Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Durma bem



Hoje aproveito este espaço para publicar aqui um conto que foi ao ar no dia 18 de abril na página eletrônica Segunda a Sexta. Fiquem à vontade pra comentar.

Abraços,

Vinícius Faustini


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DURMA BEM

Saiu do banho com a decisão já tomada também em seu coração. Questionou por alguns instantes se podia citar a palavra “coração”, pois achava que o que em breve iria fazer era uma coisa desumana (se não achasse, alguém iria achar por ele quando soubessem o que ele estava prestes a fazer). Vestiu a cueca, o short e uma camiseta. Respirou fundo e abriu a porta sanfonada do banheiro.

Tomou o resto da latinha de cerveja. Achava que seria menos difícil o próximo passo, mas estar levemente alcoolizado não adiantou muito. Cortou uma fatia de queijo provolone e colocou na boca. Saboreou calmamente aquele pedaço. Fechou a geladeira. Viu, ao lado da cesta de ovos, um copo de água e alguns comprimidos de remédio. Olhou, de relance, para a sala. A TV estava ligada, no jornal da noite.

Olhou para o lugar dos produtos de limpeza. Ficou aliviado quando viu que aquele veneno comprado anteontem permanecia, intacto, no mesmo lugar. Voltou a lembrar de Laura, que pediu um ultimato depois de quase dois anos juntos e uma suspeita de gravidez. Abriu o saquinho e colocou na água. Misturou com uma colher, até que o pó branco ficasse tão incolor quanto a água. Deixou a colher no meio da louça do jantar. Olhou para o relógio. Oito e meia. Hora do remédio.

Pegou os comprimidos e colocou em uma das mãos. Na outra, o copo de água. Suspirou, abriu um sorriso forçado, que logo depois tirou do rosto. Ia ficar muito forçado e até mesmo sórdido. Pensou nas coxas de Laura. Na barriguinha de Laura. Nos seios de Laura. Na boca de Laura. No gosto de Laura.

Caminhou lentamente até a sala. Estacou, na porta da cozinha, para olhar um pouco mais a esposa. De beleza tão doce mas tão maltratada depois de dez anos de casados. Ela roia as unhas da mão esquerda e soltava um “que absurdo” depois que o noticiário contava a notícia de mais um assalto a banco.

Foi até ela. Estendeu a mão com os comprimidos e disse: “Hora do remédio”. Ela ainda o olhou com certa ternura quando pegou o Omeprazol e a Neosaldina. Colocou na boca e pegou o copo de água. Bebeu.

Foram poucos os instantes entre o primeiro gole e o primeiro grito de dor. Ele não disse nada, só assistia àquela agonia. Não teve um movimento na face enquanto ela se debatia. Só pensava na outra. Em Laura. Que agora seria a única na qual ele precisaria pensar.

Enfim, a esposa deu seu último suspiro. Deitou-a no sofá-cama. Num último afago, acariciou seus cabelos longos. Fechou os olhos dela. Beijou-a na testa e sussurrou, com carinho quase de pai: “durma bem”.

6 comentários:

Anônimo disse...

Grande Vinicius ,

Os seus Blogs vêm me surpreendendo bastante . Amo visita-los sempre têm alguma novidade que me faz ficar preso na telinha esperando algum desfeixo diferente .

Nesse maravilhoso conto , pude ver como que a mente de um ser humano pode ser perversa e maniaca depressiva . O marido , depois de assassinar a próprias esposa ele teve a capacidade de deitar a sua esposa em seu colo e acariciar seus cabelos e dizer "Durma bem " .

É fascinante esse mundo que envolve a mente humana . Com certeza é uma "caixinha de surpresas" Você me fez pensar em que tipo de doença que esse cidadão têm . Vou até perguntar para conhecidos que são "cobras" nesse assunto e fazer uma dedução

Forte abraço

Carmen Augusta disse...

Oi Vinicius!

Eu já tinha comentado esse conto lá onde foi publicado primeiro.

Você ralmente envolve a gente na leitura de seus contos, que teve mistério, surpresa e maldade.

Parabéns amigo e boa sorte com seu livro.

Beijos,
Carmen Augusta

Brasil Empreende disse...

Ola visitei seu blog e gostei muito e gostaria de convidar para acessar o meu também e conferir a postagem desta semana: Sim ao futebol-arte!
Sua visita será um grande prazer para nós.
Acesse: www.brasilempreende.blogspot.com
Atenciosamente,
Sebastião Santos.

Márcia Tristão-Bennett disse...

Vinicius;

Voce eh danado mesmo em suas historias!!!!!!! Misterio, romance, maldade.....a Vinicius das letras, palavras e frases!!!!!!!!!!!!!!!

Aguardo um romance bem leve!!!!!!!!!!! Numa praia (Ipanema) ensolarada, com barcos passando na orla!!!!
Soh para dar uma aliviada, vai!!!!!!!!!!!!

Parabens!!!!!!!!!!

Thales disse...

Vinicius, tô salvando o blog no favoritos pra ler tudo com calma. Mais uma vez, parabéns!!!

Tiago disse...

Olá, Vinícius

Sou o Tiago Cordeiro, da PUC-Rio e amigo do Thales, lembra-se?

Acabo de assinar seu RSS e fiquei MUITO feliz com a novidade. Meus parabéns, rapaz.

A gente tá conectado pelo orkut, mas raramente trocamos idéia. Depois me mande um mail e me diga como vc tá. Hoje, estou vivendo em sampa!