar com o amigo, mas eu quero saber todos os detalhes, hein?

Um abraço, cara
E muito mais sucesso pra você !

Seu fã
James Lima