Trilha sonora, um dos textos do livro DIÁRIO DE UM SALAFRÁRIO, na voz de Eliane Gonzaga.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Gatos pardos

É madrugada. Meu horário especial. É nela que eu suspiro meus sonhos, é nela que sou um gato pardo, miando minhas vontades, minhas certezas, minhas incertezas. Nesta parte do dia todos dormem, a noite também. E eu velo acordado, acordando meus sonhos, em busca de algum acaso que me faça deixar de lado o tédio do dia.

O porteiro já se acostumou, no máximo levanta os olhos e volta a dormir, pois já sabe que eu vou abrir o portão eletrônico sem a menor cerimônia. A companhia de luz ainda não consertou a luminosidade daquele poste. Melhor assim, não estou com vontade de ser visto com tanta clareza.

A cidade adormece, e assim fica melhor espiá-la em todos os seus detalhes, suas rugas de expressão ou de idade ou de acidentes de percurso. A madrugada não traz aquele calor infernal do sol de meio-dia. E aquele cheiro de maresia já me entorpece e gruda na minha pele trazendo o friozinho gostoso que minha solidão se apressou a mostrar pra mim desde sempre. Não nasci pra ser cuidado. Nasci pra cuidar de alguém. De cuidar dos outros. De cuidar da vida dos meus companheiros anônimos. Companheiros de madrugada, das ruas, do anoitecer, do silêncio notívago.

Vislumbro a praia. Nessa hora ela está com uma natureza mais condizente com a dela, pode ser vista com todos os seus detalhes e toda a carícia que ela faz à alma da cidade. Coitada, tão perdida em meio a aquela poluição do cotidiano, reduzida a mera figurante de uma paisagem tomada por ônibus, carros, transeuntes e camelôs.

“Oi, bem!”. Sou surpreendido por ela. Faço sinal de positivo com a cabeça. “Tá afim? Ai, ninguém quer foder de madrugada, tô ficando preocupada, sabia? Essa cidade tá com abstinência sexual”. A puta suspira no meu ombro, e depois mostra a bolsinha com alguns trocados e um estojo de maquiagem.

Digo que estou sem dinheiro. “Porra, tu nunca tem dinheiro? Pois devia! Sabia que nesse horário que tu anda por aqui tem muito bandido? Imagina se um deles te aborda e você não tem grana. Vai sobrar pra você...”. Ela abre a blusa. “Tô com tesão hoje. Chupa meus peitinhos, vai?”. Ela sorri pra mim. “São gostosos, né? É a parte do meu corpo que eu mais gosto, e que me deixa mais excitadinha”.

Meu rosto cai nos seios dela. Começo a lamber, primeiro um e depois o outro, sem o menor pudor das pessoas que possam nos ver. Ela começa a gemer devagarinho. A ponta da língua lambe minha orelha, suas mãos acariciam meu rosto. “Hummm... Você é gostoso! Chupa eles, vai...”. Sugo com vontade, eles cabem inteiros na minha boca. Vejo a mão dela descer pela saia pra ela se acariciar. “Olha, só não faço você entrar em mim porque não coloco pau nela de graça. Mas me chupa mais, faz carinho neles, faz... Hummm”.

Dou beijos na sua orelha. Minhas mãos afagam seus seios. Por um momento, sinto carinho de apaixonado por ela. E é bom sentir isso. Deslizo por sua barriga, suas costas, depois vou descendo por seu bumbum. Ela se acaricia com mais intensidade, ela olha para as poucas estrelas do céu. Alguns sussurros. Ela vai gemendo mais forte. Lambe meu rosto e diz: “Eu vou gozar”. Desço meu rosto novamente em seus seios, e chupo primeiro o da esquerda e depois o da direita, cheio de vontade. Ela dá alguns sobressaltos, um gemido mais forte, um grito e cai sobre mim.

Num primeiro instante, ela parece desmaiada, e eu aproveito para beijar seu rosto adormecido no meu ombro. A observo com carinho quase de pai. Somos duas solidões nesse mundo de loucos.

Ela se desvencilha do meu corpo. Fecha novamente a blusa e se levanta. Pega o estojinho, passa alguma coisa nas pálpebras e um pó no rosto. Ao colocar de novo o estojo na bolsa, percebe que esqueceu de passar o batom. Passa com minúcia. Seus movimentos são mais mecânicos, ela parece querer mostrar para mim que o que ela fez ou faz é uma coisa corriqueira.

“Querido, tenho de voltar lá. Sabe como é, não posso deixar de ganhar”. Balanço a cabeça afirmativamente, viro as costas para ela. Vou atravessar a rua, mas ouço a voz dela gritando “Espera”.

Viro para ela. Ela levanta a saia, deixando à mostra a calcinha minúscula e vermelha. Com as pontas dos dedos, a calcinha sai de seu corpo. Em uma fração de segundos, vejo seus pêlos pubianos de cor castanha. Ela estende a calcinha. “Toma”. Minha primeira reação é de espanto. “Presente meu. Gozei gostoso, quero que você lembre dessa noite. Não é qualquer um que me faz gozar só de me tocar”.

Pego a calcinha, a cheiro e dou um sorriso safado. Ela propõe: “Sempre que quiser, eu tô aqui. Dependendo de como foi a noite, qualquer dia eu dou pra você de graça. Não é caridade não, é por tesão mesmo”.

Nos olhamos em silêncio por alguns instantes que parecem eternidades. Ela suspira, em lamento. “Bom... então tchau, né?”. Meu olhar desvia para o relógio digital. São vinte pras quatro da manhã. Ela vira as costas para mim.

De noite todos os gatos são pardos. Mas de madrugada podemos agir de formas como não agiríamos em qualquer situação de dia-a-dia. A escuridão esconde sentimentos que em qualquer outro horário ficariam muito claros nas nossas almas.

A imagem da puta se perde no meu horizonte. Vou me encaminhando para outras ruas. Apresento a elas todos os sentimentos e sonhos que escondo. Sou um gato pardo, ao mesmo tempo protegido pela névoa da escuridão, e ao mesmo tempo gritando meus desejos à minha amante mais fiel: a madrugada.

Um comentário:

Armindo Guimarães disse...

Essa da madrugada ser a melhor amante, tem muito que se lhe diga.

Gostei.

Abraços