Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Fome no divã

Olá, amigos.

Em um dos posts anteriores, apresentei a vocês um esquete, a vertente salafrária do teatro. Foi um texto curto que fiz fortemente inspirado na obra de Nelson Rodrigues, minha primeira e eterna influência na literatura e na dramaturgia. No entanto, com o tempo, minha passagem como dramaturgo surpreendentemente passeou por outra área, na qual eu jamais imaginaria passar quando comecei a escrever.

De repente, me vi escrevendo textos cômicos, e o que apresento hoje é aquele que eu considero o definitivo. Principalmente, por ter sido escrito para um ator que considero um dos maiores talentos da comédia brasileira. Tive o privilégio de conhecer DELANO SESSIM quando fomos colegas de cena nas aulas do Ricardo Kosovski no teatro O Tablado. Este esquete eu escrevi pra nós dois fazermos, mas ele, às voltas com os vários compromissos do ator multimídia que é, não pôde fazer.


Mesmo assim, mantive a palavra de não apresentar este texto pra nenhum outro ator. Não enxergo ninguém além dele pra fazer o personagem principal desta minha ousada incursão na comédia. Delano, aqui fica o meu aplauso, e a espera de um dia receber o privilégio de te ver fazendo este texto. E, mais ainda, a espera de que você tenha seu talento reconhecido pelo grande público!

A todos, espero que Fome no divã seja bem degustado. É um trabalho do qual me orgulho muito de ter escrito. Fiquem à vontade para comentar.


Obrigado a todos,

Vinícius Faustini


*****

FOME NO DIVÃ


Personagens

PSICANALISTA
POLCAN MACIEIRA PUDIM

Cenário
Sala do consultório de um psicanalista. Uma poltrona ao lado de uma mesinha e um divã.

PSICANALISTA (em off) – O próximo!

Ilumina-se o palco. O psicanalista está de pé, à espera do paciente.


POLCAN – Boa tarde. (cumprimenta o psicanalista)

PSICANALISTA – Boa tarde, senhor Polcan. Esteja à vontade.

Polcan está visivelmente ansioso, chega a tremer no divã. O psicanalista age naturalmente.

PSICANALISTA – Pois bem, pois bem. (senta-se na poltrona e pega uma ficha na mesinha) Senhor Polcan Macieira Pudim. Qual é o seu problema?

POLCAN – Bem, doutor, eu... eu decidi procurar a sua ajuda porque... (chora)

PSICANALISTA – Sim?

POLCAN – Ah, fala você primeiro, doutor. Eu não tô em condições de falar agora.

PSICANALISTA – Escute, senhor Polcan, numa consulta com o psicanalista, você deve falar primeiro o seu problema, para que eu avalie.

POLCAN (irritado) – Mas quem tá pagando sou eu! O senhor não conhece aquele ditado “o freguês sempre tem razão”?

PSICANALISTA (sempre calmo) – Acalme-se, senhor Polcan...

POLCAN – Minha mulher disse que o senhor ia me curar do meu problema!

PSICANALISTA – Sim, mas se eu não souber como é seu problema, não posso ajudar.

POLCAN – Está bem.

PSICANALISTA – Pode falar.

POLCAN – Bom, doutor, tudo começou por causa do meu pai.

PSICANALISTA – Como?

POLCAN – Quando minha mãe tava grávida de seis meses, numa noite ela teve desejo, sabe? Desejo de comer manga com abacate.

PSICANALISTA – E o seu pai?

POLCAN – Eram três horas da manhã, mandou a velha dormir e aí a massa desandou...

PSICANALISTA – Não entendo...

POLCAN – É, a massa desandou. Eu nasci com cara de manga chupada, nariz de castanha de caju, sou alto e magro parecendo uma cana-de-açúcar... E olha o meu nome! Onde é que o senhor já viu um cara com nome de mexerica?

PSICANALISTA – É, aliás seu nome é bem exótico: Polcan Macieira Pudim. Parece predestinado a gostar de comida. Bem, voltando... O desejo não realizado de sua mãe fez com que você sempre associasse uma parte de seu corpo com algum alimento.

POLCAN – Não é só isso, não, doutor. É em tudo! Eu só penso em comida, o tempo todo... E fico nervoso, quando fico nervoso eu começo a comer, comer, comer...

PSICANALISTA – Bem, isso é delicado. O senhor é casado?

POLCAN – Sou.

PSICANALISTA – Como é sua mulher?

POLCAN (feliz) – Ah, doutor, ela é uma uva!

PSICANALISTA – Uma uva?

POLCAN – É, os olhos dela parecem duas jabuticabas, os seios são tipo limãozinho, meu Deus, que delícia! E outra: dá mais que chuchu na serra! E tem um sabor de melão...

PSICANALISTA (estranhando, tenta mudar de assunto) – Ela trabalha?

POLCAN – Não. Quem descasca o abacaxi lá em casa sou eu.

