Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Cúmplices

Olhou para o relógio, que marcava duas da manhã. O coração doía ao virar para o lado e notar que estava sozinho, que era sozinho, e que, mais uma vez, ia dormir sozinho. Ligou a televisão, e, dentre os canais, achou um que exibia um filme erótico. Começou a se masturbar com uma cena de sexo (num chuveiro, o fetiche que mais lhe dava prazer), na sensação de que a atriz loira e americana que gemia estava sussurrando por ele.

Depois de um ou dois sussurros do prazer que sentia ao menos por aquele instante, foi em direção ao banheiro. Olhou para o rosto no espelho, reparou a barba de dois dias e as olheiras que acompanhavam sua insônia. Procurava acreditar no amor ainda, apesar de tanto tempo só.

Doía mais de noite, quando o silêncio da cidade parecia mais fúnebre. Mas era a noite que sempre o acompanhava. Foi até a janela, olhou os carros estacionados, a banca de jornal e as lojas fechadas, a rua deserta. Direcionou o olhar em um apartamento. Reparou que havia uma mulher olhando para a rua. Esperou que ela olhasse para ele. Acenou, como se fosse um “boa noite”. Ela respondeu com um aceno triste.

Ele foi acordado com o pouco sol que anunciava o dia. Mais um dia solitário e monótono de escritor esquecido por leitores e editoras. Tentou escrever algumas linhas do romance que ansiava por fazer, mas a carência cada vez mais aguda deixava seu romantismo pendendo para a sexualidade – uma sexualidade quase barata.

Olhou novamente para a janela da mulher. Esperou meia hora, e se frustrou porque só pôde ver as cortinas fechadas. Passou o dia dentro de casa, mais um dia dentro de casa, inquieto, sem conseguir ler, nem escrever e, principalmente, estava com vergonha de deitar na cama para cochilar em plena tarde de terça-feira. Sim, se achava um vagabundo, mas ao menos queria ter pra si mesmo um pouco de dignidade. E também não tinha sono, não queria ter sono. Queria dialogar no olhar com aquela mulher.

Anoiteceu. A base de café e de alguns biscoitos, ele continuava de vigília em sua janela, esperando a mulher. E no fim da noite ela veio. Os dois se olharam por uns instantes. Ela sorriu ao revê-lo. O sorriso dela era a única coisa que podia ver com clareza no meio da escuridão do apartamento dela – e ainda assim graças ao auxílio da luz do poste que iluminava a rua. Ela mandou um beijo, e se foi. E mais uma vez ele teve de recorrer à companhia de um filme erótico para saciar sua carência.
Por outras madrugadas seguiram o mesmo ritual de “paquera”. Eram conhecidos e fascinados pelos olhares que trocavam. Até um dia. O relógio marcava duas da madrugada, o horário de sempre.

Com o olhar, ele conseguiu acompanhar os passos dela em direção a um canto do quarto. E o sorriso se alargou quando a viu acender a luz do abajur. Ela riu e mandou um beijo. Deu dois passos para trás, e fez com que ele notasse que ela estava de roupão, um roupão vermelho até a altura do joelho.

Com um sorriso carinhoso, ela passou a ponta dos dedos no colo, e deu a ele a visão linda de seu seio pequeno e rosado. Deslizou a outra mão pelo corpo e, com dois movimentos, deixou cair o roupão para que ele a visse. Para que a enxergasse nua.

Nua com cabelos à altura dos ombros, imaginou como seria o olhar dela (será de desejo? de êxtase? de tara? não importava a dúvida naquele momento), e a via tocar com os dedos os bicos durinhos. Ela sorria ao, com suavidade, passar a mão por cima dos pêlos pubianos, e dançava, ao som do desejo que sabia que dava a aquele vizinho que conhecia de janela. Ele a queria. Ela o queria. E o chamou. Com o indicador, fez um sinal o chamando para ir até ela. Em seguida, mostrou com os dedos o número de seu apartamento: cinco, zero, dois.

O porteiro se espantou ao ver um homem em plena madrugada fazer visita à moradora do 502, mas ao ouvir a confirmação dela, ele subiu. O coração batendo com ansiedade e o corpo ardendo na vontade de possuir sua cúmplice de tantas madrugadas.

Olhou-a de cima a baixo. Ela em sua camisola transparente... apenas. Notaram-se, viram-se, beijaram-se. E, de comum acordo, decidiram parar por ali. Eram cúmplices de um desejo muito grande, e não queriam perdê-lo nunca mais.

Um comentário:

Armindo Guimarães disse...

Este conto, para além de prender a atenção do leitor, tem um final surpreendente.

Muito bom!

Grande abraço