Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Saudade telefônica

Estou só. Na minha ânsia desmedida, no desvario acalentador de que um dia você vai me curar. Tirar todos os meus defeitos. Você chegou em minha vida para acompanhar meus dias, pra acabar com a azia, essa cruel companhia dos meus amargos dias de solidão.

“Eu amo você. Hoje mais do que ontem, amanhã mais do que nunca”. Você responde, e percebo na sua alma um sorriso descompromissado. Você está lisonjeada diante da maneira que lido com nosso amor.

Prossigo com minhas palavras. Cada vez mais me sinto em suas mãos. Você é a única coisa que me faz resistir às obsessões, ao fascínio que desde menino me leva a uma idéia. A um destino. À depressão seguida de um brutal, de um teatral, ou até mesmo de um silencioso suicídio. Paro. Suspiro. Respiro. Pergunto. Você está em frente à janela?

“Sim...Olhando para o céu. A noite está iluminada. Sabe, amor, eu acho que não há nada de mais bonito do que o luar desta noite”.


Você... Você...


Você ri, com essa risada de menina que me atrai e me dá uma calma tão doce. Repito, bem baixinho: você é a mulher mais linda do mundo.

“Eu queria estar aí do seu lado”. E faz um ar de quem está cheia de dengo.

Eu sei. Eu também queria. Hoje a noite parece estar mais fria. Deve ser o inverno começando. Isso acentua a minha solidão...


“Pensa em mim, amor...”

Você me dá uma paz. Sabe, a rua hoje tá tão escura, poucos carros na rua, e sempre passando a toda velocidade. Tem uma puta no sinal, mascando chiclete, doida pra conseguir um cliente.

“Hummm... Faz muito tempo que ela tá lá?”

Faz sim. Rio pra dizer. Desde que comecei a pensar em você!


Você ri. “Ah, é? Vai lá, quem sabe ela não dá pra você...”. Você me provoca, sabe o quanto eu te amo.

Ah, como eu preciso de você... Queria passar a noite sentindo sua presença. Deslizando a mão sobre seu rosto e vendo esse sorriso que me enfeitiça. Estou definitivamente tomado por você. Não me importo com mais nada, só quero passar o resto dos meus dias ao seu lado.

“Eu te amo”. Você me interrompe, num soluço de carinho.

Sorrio e digo. Eu também. Não resisto e suplico. Fica perto de mim.


“Casa comigo?”. Um pedido sério, seguido de uma frase sensual. “Sou toda sua”.

Sua voz me cativa, me apaixona, me acaricia, me envolve, me faz sonhar. Paro, penso, e faço uma autocrítica. Aqui estou eu insistindo nas minhas bregas declarações de amor. Perdão, meu bem, eu não perco essa mania.

Você ri. “Seu bobo... Eu adoro as suas declarações de amor!” E muda de assunto.

"Quando a gente se encontra? Pode ser amanhã? Eu tava com saudade...”.

Pode sim, e eu também estou com saudade. Bar?

“Não. Faz tanto tempo que eu não vou ao cinema...”.

Adorei a idéia. Qual filme?

“Um bem romântico!”

Tá bom, minha linda. Amanhã aqui na esquina de casa às duas da tarde.

“Sim, senhor”. E você se derrete. “Casa comigo...”.

Caso sim. Mas bem que a gente podia antecipar a lua-de-mel. Depois do cinema a gente vem aqui pra casa...

“Como você quiser, amor... A minha solidão tem me angustiado bastante também. Sinto falta do seu cheiro, do seu carinho, da sua cama...”.

Ando sonhando com você. A cada dia te enxergo mais bonita. Ninguém é capaz de decifrar a poesia dos seus lábios, a pureza do seu olhar, o calor do seu desejo.


“Ai, amor... Adoro quando você fala assim desse jeito comigo. É uma delícia fazer o papel de sua musa inspiradora”.

E eu adoro essa certeza de que amanhã vou vê-la mais uma vez.


Você fica em silêncio.

O que foi, meu bem?

“Acho que o seu amor por mim está acabando. Você não disse eu te amo nenhuma vez hoje”,

Eu te amo.

“Não. Depois que eu falei não vale”.

Que menina voluntariosa! É por isso que sou apaixonado por você.

“Não fala assim desse jeito comigo, não sou criança”. Pausa. Breve suspiro. “Não tinha reparado como a noite fica mais bonita quando a gente namora”.

É porque ela fica atiçada com o seu sorriso.


Você diz, emocionada. “Ai, meu amor, você tá tão poético hoje...”

É saudade. Saudade telefônica.


Um bocejo. “Estou com sono”.

É melhor você ir dormir. Eu não ia gostar de saber que você ficou com olheiras por minha causa.

“Vou pro meu quarto. Esperar o seu beijo de boa noite”.

Amanhã eu te espero.

“Estarei lá. Sempre”.

Boa noite.

“Boa noite”. Você completa, com doçura. “Vou sonhar com você...”.

Eu te amo.

“Eu também te amo. Boa noite, meu amor”.

Durma bem. Escuto o seu suspiro. Chamo, com desespero. Amor! Amor!


“Oi! Fala! Eu tô aqui”.

Nada, só queria ouvir um pouco a sua voz. Vou contar os segundos pra amanhã chegar logo, logo.

“Eu também”. Você boceja.

Vai dormir. Naquela hora tenho pena e também uma vontade louca de estar ao seu lado, contemplando o rosto que é um alento para os meus olhos. Ainda repito, num fio de voz, boa noite, boa noite, meu bem. Eu te amo... E aguardo o fim da ligação.

Coloco para imprimir o texto. Quem sabe o diálogo dessa vez agrade o editor, embora eu esteja satisfeito com a nova chance, confesso que estou com receio dos impropérios que ele possa vir a me dizer das minhas palavras. Ele diz que minhas palavras não têm verdade, não têm tesão.

Sempre me diziam que tudo na vida se resolve com diálogo. O que posso fazer se não me sinto mais à vontade pra falar com ninguém? Talvez seja melhor eu não mostrar isso aqui pra ele. Não quero que alguém venha falar “como sou”, “como devo ser” e “o que devo seguir para chegar ao resultado ideal”.

Cada vez que vejo o mundo lá fora me sinto melhor em meio aos meus personagens. E eles precisam de mim, e eu deles para continuar com a alma viva. São três da manhã. É bom eu dormir. Amanhã meus personagens têm de ter mais um dia de sobrevida.

Um comentário:

James Lima disse...

Caramba, bicho
É por essas e outras que sou seu fã !

Abraços
James Lima
www.robertocarlos.vai.la