PSICANALISTA (espantado) – Deve ser muito difícil, não?

POLCAN – É verdade, tem muito pepino pra segurar.

PSICANALISTA – A sua esposa agüenta você sempre falando em comida?

POLCAN – O meu docinho de coco agüenta, ela me ama muito! Ela sabe que a minha vida não é mamão-com-acúçar...

PSICANALISTA (muda de assunto) – E sua família?

POLCAN – Eles erguem a mão pro céu porque eu não sou kiwi.

PSICANALISTA – Kiwi?

POLCAN – Peludo por fora, fruta por dentro.

PSICANALISTA (farto) – Ah, sim... Bom, vamos mudar de assunto. Gosta de cinema?

POLCAN – Sim, sempre acompanhada de pipoca com refrigerante.

PSICANALISTA – É. Qual o seu filme favorito?

POLCAN – Tomates verdes fritos.

PSICANALISTA – É, senhor Polcan, e a ciência diz que a teoria de que desejo de grávida não realizado dá problema pro filho não é verdade...

POLCAN – Pois é, doutor. Minha vida não é sopa!

PSICANALISTA – Não mesmo, senhor Polcan. Bom, agora eu farei uma dinâmica. Eu digo uma palavra e você responde com a primeira palavra que lhe vier à cabeça relacionada ao assunto. (respira fundo) Quem sabe, assim, você consiga ao menos não pensar em comida. Posso começar?

POLCAN – Pode.

PSICANALISTA – Futebol.

POLCAN – Frango!

PSICANALISTA – Carro.

POLCAN – Cebolão!

PSICANALISTA – Ah, mas esta agora será difícil você pensar em comida. Teatro.

POLCAN – Bife!

PSICANALISTA – Cante o primeiro verso de uma música que lhe vem à cabeça agora.

POLCAN – “Eu sou do camarão ensopadinho com chuchu”.

PSICANALISTA – Pelo amor de Deus, pára de pensar em comida!

POLCAN – Ô doutor, eu não consigo!

PSICANALISTA – Olha, nosso tempo acabou.

POLCAN – Já? Não deu nem pro tira-gosto.

PSICANALISTA (irritado) – Não, não deu nem pro tira-gosto.

POLCAN – Tá legal, doutor. Mas... essa conversa me deu uma fome!!!

PSICANALISTA (irônico) – Imagino.

POLCAN – Quanto é?

PSICANALISTA – Cento e cinqüenta reais.

POLCAN – Tudo isso? Salgado, hein?

PSICANALISTA – Infelizmente, o meu preço não é a gosto do freguês...

POLCAN (escrevendo no cheque) – É verdade, rapadura é doce, mas não é mole não!

PSICANALISTA (nervoso) – Por favor, senhor Polcan, vá embora! Eu já fiquei enjoado de tanto o senhor falar de comida.

POLCAN – Francamente, doutor, eu achava que o senhor tratasse melhor os seus clientes. Escuta aqui, se continuar desse jeito eu vou rebater na mesma moeda. Porque comigo é assim, pão, pão, queijo, queijo.

Sobe a música Ilegal, imoral ou engorda, cantada por Roberto Carlos, na altura do verso “será que tudo que eu gosto é ilegal, é imoral ou engorda”. As luzes se apagam.


PANO


© Copyright. Vinícius Faustini, 2005. Todos os direitos autorais reservados.

6 comentários:

Carmen Augusta disse...

Bravo Vinicius, gostei!
Espero que seu amigo possa um dia fazer o "Fome no Divã", com você.

Sabe, tenho uma prima, hoje bem idosa e que não vejo há anos, que trabalhou anos atrás e por muito tempo, com Maria Clara Machado, no Tablado...
Um abraço,
Carmen Augusta

Márcia Tristão-Bennett disse...

Adorei Vinicius, adoradinho!!!!!!!!!!!!!!
Eu queria ter muito tempo para ficar vindo aqui todos os dias...mas venho quando posso!!!!

Abracos eduardolageanos!!!!!!!!

Vinícius Faustini disse...

Marcia e Carmen, obrigado pelas palavras e pelo apoio de sempre. Carmen, quem é a sua prima? Talvez eu a conheça...

Beijos do salafrário,

Vinícius

James Lima disse...

UAU, bicho
Caramba, muito bom

Ri alto nos trechos:

"É, a massa desandou. Eu nasci com cara de manga chupada, nariz de castanha de caju, sou alto e magro parecendo uma cana-de-açúcar... E olha o meu nome! Onde é que o senhor já viu um cara com nome de mexerica?"

"E outra: dá mais que chuchu na serra! E tem um sabor de melão..."

Parabéns, bicho
Ah, quanto ao KIWI, essa foi demais rsrsrsrsr

James Lima
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CON disse...

Uauuuu...Você arrasa SEMPRE!!!
Parabéns!!
Beijos azuis

Anônimo disse...

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